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Foto: Montagem Revista Oeste/Roman Samborskyi/Shutterstock
Edição 262

(In)Justiça do Trabalho

Lidando com casos bizarros e o parasitismo de 17 mil sindicatos, Brasil é líder em processos trabalhistas

anderson scardoelli - pb - perfil - 12122024
Anderson Scardoelli
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Imagine a seguinte cena: um homem, em pleno gozo de suas faculdades físicas e mentais, está em casa, sentado, com o seu cachorro de estimação no colo. Por alguma razão, o pet se assusta e, em virtude de um movimento brusco, provoca uma lesão no joelho esquerdo do dono. Seria o caso de a pessoa em questão simplesmente ir ao pronto-socorro mais próximo, certo? Errado! No Brasil, tal situação fez um homem reivindicar seus supostos direitos e abrir um processo na Justiça do Trabalho. Afinal, ele estava em pleno expediente, no sistema de home office. Sob essa alegação, ele tenta ganhar, a título de indenização por danos morais e materiais, R$ 200 mil da Vale, empresa para a qual prestava serviços na ocasião. Na visão dele, a companhia deveria tê-lo orientado sobre como cuidar de animais de estimação fora do escritório.

Por ora, a tentativa do homem machucado pelo cachorro de impulsionar suas contas bancárias em milhares de reais não prosperou. O trabalhador, que se chama Washington José Lopes Acelino da Silva e foi analista operacional da Vale, sofreu duas derrotas diante dos tribunais. A mais recente ocorreu neste mês de março, quando o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (TRT-5), com sede em Salvador (BA), rejeitou o pagamento indenizatório. Mais do que negar o pedido, o relator do processo no TRT-5, desembargador José Cairo Júnior, demonstrou incredulidade.

“A tentativa do reclamante de atribuir à reclamada a responsabilidade por um acidente causado por seu próprio cachorro, ocorrido em ambiente doméstico, chega a ser inusitada e desprovida de qualquer fundamento jurídico razoável”, afirmou Cairo Júnior, em trecho de sua decisão. “Fica claro que o reclamante, ao tentar transformar um acidente doméstico em acidente de trabalho, sem qualquer relação com as funções que exercia, busca criar uma narrativa sem sustentação jurídica ou fática.”

Há, contudo, casos excêntricos que prosperam contra empregadores na Justiça do Trabalho. Um exemplo é a história do operador de telemarketing que obteve êxito ao culpar a empresa pelo fato de, em casa, ter caído da cadeira. Sem anunciar os nomes das partes envolvidas na ação, o TRT-3, da Paraíba, determinou, em fevereiro deste ano, o pagamento de R$ 30 mil ao funcionário. Decisão que revoltou o economista e influenciador digital Charles Mendlowicz. Ele lembrou que, há cinco anos, já havia alertado para a possibilidade de o advento do home office em diversos setores ampliar o volume de novas ações trabalhistas.

“Desde 2020, quando começou a onda de home office por causa da pandemia, avisei que isso poderia acontecer, já que estávamos falando do Brasil”, afirma Mendlowicz, que é mais conhecido pela alcunha “Economista Sincero” nas redes sociais. “E não é que aconteceu? Pois é, galera, um trabalhador processou a empresa e faturou R$ 30 mil depois que a cadeira quebrou enquanto ele trabalhava em home office.”

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Insegurança jurídica

O funcionário que caiu da cadeira de casa e o trabalhador que se machucou ao deixar o cachorro no colo em meio ao home office são apenas duas de inúmeras histórias bizarras que recentemente ganharam vez na imprensa quando o assunto é Justiça do Trabalho. No Brasil, está em alta acionar esse braço do Poder Judiciário. Somente em 2024, mais de 2 milhões de ações trabalhistas foram abertas no país. Volume que representa um crescimento de 14% no comparativo com 2023 e estabelece a maior marca desde a implantação da reforma trabalhista, em 2017.

Não foi só o número de novos processos que subiu. As cifras pagas pelas empresas que são alvo de processos trabalhistas também cresceram de um ano para o outro. Chegaram próximo dos R$ 50 bilhões em 2024, um avanço de quase 20% na comparação com os R$ 41 bilhões pagos em 2023.

O volume de pagamentos poderia ter sido ainda maior. Só não cresceu porque há empresas que conseguem reverter decisões judiciais adversas. No mês passado, o TRT-2, de São Paulo, anulou a multa de R$ 1 bilhão que a Uber deveria pagar, conforme decisão de dezembro de 2023. Anteriormente, a Justiça havia entendido que a companhia deveria contratar via regime CLT os motoristas parceiros, além de desembolsar a quantia bilionária em virtude de dano moral coletivo. Na ocasião, a corporação reclamou publicamente da “insegurança jurídica”.

uber divulgação - justiça do trabalho
Empresa que conecta motoristas parceiros com passageiros, a Uber já reclamou publicamente da ‘insegurança jurídica’ que se faz presente na Justiça do Trabalho brasileira | Foto: Divulgação/Uber

A Uber não está sozinha na afirmação de que a insegurança jurídica é um dos problemas do Brasil. Em novembro do ano passado, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) divulgou estudo nesse sentido. De acordo com a entidade, o país lida com “leis ambíguas e decisões judiciais de caráter voluntarista”. Isso, conforme o órgão, eleva os custos tanto de empresas da iniciativa privada quanto do setor público, impacta o preço de bens e serviços, e se torna obstáculo para a geração de empregos.

