No segundo semestre de 2001, Silvio Santos teve uma ideia que certamente engordaria a pontuação do SBT no Ibope: apresentar um Show do Milhão com a participação exclusiva de políticos conhecidos nacionalmente. Reuniu a equipe responsável pela produção do programa e ordenou que fossem convidadas apenas figuras com fama de sabido, pose de primeiro da classe ou memória de elefante-africano. O senador piauiense Hugo Napoleão, por exemplo, sabia identificar de bate-pronto as bandeiras de todos os Estados brasileiros. Não podia ficar fora. O governador fluminense Anthony Garotinho sabia cantorias religiosas ignoradas por 99 em cada 100 devotos da igreja que frequentava. Outra presença obrigatória. E o internacional Paulo Maluf sabia o nome completo de todos os ibns e sauds da família real saudita. Com gente desse calibre, estava assegurado o sucesso do especial exibido na noite de 30 de dezembro.
“Espero que os telespectadores compreendam que eles são célebres, famosos, mas não são obrigados a saber tudo”, preveniu Silvio Santos antes de apresentar, uma a uma, as 12 sumidades em conhecimentos gerais que sorriam para o Brasil. Mas excluiu Maluf da advertência com a ressalva superlativa: “O doutor Paulo tem uma cabeça brilhante”. Desconfiou que havia exagerado quando o craque fugiu da primeira pergunta. “Na linguagem tupi, abaçaí é o mesmo que a) amigo do peito, b) abraço apertado, c) espírito maléfico ou d) fruta saborosa?” A opção certa era a C. Maluf caprichou no sorriso superior enquanto contornava a pedra no caminho.
“Olha, eu confesso que a língua tupi não é bem o meu forte”, desconversou a estrela de um dos quatro grupos formados pelos candidatos. “E eu não posso prejudicar meus companheiros.” Foi socorrido pelo lembrete do apresentador — “Você pode pular” —, que o livrou da enrascada. “Vou pular, não quero prejudicar”, escapuliu Maluf. “Vai pular?”, estranhou Silvio Santos. “Vou pular”, confirmou o gênio de araque. “Próxima pergunta, valendo 20 mil reais”, foi em frente o apresentador. “Quem escreve a respeito da vida dos santos é conhecido como a) sacrário, b) hierônimo, c) santório ou d) hagiólogo?”. Maluf devolveu a bola de primeira: “Três: santório!”, animou-se. “Está certo disso, posso perguntar?”, conferiu o apresentador. “Pode”, autorizou o falso brilhante. “Valendo 20 mil: qual é a resposta?”, perguntou Silvio olhando um painel onde reluzia a opção acertada. “Não, Maluf. É hagiólogo.” O sorriso amarelo do candidato contrastou com a gargalhada do apresentador.
“Você derrubou a equipe!”, repreendeu Silvio. “Agora você vai pra lá, vai pra lá”, repetiu, apontando o fundo do palco. “Você derrubou seu time!” Além dos R$ 20 mil já obtidos pelos parceiros de Maluf, a equipe perdeu a chance de ganhar R$ 1 milhão (em barras de ouro). Ninguém reclamou. Fora o deputado paraibano Marcondes Gadelha, que preferiu parar em R$ 500 mil, todos naufragaram. Maluf dividiu com Anthony Garotinho os risos debochados que a plateia reservou ao pior da classe. “Em casa ele acerta todas, a gente não perde o Show do Milhão”, balbuciou Rosinha Matheus ao ver o marido afundar, com apenas R$ 15 mil, na oitava das 16 perguntas previstas. O governador do Rio começou a tenebrosa travessia pulando as duas primeiras. Não sabia em que década surgiu a pílula anticoncepcional, nem o que significava o W. de George W. Bush. Desvendou sozinho os dois mistérios seguintes. Pediu ajuda para livrar-se de outros três. Um deles: qual é a fórmula da água? Três jornalistas sopraram-lhe a resposta: H2O. Foi eliminado ao colidir com o oitavo obstáculo.
A profecia de Nelson Rodrigues se cumpriu: os idiotas estavam por toda parte
Os telespectadores ficaram espantados: se aquele bando de marmanjos não precisava saber tudo, também não precisava saber tão pouco. Os convidados ficaram inquietos: se o naufrágio numa prova de conhecimentos elementares influenciasse a decisão do eleitorado, nenhum deles arranjaria emprego nas urnas de 2002. Fiquei impressionado com as cenas de imbecilidade explícita, mas consolei-me com a ostensiva decepção do público. Pelo visto, ainda aparecia mal no retrato gente que não soubesse o que sabe um aluno do jardim de infância com mais de dez neurônios. Não demoraria a descobrir que naquele Brasil redesenhado pela ascensão das cavalgaduras a ignorância deixara de ser defeito. Já começara a virar virtude, anunciou a chegada à Presidência da República de um analfabeto funcional que não aprendeu a escrever direito e nunca leu um livro da primeira linha ao ponto-final. Não por falta de chances, mas pela preguiça que sempre sobrou. Passados 13 anos, a profecia de Nelson Rodrigues se cumpriu: os idiotas estavam por toda parte.
