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Edição 38

Por que a Câmara é tão ruim

Com o fim da comédia da reeleição, é hora de exigir produtividade aos deputados

Silvio Navarro
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Se há um raro consenso entre os analistas do funcionamento do Legislativo brasileiro é o de que um projeto apresentado na Câmara dos Deputados sai — e quando sai — pior do que chega. Com raríssimas exceções, o texto redigido pelos próprios congressistas, pelo Palácio do Planalto, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pelo Ministério Público ou por qualquer cidadão é desfigurado para atender a interesses difusos — às vezes, até pouco republicanos — e encerra seu percurso muito longe da meta proposta.

A lista de casos é extensa. Vamos a alguns recentes: 1) a desidratação da reforma da Previdência, cujo impacto recuou de R$ 1 trilhão para R$ 800 bilhões; 2) o pacote anticrime, que em nada lembra a proposta embrionária das “10 Medidas contra a Corrupção”; ou 3) a reforma trabalhista, que acabou rebatizada de minirreforma ante o enxugamento de artigos. Mais: há outra centena de projetos estagnados, como os que poderiam, por exemplo, alavancar a extração mineral ou acelerar a implementação de ferrovias sem que o Estado precisasse planejar toda a malha do país. E ainda resta saber qual será o resultado da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, destinada ao rearranjo das finanças públicas depois dos gastos com a crise do coronavírus, em que já existem sinais de que o texto será corroído.

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No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que, se dependesse da Câmara, ele seria “uma rainha da Inglaterra” — ou seja, alguém que reina mas não governa efetivamente. Foi uma reação à resistência do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do colega que dirige o Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em permitir o avanço de temas de interesse do Palácio do Planalto, muitos deles enviados por meio de medidas provisórias que caducaram por falta de votação em plenário.

Somente no primeiro semestre de 2020, 13 MPs perderam a validade após 120 dias sem análise. Das 140 MPs apresentadas por Bolsonaro — houve um aumento neste ano por causa de medidas urgentes na pandemia — desde que assumiu o cargo, só 56 se tornaram leis (taxa de conversão de 47% sem considerar medidas em tramitação). Trata-se do pior retrospecto se comparado ao dos antecessores, segundo levantamento da Câmara — a marca negativa anterior era do período Dilma-Temer, com 63%.

Não bastasse a ineficácia no exercício do mandato para o qual foram eleitos, muitos parlamentares ainda dividem o tempo com a tarefa de tentar se desvencilhar de processos e acusações que vão desde calúnia e difamação até corrupção e tortura. Após o fechamento das urnas em 2018, uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que 160 eleitos enfrentavam investigações. No ano seguinte, outro levantamento, do portal G1, listou 50 deputados réus por crimes variados.

Eleição

No próximo dia 1º de fevereiro, os 513 deputados vão eleger o sucessor de Rodrigo Maia para o cargo de presidente da Casa, o terceiro mais importante na hierarquia da República. Como sempre ocorre às vésperas do pleito, uma dezena de nomes apareceu na disputa — na maioria, os famosos “balões de ensaio”, criados especialmente pela própria imprensa e que não vão durar até o Natal. A tendência é que, até o final de janeiro, a lista de postulantes seja reduzida a três ou quatro: o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto; alguém lançado pelos partidos alinhados à esquerda (que, juntos, somam cerca de 130 membros) somente para marcar posição; um possível nome autodeclarado “independente”; e o escolhido de Rodrigo Maia, este impedido de tentar se perpetuar na cadeira porque uma maioria apertada dos ministros do Supremo fez valer o que está escrito na Constituição.

A pedido de Oeste, o site Ranking dos Políticos examinou a trajetória de oito deputados que, hoje, têm mais chance de estar no páreo (deslize para os lados para conhecer o perfil deles).

Dos nomes citados, o favorito do governo Bolsonaro é o alagoano Arthur Lira (PP). Líder do chamado Centrão, nomenclatura que o Brasil descobriu na surpreendente eleição de Severino Cavalcanti em 2005, ele aposta numa base de 170 votos na largada nas bancadas de PP, PSD, PTB, PL, Pros, Solidariedade, PSC, PSB, Avante e Patriota.

Já Rodrigo Maia pretende escolher um aliado que tenha força entre os representantes do DEM, MDB, PSDB, Cidadania, PSL e PV. No PSB, 18 dos 30 integrantes devem ficar com Lira. O fato é que essa matemática de votos é imprecisa, o brasileiro não entende bem como isso funciona e a transferência de apoio partidário se pulveriza no segredo da urna. Ou seja, na hora H, a traição corre solta e prevalecem muitos acordos que nunca se tornarão públicos, como a promessa de um cargo em determinada comissão ou o engavetamento de uma denúncia, o apoio para a próxima campanha eleitoral e até um gabinete com banheiro exclusivo.

