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Ilustração: Revista Oeste/Criado por IA
Edição 261

Procuram-se trabalhadores

Do campo à construção civil, o país lida com a falta de mão de obra qualificada

anderson scardoelli - pb - perfil - 12122024
Anderson Scardoelli
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Desvalorização do real diante do dólar, inflação em alta, desaceleração do produto interno bruto (PIB), insegurança jurídica, gastos públicos nas alturas e… falta de mão de obra. Indicadores, levantamentos e reclamações evidenciam o que se tornou um dos maiores problemas do país: encontrar profissionais qualificados para movimentar os mais diversos setores da economia. Da construção civil ao comércio, passando por supermercados, tecnologia da informação (TI) e funções na agropecuária.

A empresária Marisa Granchelli, de Holambra (SP), sente na pele a ausência de bons funcionários. Com 59 anos, ela se vê obrigada a encarar jornadas extenuantes para que o seu negócio, a RM Flores, mantenha a produção de flores e plantas ornamentais. “A gente não acha ninguém para trabalhar”, desabafou, num vídeo que viralizou há quase dois meses nas redes sociais. De acordo com ela, a dificuldade se dá em duas frentes. Uma é a confirmação de que há pessoas que se negam a ser contratadas pelas regras da CLT, pois temem a exclusão de programas sociais. A outra é o desafio de ter que aturar os mais jovens que, segundo relata, veem tudo como ofensa.

A produtora de flores do interior paulista está longe de ser um caso isolado no meio rural. No fim de 2023, o Brasil tinha a lacuna de quase 200 mil oportunidades no agronegócio. Ou seja, havia vagas, mas não havia gente com preparo para assumi-las. O gap foi constatado em um levantamento feito pela Agência Alemã de Cooperação Internacional, em parceria com a Universidade do Rio Grande do Sul e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Situação que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) reconhece.

“Muitos produtores já descobriram pessoalmente que a mão de obra rural qualificada não é algo que pode ser facilmente encontrado”, afirma a Embrapa no documento Crise de Mão de Obra no Campo, divulgado em abril do ano passado. “Em geral, para contar com uma equipe especializada e atualizada na sua área de atuação, é preciso investir na preparação individual.”

Do ‘piso de loja’ à TI

O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), que é vinculado à Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que também há escassez de bons trabalhadores no ambiente urbano. Segundo estudo publicado em dezembro de 2024, seis em cada dez empresas dos setores de comércio, serviços, indústria e construção têm problemas na hora de contratar colaboradores qualificados. O mesmo material trouxe outro dado alarmante: para cerca de 20% desses empregadores, há dificuldade em conseguir até mesmo mão de obra “não qualificada”.

Infográfico mostra dificuldades das empresas atuantes no Brasil em contratar bons e até maus profissionais. Dados de dezembro de 2024 | Foto: Divulgação/FGV Ibre
Infográfico mostra dificuldades das empresas atuantes no Brasil em contratar profissionais, qualificados ou não. Dados de dezembro de 2024 | Foto: Divulgação/FGV Ibre

O fato de não conseguir contratar pode, em determinados casos, travar a economia. Erlon Ortega, presidente da Associação Paulista de Supermercados, afirma que há unidades que, apesar de prontas quanto à infraestrutura, ainda não abriram as portas para o público por falta de funcionários. De acordo com ele, há cerca de 30 mil vagas no setor somente no Estado de São Paulo. A maior parte é, explica o executivo, de “piso de loja”, como operadores de caixa, empacotadores, repositores e açougueiros. “Não é apenas o setor supermercadista que enfrenta essa dificuldade”, diz Ortega. “Na verdade, trata-se de um desafio de âmbito nacional.”

Para os supermercados, a escassez de mão de obra se dá em todo o Brasil. De acordo com levantamento divulgado na semana passada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, oito das dez funções que mais empregam no setor sofrem com falta de força de trabalho: açougueiro, atendente, auxiliar de serviços de alimentação, embalador, operador de caixa, padeiro, repositor de mercadorias e vendedor.

Na construção civil do país, o Ibre-FGV relatou, em pesquisa de junho de 2024, que quase 40% do setor apresentou “muita dificuldade” em contratar. Com isso, os salários ficam mais atrativos, enquanto as empresas passam a gastar mais com capacitação e até com deslocamento dos trabalhadores já treinados entre um projeto e outro, mesmo que em Estados ou regiões diferentes. Assim, a “escassez de mão de obra eleva custos na construção”, apontam os responsáveis pelo levantamento.