Estudar e aprender tornaram-se verbos conjugados pela elite golpista, gente de olhos azuis irremediavelmente racista, misógina e homofóbica. Falar a linguagem culta é coisa de reacionário pedante. Para quem efetivamente ama os desvalidos, é pura música ouvi-los dizer “Nós pega os peixe”. Os democratas de abaixo-assinado controlam o orgasmo quando um favelado murmura “menas”. Num país desgovernado por cinco anos e meio pela nulidade que nunca disse coisa com coisa, nada tem de surpreendente a quarentena criminosa das escolas e universidades. Estudantes e mestres fariam um papelão num Show do Milhão, o Retorno. Isso se incontáveis professores se livrassem de uma doença rara: a exaustão provocada por excesso de descanso. Mas certos defeitos de fabricação não têm conserto. E não existe vacina para o vírus da vadiagem.
Leia também o artigo “O culto à ignorância”, de Selma Santa Cruz
Irretocável professor Augusto Nunes. E livrai-nos das trevas!
Sempre eloquente e objetivo mestre Augusto, infelizmente esse é o tamanho do abismo que ainda nos engole
Querido Augusto,
Parabéns pelo texto. Espero que você volte ao tema Show do Milhão para apreciar tua verve quando examinar no que dava o candidato a sábio pedir ajuda aos universitários. Lembro o episódio de um pobre homem que tinha ganhado quase o suficiente para comprar a sonhada “casa própria” e desistiu diante da próxima pergunta, que, aliás, era de resposta muito simples. Então Sílvio Santos sugeriu que ele poderia recorrer aos universitários, todos engravatados e bonitinhos, os guris; e de cabelos, maquiagem e vestidos longos irrepreensíveis, as gurias. O candidato disse apenas: “aos universitários, não, pel’amor de Deus”. Naquele programa, os universitários jamais demoraram a mostrar o tamanho de nossa reserva analfabética, afundando muitos candidatos que a eles tinham recorrido nas questões anteriores. Lembro mais um: confinado a recorrer às cartas do baralho ou aos universitários, ele escolheu as cartas do baralho, que pelo menos lhe davam uma chance de ganhar. Os universitários lhe davam a garantia de perder. Sílvio Santos era um rapaz de seus setenta anos. Hoje está com noventa, seu patrimônio melhorou muito nesses anos, e o ensino brasileiro só piorou.
Lembro também que apenas duas pessoas chegaram à final e uma delas perdeu. Quem perdeu deveria responder quantas letras tem a frase no centro da bandeira do Brasil. Ele respondeu 16. Mas “ordem e progresso” tem 15. Depois ele confessaria que sempre pensou ser “ordem ou progresso” a frase. Já quem ganhou R$ 1 milhão respondeu em que dia nasceu e em que dia foi registrado o então presidente Lula: 6 e 27 de outubro, respectivamente.
Não há o que não haja… Até hoje acho difícil de entender como colegas professores universitários, pessoas pseudo esclarecidas, puderam votar, com honrarias verborrágicas, uma pessoa semi analfabeta. Agora, confessando a minha própria ignorância, só me neguei a depositar o voto naquele que ajudou a destruir o país, por única e exclusiva aversão a quem não servisse de exemplo e não estimulasse os estudos escolares e ainda se vangloriava de suas preguiças… porque as ideias de uma “sociedade mais justa” sempre me acompanhou, especialmente depois que frequentei o meio universitário e desenvolvi minha profissão como professora. Mas acordei, entendi o que já estava em mim por formação e pelo exemplo. Li, continuei lendo, entendendo, aprofundando,… E nem doeu.
Excelente, brilhante artigo Mestre Augusto.
Felizes os loucos e os animais!
Ótimo artigo, mas tem um errinho. Não é nós pega os peixe, é nós rôba os peixe. Isso mesmo, rôba, como diz o Zé Dirceu quando fala que o PT não rôba e não deixa robá.
Com o erre do interior de SP: o PT não rrrôba…..kkkk. Até com Obama chamou o Lula de ladrão!
Mestre Augusto Nunes como sempre certeiro e cirúrgico em suas análises.👏👏
Parabéns! Excelente texto!
Muito bom Augusto, direto, preciso em suas ideias! 👏👏👏
N°2: Gay Prado.O fato de ter comandado a captura de Che Guevara quase custou a vida de Gary Prado. Em julho de 1968, menos de um ano depois da morte do argentino. Prado foi alvo de uma tentativa de atentado.