Quem vencer a disputa em fevereiro terá, sobretudo, a missão de conduzir uma agenda de recuperação econômica pós-pandemia e das reformas represadas, como a administrativa e a tributária. Mais ainda, ganhará a oportunidade de encampar projetos de lei que ajudem a reduzir a insegurança jurídica do país, modernizem e simplifiquem as relações de trabalho, destravem gargalos de infraestrutura, além das amarras burocráticas da cartilha ambientalista.

Em 1991, na abertura da 49ª legislatura do Congresso, num mesmo 1º de fevereiro, Ulysses Guimarães disse em discurso: “A história nos desafia para grandes serviços; nos consagrará se os fizermos, nos repudiará se desertarmos”. Até agora ninguém se consagrou.

 

24 comentários
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  2. Caso Daniel Silveira: Conselho de Ética iniciará análise na próxima semana - OTPB - Ordem dos Teólogos e Pastores do Brasil
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  3. Renan Maia Barros Da Silva
    Renan Maia Barros Da Silva

    Eu e muitos quando votamos no Presidente Bolsonaro, acreditamos na falácia de que jamais se renderia ao centrão. As atitudes são contrárias em tudo. O governo está cada dia mais emparelhado pelo centrão, Kassio Nunes Marques no STF e agora esse apoio absurdo e incoerente nesse Lira que todos sabem ser um bandido. Infelizmente, não dá pra defender!
    Silvio, parabéns pelo artigo! O Marcel deveria ser o presidente da câmara, mas infelizmente não será!

  4. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Eu sei que nada sei, imagina quem sabe menos do que eu (Tony Bel)…
    Lembro o caro articulista (é melhor do analista) de que já conversei com meus botões sobre a expressão “projetos do governo ou do palácio”. Sim, pode ser. Mas a base de alguns projetos são reivindicações da maioria do povo brasileiro. O Maia rejeitou as manifestações populares e até abaixo assinados. Ou seja, a Casa do Povo, não é do Povo! Sei lá se eu estou com a razão, mas sinto que tem algum sininho tocando para alertar como um alarme, que tudo começa no registro dos partidos, nas assembleias que escolhem candidatos, desde vereador até ao cargo máximo de presidente do país. Ali nas reuniões manipuladas, para dar quorum, aparece voto de morto, de loucos no hospício e gente filiada em dois, três partidos ao mesmo tempo… São “negócios” em vez de acordos democráticos e republicanos.

  5. Marcio Cruz
    Marcio Cruz

    O Rodrigo Maia certa vez acusou o Bolsonaro de “nao ouvir o Congresso:”.
    Ora, ele que nao “ouve”, decidindo sozinho materias que deveria levar a apreciação- e voto – dos parlamentares

  6. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio você esqueceu de citar a MP871 aprovada pelo SENADO no última dia para não caducar, sob o argumento revoltado dos senadores, que ficou longo tempo na Câmara Federal e o Senado ficou sendo caracterizado como carimbador. Isto foi em uma 2a. feira quando historicamente nem há sessões no CONGRESSO NACIONAL, para criar um clima infernal para o governo Bolsonaro. Desnecessário pesquisar que RANDOLFE RODRIGUES aquele inquieto e inútil senador pelo Amapá que tudo judicializa, votou CONTRA assim como fez em todas as importantes reformas, trabalhista, previdenciária, marco regulatório do saneamento e quaisquer outras de interesse do país.
    Para quem não lembra, essa MP871 veio para combater as fraudes contra a previdência com estimativas de uma economia de R$ 200 bi em 10 anos, compensando a desidratação que a gloriosa Câmara Federal do Maia provocou na reforma da previdência. Como pode algum parlamentar idôneo e que conheça as condições de vida da maioria da população brasileira votar CONTRA sanear Auxílios Doença para quem já trabalha, Auxilio Defeso para quem nunca pescou, BPC(beneficio de prestação continuada) para idosos com mais de 65 anos e rendimentos menores que salario mínimo, mas que tem imóveis e casa de praia, bolsa família a servidores públicos, aposentadorias a falecidos e outros crimes que roubam os cofres da previdência social.
    Parabéns Silvio, por nos proporcionar este levantamento, que ao menos nos mostra a participação nos eventos listados de somente 3 parlamentares, Marcel Van Hatten, Baleia Rossi e Arthur Lira.
    Creio muito interessante que a revista oeste nos proporcione uma relação que mostre a sociedade como votaram nas principais reformas, projetos de lei, MPs, desde o governo Temer até hoje, os midiáticos parlamentares semelhantes a Randolfe Rodrigues.
    Silvio promova entrevistas sobre Reforma Politica e Administrativa já. Para que precisamos 3 senadores por Estado? Para que Legislativos Federal, Estaduais e Municipais tão gordos se poucos se apresentam para trabalhar? Para que serve o tribunal de contas do município de São Paulo? Que proporcionalidade ao eleitorado de cada Estado é essa que estabelece o mínimo de 8 e máximo de 70 deputados federais por Estado? Vale dizer que São Paulo com 33 milhões de eleitores tem 70 parlamentares, Amapá com 512 mil tem 8, e 16 Estados somados com 31 milhões de eleitores, tem 145 deputados. Digo mais, o único grande Estado prejudicado nessa proporcionalidade é São Paulo, logo, o voto dos eleitores paulistas vale muito menos que dos eleitores do Amapá. Isto é Constitucional?

