O matemático e escritor grego Euclides, considerado o pai da geometria, é o grande ancestral dos cientistas de dados. Criado no século 3 a.C., o Algoritmo de Euclides estabelece com facilidade o máximo divisor comum entre dois números inteiros diferentes de zero. A humanidade, portanto, convive há milênios com os algoritmos. Eles são, de modo geral, um conjunto de códigos com o objetivo de automatizar processos. Esses códigos podem ser simples e básicos, como aqueles que ordenavam nomes e anúncios nas antigas listas telefônicas, ou sofisticados, como o desenvolvido pela companhia Affectiva, capaz de interpretar emoções humanas com notável precisão.
A face mais evidente da nova sociedade regida por dados em que estamos inseridos é evidenciada nas redes sociais. Como os algoritmos também podem conter opiniões encapsuladas na sua codificação, assistimos à criação de “bolhas”, com enormes impactos nos relacionamentos pessoais, na vida em família, na educação das crianças e até mesmo na democracia. Polarizada, a sociedade perdeu a paciência com nuances. As pessoas postam comentários nas mídias sociais depois de no máximo 19 segundos de atenção sobre algum conteúdo — este é um dado obtido a partir de pesquisas. A editora Branca Nunes imergiu no oceano algorítmico para traçar um panorama do fenômeno.
É estridente o clamor por regulação, e o recente sucesso do documentário O Dilema das Redes, da Netflix, é prova de que devem se intensificar as pressões sobre as Big Techs, as grandes empresas do setor de tecnologia. O Estado precisa se intrometer na questão e impor limites por meio de legislação específica ou as regras dos contratos entre indivíduos F caminho, desde que observadas leis locais já existentes? Nos Estados Unidos, onde imperam as liberdades individuais, o supremo direito de escolha e o estímulo ao empreendedorismo, a opção é por fazer valer o acordo firmado entre consumidores e empresas. A Europa escolheu outra saída. E o chamado “ecossistema de startups” prevê um inverno da inovação no continente, uma longa temporada durante a qual os empreendedores, por serem obrigados a gastar muitos recursos na segurança e na gestão de dados, terão menos fôlego para criar negócios. O Brasil seguiu o modelo europeu. O editor-assistente Cristyan Costa estudou em profundidade o tema, entrevistou vários especialistas e explica os impactos da Lei Geral de Proteção de Dados.
A mão pesada do Estado regulando cada vez mais aspectos da nossa vida pode ser, paradoxalmente, consequência de um certo tipo de liberalismo levado aos limites. Este é o fascinante debate proposto pelo cientista político norte-americano Patrick Deneen em Why Liberalism Failed. O economista Rodrigo Constantino leu o livro e escreveu uma belíssima resenha. “Mesmo discordando de certas conclusões, a verdade é que não dá para negar a crise do liberalismo hoje”, comenta Constantino. “Em nome da liberdade individual, entendida como quebra de todos os tabus e restrições obsoletas ou irracionais, chegamos ao mundo bizarro da política de identidade, da ideologia de gênero e do Estado de bem-estar social que vai cuidar de todos do berço ao túmulo, para permitir que cada indivíduo possa, efetivamente, ser livre.”
É esse tipo de autocrítica, inusual em tempos de extremismos, que a articulista Ana Paula Henkel invoca ao pedir uma trégua. Ana lembra que nem tudo na vida tem necessariamente a ver com política partidária. Não devemos encarar como natural o desrespeito diário aos mais elementares códigos de civilidade. É necessário que haja espaço para o contraditório respeitoso.
E é no exercício jornalístico do contraditório civilizado que J. R. Guzzo relaciona as razões pelas quais o ministro Gilmar Mendes se tornou o “presidente” do Poder Judiciário. Com sua admirável clareza de argumentação — característica que os assinantes da Revista Oeste mencionam em dezenas de comentários a cada edição —, Guzzo diz por que temos essa Suprema Corte que está aí: “Os ministros do STF não foram colocados lá pelo Parlamento da Nova Zelândia. São o resultado direto e inevitável da vida política brasileira; é dali que saem, como Eva saiu da costela de Adão”.
Sob outro ângulo, o do liberalismo pragmático, o jornalista e escritor Guilherme Fiuza aborda o mesmo tema. “Você queria um Miguel Reale Jr. no STF?” — é a pergunta retórica de Fiuza. “Claro que sim. Um dos autores do pedido de impeachment da presidenta delinquenta. Mas o que anda fazendo o professor Reale? Política. Oposição mecânica ao fascismo imaginário. Vamos ser sinceros: para conchavo tucano no Supremo já temos Gilmar Mendes.”
Ao citar a inesquecível presidenta, vem à mente o léxico progressista. Augusto Nunes, exímio artesão das palavras, publica o glossário da novilíngua da esquerda brasuca com o real significado das expressões que a turma usa. Não há algoritmo capaz de tamanha inventividade. [Até o momento, claro…]
Boa leitura.
Os Editores.