A terceira mais extensa Constituição em todo o mundo até seria justificável se estivesse contribuindo para a estabilidade jurídica e para o desenvolvimento da nação. No entanto, a ambição de regular todas as nuances da vida em sociedade, das ações do Estado e até do mercado resultou num arcabouço jurídico que trava o país. Chamada de Constituição Cidadã, a Carta de 1988 é, na verdade, a Constituição do atraso — em que pesem as boas intenções de alguns dos deputados constituintes de então.
Nossa Carta é resultado do que o filósofo e teórico político irlandês Edmund Burke (1729-1797), um dos principais formuladores do pensamento conservador, qualificaria de “mentalidade de gabinete”. Em vez de observar tradições, regras tácitas de convívio social, jurisprudências, senso comum e códigos não escritos, um grupo de “especialistas” se empenha em escrever leis com base no modelo de sociedade que pretende construir. E a população, o Estado, as empresas que se virem para caber nesse modelo.
O impasse está estabelecido. Primeiro, há poucas dúvidas de que a atual Constituição ficou antiquada muito cedo e é exageradamente intrusiva — a ponto de tornar “constitucional” um notável volume de assuntos, provocando o empilhamento de processos e ações judiciais no Supremo Tribunal Federal. Segundo, não é desprezível o risco de que uma nova Assembleia Constituinte seja eventualmente capaz de elaborar uma Carta ainda pior. A jornalista Selma Santa Cruz analisa em profundidade essa encrenca na reportagem de capa desta edição 28 da Revista Oeste. E o colunista Augusto Nunes comenta algumas das excentricidades da Constituição brasileira: XXX [Breve trecho do artigo do AN]
A “mentalidade de gabinete” que produziu uma Carta inviável consolidou-se na esquerda. O PT e seus satélites parecem buscar um outro povo que se encaixe nos seus ditames em vez de considerar o Brasil de verdade. “Oposição é trabalhar com possibilidades reais de sucesso para trocar de lugar com quem está mandando; o resto é dinheiro falso”, escreve J. R. Guzzo no artigo “A inútil retórica da oposição”.
Essa retórica é sistematicamente reforçada pelos “radicais chiques”, gente que repete os clichês esquerdistas a partir de sua cobertura com vista para o mar. Completa 50 anos o termo “radical chic”, criado pelo escritor Tom Wolfe, e ele continua contemporâneo, como nos mostra o articulista Dagomir Marquezi. No Brasil, o nome mais célebre do extremismo de luxo é Caetano Veloso. Dagomir conta por quê.
O radicalismo chique dá o tom do discurso do Partido Democrata nos Estados Unidos. Joe Biden é a face moderada de uma agremiação política que vem se radicalizando. O primeiro debate das eleições norte-americanas foi uma confusão dos diabos, mas, dada a relevância do tema, é a pauta de três dos nossos colunistas: Ana Paula Henkel, Rodrigo Constantino e Guilherme Fiuza.
Boa leitura.
Os Editores.