  7. Érico Borowsky
    Érico Borowsky

    É isso aí, Silvio. Esse Congresso é
    medíocre. Com algumas exceções!

  8. Nara Rosangela Rodrigues
    Nara Rosangela Rodrigues

    Muito, muito bom!

  9. suely m pfeifer
    suely m pfeifer

    meu voto vai para o Marcel ! Silvio, seu texto é impecável !

  10. sebastião carlos aquiles
    sebastião carlos aquiles

    Inacreditavel o Reu no STF Arthur Lira ser candidato e ainda apoiado pelo Bolsonaro, esse Pais não tem jeito.

  11. Debora Balsemao Oss
    Debora Balsemao Oss

    Nem a radiografia do entorse do meu pé esquerdo mostrou tanto… Guardarei este texto para ler de tempos em tempos, até o final de janeiro para, em 1º de fevereiro, ver como as coisas se desenvolveram.

  12. Leandro Moreira
    Leandro Moreira

    Bela matéria Silvio! Parece piada que tenhamos dúvida neste processo. Era para ser o Marcel sem qualquer questionamento.

  13. Gilberto Almeida Luiz
    Gilberto Almeida Luiz

    Por que a Câmara é tão ruim?
    1º) em primeiríssimo lugar, não se exige nenhum nível de escolaridade ou profissional dos candidatos
    2º) impunidade com seus crimes
    3º) a grande maioria está atrás de proveito próprio e não do Brasil
    4º) aposentadoria e mordomias fácil e farta diferente dos 99% do brasileiros

    1. Ronaldo Marques
      Ronaldo Marques

      De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.

  14. Enio Danzmann
    Enio Danzmann

    É incrível o quanto os parlamentares estão distantes do povo que os elegeu.

  15. daryush khoshneviss
    daryush khoshneviss

    Muito bom artigo Silvio.
    Alguém que quer o bem do Brasil tem alguma dúvida que o Marcel é o melhor candidato? Disparado?

    1. Gilson Barbosa
      Gilson Barbosa

      Pela posição que ele ocupa no Ranking também vejo Marcel como aquele que faria os projetos deslanchar. Mas, a política é feita de jogo, e neste caso, ele não terá votos suficientes.

    2. Ernesto Americo Filippone
      Ernesto Americo Filippone

      Disparado o melhor deputado e melhor candidato.

  16. Rosângela Baptista da Silva
    Rosângela Baptista da Silva

    Parabéns pelo texto claríssimo! Gosto muito da sua participação na bancada do Opinião no ar. E tbm aqui na Oeste, aliás, uma excelente revista. Sou fã.

  17. Rosana Aparecida Nicolau
    Rosana Aparecida Nicolau

    O voto aberto e transmitido ao vivo, vai deixar claro quem é contra ou a favor do país, parabéns pelo artigo.

    1. Clemente Ventriglia
      Clemente Ventriglia

      Parabéns Silvio pelo artigo ,que é didático e informativo,todos nós sabemos os acordos espúrios que são feitos no congresso,porém poucos artigos como esse dando dados e nome .

  18. miguel Gym
    miguel Gym

    Utilíssimo texto para conhecimento dos leitores que residem longe de Brasília.Conciso e didático dá boa ideia de como se ganha sem trabalhar.Do toma lá dá cá, extinto no Governo Bolsonaro.A Câmara é a bola da vez nas próximas eleições.Informações como esta com notas,fotos e fatos serão importantes, se Oeste publicar também às vésperas das eleições futuras um novo texto do Sílvio como este,sobre todos os deputados,como guia para votação-Ranking Político.Simples e fácil de consultar,pelo presente, todos já saberiam entre os dois acima,quem seria o “repudiado”.Creio que Silvio e OESTE dão um belo presente de NATAL para seus leitores.Devagar chegaremos lá.Só sei que o caminho é por aí….

  19. Francisco Ferraz
    Francisco Ferraz

    Perfeito Silvio…Ah! e parabéns pela sua atuação no programa do Lacombe…sempre incisivo!

    1. Adão Borges
      Adão Borges

      Marcel seria uma boa escolha mas, no jogo malandro malicioso político, Artur Lira leva. Não é flor que se chere, mas votou sim nas pautas liberais que Paulo Guedes defende, e tem 200 votos como apoio.

  20. Luiz Augusto Altenburg G Oliveira
    Luiz Augusto Altenburg G Oliveira

    Excelente e Conciso artigo! Brasileiros, devemos forçar o Voto Aberto na Eleição das Presidências do Congresso em 2021 e lotar as agendas destes nossos ‘representantes’ com cobranças.. ininterruptamente! Pela Nação, pelo Brasil e nossa Soberania!

    1. Marcelo Gurgel
      Marcelo Gurgel

      Nem vai se consagrar. Ótimo texto.

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