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Edição 37

O custo e o valor de ser ‘contrariador’

Prêmios como o 'Contrarian Prize' servem para aplacar o medo que muitos têm de se manifestar em defesa daquilo em que acreditam e assim reduzir o poder social do cancelamento cultural

Bruno Garschagen
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Vivemos numa “pandemia de conformismo” como resultado do risco de ser perseguido, censurado, cancelado? O tópico, interessante, foi levantado recentemente num artigo para a revista The Critic por Ali Miraj. Miraj é empreendedor, investidor, comentarista político e criador do Contrarian Prize. Ele criou o prêmio bianual em 2013 para celebrar aqueles que, no Reino Unido, contribuem no debate público com coragem, independência e sacrifício e assim contrariam o monismo ideológico, a uniformização do pensamento, o tribalismo político. Não é tarefa fácil, e o custo de ser contrariador é alto.

Cinco contrariadores já foram premiados. A mais recente, em 2019, foi a professora Katharine Birbalsingh. Criadora e diretora da bem-sucedida Michaela Community School, Katharine ficou conhecida no país depois de proferir uma palestra em 2010 na conferência anual do Partido Conservador inglês.

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Com base em sua experiência de mais de dez anos em cinco escolas, ela afirmou que o sistema educacional britânico estava falido e mantinha as crianças pobres na pobreza. Katharine também denunciou a imensa burocracia, o baixo padrão de ensino, a cultura de desculpas, a violência dos alunos, o caos que se instaurou nas salas de aula do país.

Como resultado do correto diagnóstico apresentado na conferência dos tories, Katharine foi vítima de uma série de ataques racistas e sexistas nas redes sociais. Em seguida, foi pressionada a se demitir do colégio St. Michael and All Angels. Localizado num bairro multiétnico no sul de Londres, o colégio enfrentava problemas sérios, a ponto de contratar uma empresa de segurança para revistar os alunos. Alguns deles eram barras-pesadas e agiam com violência contra colegas e professores. A direção da escola escondeu o tamanho do problema para não perder alunos e, portanto, verba do governo. Diante da verdade exposta e da drástica diminuição do interesse de pais em querer matricular seus filhos, o colégio fechou as portas. E a diretoria acusou Katharine de ser a responsável. Essa história de culpar a vítima ou quem diz a verdade, como se vê, não é exclusividade brasileira.

Defender e apoiar quem está com a razão e é atacado faz parte de nossa responsabilidade

Lembro aqui uma história que citei no artigo “O método de cancelamento não pode prosperar”: o assassinato de reputação contra Ray Honeyford, diretor de um colégio de ensino médio em Bradford, no norte da Inglaterra, por ele ter escrito um artigo no qual descrevia os problemas enfrentados por professores que tentavam ensinar inglês aos filhos de imigrantes asiáticos, criticava os pais que proibiam as crianças de aprender a cultura britânica, defendia o aprendizado do idioma, da história e de princípios fundantes da sociedade inglesa como elemento de integração no país, e condenava a leniência da política multiculturalista, que prejudicava o trabalho dos professores e inviabilizava a inclusão cultural por meio do ensino.

Em razão do artigo publicado na revista Salisbury Review, na época editada por Roger Scruton, Honeyford foi pressionado de tal forma que antecipou sua aposentadoria, nunca mais lecionou ou dirigiu uma instituição de ensino. O professor faleceu em 2012, e o problema que ele apontou continua sem solução.

Pelo menos o cancelamento não se repetiu, felizmente, com Katharine Birbalsingh, nascida na Nova Zelândia, filha de pai indo-guianês e mãe jamaicana. Em 2014, ela fundou a escola secundária Michaela Community School junto com Sue-Ellen Cassiana Braverman, uma tory filha de pais indianos que hoje atua como advogada-geral da Inglaterra e País de Gales do governo de Boris Johnson. Com disciplina rígida e modelo tradicional de ensino, a escola obteve o melhor resultado no GCSE (General Certificate of Secondary Education) de 2019 em comparação com suas congêneres.

Ao Katharine demonstrar que o modelo que defende é o mais adequado, suas críticas ao sistema de ensino britânico (similar ao de vários outros países) ganharam ainda mais força e ela se tornou uma voz influente na área. Ter conquistado o Contrarian Prize em 2019 reforçou sua posição e reputação, além de ter revelado que a sociedade vem mudando e muitos não se acovardam nem aceitam mais a passividade e o conformismo. A reação social, crescente, tende a aumentar no Reino Unido e em outros países da Europa e das Américas.

Prêmios como o Contrarian Prize têm dimensão muito maior do que a justa homenagem àqueles que não se deixaram vergar pelos canceladores nas universidades, na imprensa, na política, nos movimentos organizados. Servem para aplacar o medo que muitos têm de se manifestar em defesa daquilo em que acreditam e assim reduzir o poder social que o cancelamento, lamentavelmente, conquistou. Por isso, essas homenagens são tão relevantes.