Na ocasião, ele estudava no Brasil. Fazia um curso da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, no Rio de Janeiro. Militantes do Comando de Libertação Nacional (Colina) – organização da qual a ex-presidente Dilma Rousseff viria a fazer parte – montou uma emboscada para “vingar a morte de Che”. Mas os terroristas confundiram o alvo e mataram a tiros o major alemão Edward Westernhagen, que era colega de curso de Gary Prado.
Ao nosso professor falta conhecimento e vergonha, mas sobra preguiça e desrespeito com pagador do seu salário.
Na maioria das vezes, ser inteligente é ser grotesco, diferente, anormal.
Então me respondam: onde ficava o local conhecido como ‘cemiterio dos elefantes’ na praia de Ipanema? Quem garfou o Rolex do Che Guevara? Qual o coletivo de ladrões?
Mestre Augusto !!! Agora entendo o porque você é chamado deste termo tão perfeito !!!! Que memória lembrar deste programa do Silvio Santos no seu início e com esta memória!!!!! Não enviei esta mensagem anteriormente como vocês relatam !!!!
Mestre Augusto !!! Agora entendo o porque você é chamado deste termo tão perfeito !!!! Que memória lembrar deste programa do Silvio Santos no seu início e com esta memória!!!!!
Muito triste !
Mestre Augusto, como sempre, um show.
Augusto Nunes, que inveja eu tenho de você com seus textos brilhantes.
Só posso dizer parabéns!
Augusto,
Excelente artigo, parabéns!
Parabéns Augusto Nunes,
Estive pensando, e acredito que é imperioso aceitar a vontade dos professores em não voltar às aulas.
Oficializa-se as aulas remotas. O Ministério da Educação contrata os melhores professores do mundo auxiliado pela melhor grade educativa, grava as aulas e distribui para todo o Brasil. A aprovação dos alunos se dará através da execução, com êxito, de provas nacionais trimestrais. Desta forma, não sendo mais necessária a permanência dos atuais professores, estes devem ser demitidos. Daqui alguns anos, quando acabar o problema causado pela pandemia, faz-se novo concurso, já focado no novo padrão adotado e renova-se o grupo de professores. Desta vez sem o viés doutrinário.
Delano Calixto
Excelente texto . Exaustão por esse de descaso foi ótimo kkkkk
Delano, essa realmente é uma excelente ideia. Ao menos os professores vão ter que se mexer. Nem que seja para aglomerar em protestos de rua.
Mas é possível que haja alguns entraves legais para a despesa. A alternativa seria selecionar os bons já pagos com o dinheiro público e produzir essas aulas públicas.
Muito inteligente o artigo do Augusto para nos mostrar o escandaloso descanso ou vadiagem de nossos educadores, por exaustiva jornada no árduo serviço público que nos oferecem.
Mas Augusto, você ainda nos deve muita informação sobre a BOLSA DITADURA. Você é corajoso, portanto ofereça-nos um resumo do gasto total que tivemos com esses brasileiros desde 2005 com nomes, motivos, indenizações retroativas e mensais, dos 20 ou quantos você desejar, mais notáveis bravos brasileiros indenizados, e quem as aprovou.
Penso que é um importante trabalho para a sociedade e para ajudar a ministra Damares a provocar o MPF para revisa-las e punir possíveis FRAUDES.
Parabéns Augusto
Alguém precisa convencer Sílvio Santos a colocar o programa – com políticos e formandos universitários (com prêmio para iniciar a carreira ) – na grade da programação dominical em horário nobre do SBT.
Parabens, Augusto, sempre lucido e mordaz de acordo com a situação. Se observarmos 3 temas da Rev Oeste dessa semana, concluiremos pela falencia do ensino no Brasil
E acrescentaria: o óbvio foi transformado em verdade ululante. Uma tristeza só.
Verdade… Platitudes, generalidades, “lugares comuns”, obviedades, slogans absolutamente vazios e frases de efeito se tornarão o “ápice” e a palavra última da sabedoria….
Obrigado pelo excelente texto, Augusto Nunes.
Correção: Os Pingos Nos Is.
Excelente mestre Augusto!!! É alentador saber que ainda há jornalistas com sua categoria: claro, objetivo, coerente e sem medo de se manifestar!!! Ouço diariamente o programa O Pingo Nos Is, que acho imperdível pelo conjunto de jornalistas de primeira classe. Parabéns!
Os idiotas, os mentirosos, os medíocres e os vadios estão tomando conta do Brasil. Parabéns pelo artigo, mestre Augusto!
Um excelente artigo, escrito por um jornalista de verdade.
Desde 2002, vemos Shows de Milhões rolando sobre nossas cabeças, não como um game de tv, mas como uma desavergonhada atitude de corruptos que não possuem o mínimo de ética e conduta.
A pergunta que eles jamais responderiam nesse jogo seria: “O que é a Lavajato “?