Presidente do Conselho de Emprego e Relações do trabalho da FecomercioSP, o sociólogo José Pastore foi o responsável pela condução do levantamento. Para ele, a Justiça do Trabalho brasileira age, em muitos casos, com “voluntarismo”. “Deliberações são influenciadas por ideologias, posicionamentos políticos e pressão da opinião pública”, observou, no momento da divulgação do estudo. “No exercício da magistratura, o maior desafio é equilibrar as necessidades dos trabalhadores com os limites dos empresários e do próprio governo na esfera econômica.”

Paraíso sindical

A afirmação de Pastore parte de alguém com conhecimento de causa. Ele, que é professor na Universidade de São Paulo, se dedica há mais de quatro décadas a entender a Justiça do Trabalho e as relações entre empresas e funcionários. Em pesquisa divulgada em 2017, ele cravou que o Brasil era campeão em volume de ações trabalhistas. De acordo com o sociólogo, o país registrou a abertura de quase 4 milhões de processos desse tipo em 2016. No mesmo período, os Estados Unidos registraram 110 mil casos. Situação que parece não ter mudado com o decorrer do tempo. Apesar da dificuldade de checar indicadores em outros países, estimativas apontam o Brasil como “casa” de 98% de todos os processos trabalhistas do planeta.

Condição que tem relação com o fato de o país ser um paraíso sindical. O mercado de trabalho brasileiro é amarrado por mais de 17 mil sindicatos, conforme dados extraídos por Oeste a partir de registros do Ministério do Trabalho e Emprego. Para efeito de comparação, em países como EUA e Reino Unido, o número de entidades sindicais não chega a 200.

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No Brasil, quase todos os segmentos da economia lidam com o sindicalismo. Há, por exemplo, o Sindicato dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral de Araucária (PR). O Sindicato dos Auxiliares da Administração Escolar do Oeste de Santa Catarina e o Sindicato dos Empregados em Empresas de Lava-Rápido e Similares do Estado de São Paulo também marcam presença no país. Até entidades voltadas para profissões fadadas à extinção seguem na ativa, como o Sindicato dos Jornaleiros do Paraná.

Você paga a conta

Com mais de 17 mil sindicatos e mais de 2 milhões de novos processos trabalhistas por ano, o Brasil ainda lida com o crescente custo da estrutura da Justiça do Trabalho. Em seu mais recente relatório, o Conselho Nacional de Justiça admite que, sozinho, esse segmento do Judiciário foi responsável por despesas que superaram os R$ 23 bilhões em 2023. Em 2013, dez anos antes, o custo era de R$ 13 bilhões. Contas que foram bancadas — como sempre — pelos pagadores de impostos.

custo da justiça do trabalho do brasil em 2024
Infográfico do Conselho Nacional de Justiça destaca o custo da Justiça do Trabalho do Brasil para os pagadores de impostos em 2024 | Foto: Reprodução/CNJ

Parte do custo da Justiça do Trabalho se dá em razão de sua estrutura. Diferentemente dos tribunais regionais federais, que são seis no total, praticamente cada Estado tem um Tribunal Regional do Trabalho para chamar de seu. São 24 TRTs espalhados pelo país. São Paulo conta com dois, um na capital e outro em Campinas. E há Estados que compartilham em dupla um mesmo TRT, no caso as combinações Amapá e Pará, Distrito Federal e Tocantins, Amazonas e Roraima, e Acre e Rondônia.

Assim como existem o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, há o Tribunal Superior do Trabalho (TST), que ajuda a elevar ainda mais os custos imputados aos pagadores de impostos brasileiros. Somente nos últimos seis meses, o TST foi responsável por gastar — ou reservar — mais de R$ 10 milhões com a compra de 27 carros híbridos, cerca de R$ 900 mil para a realização de coquetéis (com direito a filé-mignon e espumante da marca Chandon) e outros R$ 900 mil com café (que deve ser torrado, moído e do “tipo superior”).

É como disse a apresentadora Paula Camacho, do programa Oeste com Elas: no Brasil, a Justiça do Trabalho se transformou em “Injustiça do Trabalho”.

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Leia também “O país do assistencialismo”

4 comentários
  1. Alessandra Gómez
    Alessandra Gómez

    Excelente artigo!! A justiça do trabalho é uma piada!!! Nesse cenário, há total reticência em empreender, gerar emprego ou investir.

  2. daise a.scopiato
    daise a.scopiato

    Concordo

  3. daise a.scopiato
    daise a.scopiato

    Concordo

  4. Felipe Polido Fernandes
    Felipe Polido Fernandes

    Justiça do Trabalho e Justiça Eleitoral são duas coisas que deveriam deixar de existir

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