Identificar, discutir, solucionar problemas, independentemente da área e sem medo de ser atacado e prejudicado, é tarefa de todo aquele que deseja contribuir para a construção de uma vida boa na sociedade. Defender e apoiar quem está com a razão e é atacado faz parte dessa responsabilidade. A solução para a “pandemia de conformismo” é a reação.

Por isso mesmo, não podemos permitir que o medo nos paralise e nos silencie, pois nosso silêncio é o anabolizante daqueles que querem nos submeter, cassar nossas liberdades e nos impor sua ideologia, visão de mundo e projeto de poder. Se reagirmos, não conseguirão.

Leia também nesta edição o artigo “O culto à ignorância”, de Selma Santa Cruz


Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).

 

15 comentários
  1. Carlos Pinaffi
    Carlos Pinaffi

    Só a reação dos verdadeiros cidadãos resolverá essa vergonha que chamam de “cancelamento “
    O “cancelador” não passa de um hipocrita ou incompetente ou extremista( em geral de esquerda) ou tudo isto junto. Não merece ser chamado de cidadão

  2. Raquel Utz
    Raquel Utz

    Obrigada por este texto inspirador.

  3. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Ótimo texto.

  4. Fabio R
    Fabio R

    Muito obrigado pelo excelente texto, apontamentos e reflexões pertinentes.
    O que se quer na verdade é subverter qualquer coisa que atrapalhe o Globalismo.
    Nenhum “Meta Capitalista” está preocupado com educação e cultura, pelo contrário, o que desejam é o caos para lucrar seus bilhões todos os meses.
    Estamos em uma fase muito critica, pois a “lavagem cerebral” imposta pelas instituições de ensino está em vantagem no mundo todo.
    O PCC está de olho no mundo e os radicais Islâmicos também.

  5. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Ótimo texto.

  6. ROBSON Amador
    ROBSON Amador

    Penso que para certas pessoas e assuntos não devemos “jogar pérolas aos porcos”. Mas sem duvida, a nossa CF ainda garante a liberdade de pensamento e expressao , razão pela qual não vejo qualquer fator legítimos inibitório de lutar por aqueles a quem a razão assiste. Parabéns pelo artigo!

  7. Renata Abreu azarias
    Renata Abreu azarias

    Ótimo artigo Bruno!

  8. marise neves
    marise neves

    Foi só o conservadorismo se levantar que o progressismo cresceu numa proporção absurda querendo calar, cancelar e silenciar todos que não rezam na cartilha nojenta e mentirosa da esquerda. Não passarão.

  9. Nara Rosangela Rodrigues
    Nara Rosangela Rodrigues

    Um texto verdadeiramente inspirador. Cria uma certa esperança de que não seremos aniquilados pelo progressismo maluco.

  10. Cristina S Oshima
    Cristina S Oshima

    Pelo que entendi do texto, o prêmio não serve para aplacar o medo ou encorajar, pois os expoentes apresentados não deram suas posições em função do prêmio. Contudo, o prêmio é um dos veículos que podem evidenciar posições que contradizem o status quo e causam incômodos. Essa revista também serve a esse propósito.
    A defesa da verdade é difícil num ambiente em que novos padrões sociais, culturais e morais foram definidos. A omissão é considerada sinal de maturidade.

  11. Lucio Sattamini
    Lucio Sattamini

    Ainda precisamos de muitos contrariadores para entender o processo político de hoje. A metástase é total. As séries e filmecos das plataformas colocam as mulheres como protagonistas, numa desproporção, e todas as famílias foram abandonadas pelos pais. Vc tem que voltar a estudar matemática (combinações), para achar o número de casais possíveis entre 10 raças/culturas e 6 gêneros. Mas aí vc me diz: assista aos clássicos. Como, se foram cortados e censurados?

  12. Wagner Destro
    Wagner Destro

    Sem dúvida, ser “contrariador” é muito melhor do que ser “resistência”!!

  13. Elaine Almeida Souza
    Elaine Almeida Souza

    Exatamente! As pessoas tem que reagir e não se calar somente para não causar “estrondo” porque essa esquerda $&@&$%# quer é causar estrondo, cancelamentos, se o Céu é azul ninguém vai me convencer que é verde e ponto final ! Se queremos um futuro desejável para os nossos filhos e netos, a hora é agora, quem se cala está alimentando esses monstros.

    1. Octávio Volpe Netto
      Octávio Volpe Netto

      👏👏

  14. Franco Guizolfi Fantinel
    Franco Guizolfi Fantinel

    Muito interessante! Sem dúvidas, uma reflexão bastante frutífera para a atualidade.

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