“A falta de habilidades digitais no Brasil o coloca na terceira posição entre os países do G20 que mais desperdiçam a oportunidade de aumentar o PIB.” (Google)

No Brasil, a falta de profissionais qualificados é multidisciplinar. Vai além do “chão de loja” e de “peões” da construção civil. Também se faz presente em ocupações que surgiram com o advento de recursos tecnológicos. É o exemplo da área de TI, a tecnologia de informação. Projeção feita pelo Google for Startups em 2023 sugeriu que agora, em 2025, haverá déficit de mais de meio milhão de vagas no setor. “Desequilíbrio entre oferta de trabalho e talentos disponíveis”, afirmou a big tech. “A falta de habilidades digitais no Brasil o coloca na terceira posição entre os países do G20 que mais desperdiçam a oportunidade de aumentar o PIB.”

A vasta turma do ‘nem-nem’

Para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, a falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho é consequência de falhas no sistema educacional. Na visão dele, o país só começará a resolver esse gargalo quando transformar a sala de aula em ambiente preparatório para as necessidades demandadas por quem contrata.

“Aumentamos a carga horária de português em 60% e a de matemática em 70%”, disse Tarcísio, em entrevista ao Oeste Negócios, programa apresentado por Adalberto Piotto no canal da Revista Oeste no Youtube. “Por quê? Português: capacidade de comunicar, porque o mercado quer uma pessoa que se comunique. Matemática: capacidade de resolver problemas. Capacidade de quebrar um problema grande em problemas menores.”

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Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), concorda com o governador. Para ele, a educação no país “cada dia mais deixa a desejar”. Mas não é só isso. O representante da ACSP lamenta o avanço da população qualificada como “nem-nem”, que nem estuda nem trabalha. Conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em levantamento de setembro do ano passado, 24% dos brasileiros de 25 a 34 anos são “nem-nem”. É quase o dobro da média entre os países da OCDE (13,8%).

“Não sei se é um desânimo por parte das pessoas ou se elas estão muito alienadas da realidade”, afirma Ordine, que registra sua desilusão quando indagado se há possibilidade de resolução disso no curto prazo. “Nos próximos anos, vamos sentir ainda mais dificuldade de encontrar profissionais qualificados. Há necessidade de uma campanha das autoridades e das entidades de classe no sentido de fortalecer o espírito de trabalho.”

Há, ainda, o fator assistencialismo (leia reportagem de Carlo Cauti nesta edição). Empresários queixam-se do fato de inúmeras pessoas preferirem ser parte das estatísticas de programas sociais a terem a responsabilidade de trabalhar. Reclamação que se sustenta em dados oficiais. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados e o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, o Brasil fechou 2023 com 13 Estados tendo mais beneficiários do Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada. O Maranhão liderou o inglório ranking, com 1,2 milhão de beneficiários e 640,5 mil empregados registrados. Para efeito de comparação, Santa Catarina apareceu na ponta inversa, com 234,3 mil beneficiários versus 2,3 milhões trabalhadores formais.

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Cadê a geração Z?

A escassez de mão de obra qualificada no Brasil passa a preocupar empresas na medida em que parte da geração Z, composta pelos nascidos entre 1997 e 2010, deveria aquecer o ambiente corporativo. Mas isso se tornou um problema dentro de outro problema. Em vez de agregarem com novos conhecimentos, sobretudo no digital, esses profissionais são, em suma, tachados de descompromissados e insubordinados. Resultado: praticamente 70% dos empregadores têm dificuldade em lidar com a geração Z, indica o relatório Tendências de Gestão de Pessoas, que a divisão brasileira da organização Great Place to Work apresentou em março do ano passado.

Por ora, a geração Z conseguiu transformar em piadas algumas de suas histórias no mercado de trabalho brasileiro. No Instagram, a influenciadora Jordana Pires apresenta gafes e confusões protagonizadas por esses jovens profissionais. Situações que vão da estagiária que pede para trabalhar com o celular — e não com o notebook da empresa — ao funcionário que sugere ao contratante fazer um empréstimo para lhe pagar participação nos lucros e resultados, mesmo com a empresa não obtendo lucro. O vídeo publicado no último dia 10 com alguns desses casos soma 3,6 milhões de visualizações.

Enquanto a geração Z se torna motivo de chacota no mercado de trabalho, a falta de mão de obra qualificada se consolida como mais um drama para o país. Dona Marisa, a florista do interior de São Paulo, que o diga.

Leia também “Um empregado malandro”

1 comentário
  1. Marcelo Martins
    Marcelo Martins

    E ainda há idiotas que acham que o Brasil não caminha rumo ao Socialismo! Se nada for feito, o Brasil caminhará para uma situação em que menos de 1/4 da população em idade para trabalhar terá que trabalhar para sustentar os outros 3/4 que não trabalham!

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