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Edição 38

Rumo à utopix socialistx intersecionxl!

O propósito dos revolucionários é fazer parecer que quem se posiciona contra a ideologização da língua é contra respeitar as pessoas da forma como elas são

Bruno Garschagen
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Na terça passada, qual não foi o meu espanto ao abrir o envelope com máscara antivírus que eu havia comprado pela internet e ler a seguinte frase no início da carta de agradecimento pela aquisição do produto: “Muito obrigado por participar do movimento e seja bem-vindx ao (nome do projeto)”.

Li e reli a carta, conferi várias vezes o nome do remetente e do destinatário para ter certeza de que não se tratava de erro, ou de pegadinha de algum desavisado. O equívoco estava, porém, no uso do X para “neutralizar” o sexo — ou o gênero, palavra do dialeto singular de pessoas que deveriam ser objeto de estudo.

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O uso do X no lugar do “a” ou do “o” não é mera maluquice ideológica. É tentativa de uniformizar o idioma, o pensamento, o comportamento, os modos de vida, e abrir caminho para ascensão ao poder do grupo político que está por trás dessa agenda. Sendo assim, é impossível que atinja o suposto resultado pretendido: a inclusão de um minúsculo grupo da sociedade que não se reconhece como homem nem como mulher. E ainda mais grave do que não alcançar o propósito é provocar rejeição em vez de aceitação, desrespeito em vez de respeito.

A natureza autoritária desse projeto político fica evidente diante do objetivo de forçar as pessoas a aceitarem e usarem o dialeto, mas também na reação violenta contra quem se recusa a aceitá-lo ou a usá-lo. As mesmas pessoas que cobram respeito e veem fascismo por todos os lados desrespeitam e agem como fascistas.

Forçar a mudança do idioma por motivos ideológicos não é novidade na história. Nem o é a imposição forçada de alterações na linguagem. O acordo ortográfico está aí para atestar o fenômeno assim como a recusa em cumpri-lo, como ocorre em Portugal, é sinal de uma sociedade, em parte, sã.

Toda vez que leio ou ouço alguém usar “todx”, “bem-vindx” et caterva, sinto como se eu estivesse num filme do Monty Python ou dos Trapalhões. Mas logo me dou conta de que, talvez, a imagem mais adequada estaria num quadro de Salvador Dalí ou em algum personagem de romance de Thomas Pynchon.

Imaginem um futuro distópico no qual esse dialeto fosse a língua padrão? Se isso ocorrer, tenho cá as minhas suspeitas a respeito de sua permanência. Esse arremedo de idioma nunca se constituiria numa tradição linguística porque tem DNA revolucionário. Seu objetivo é, no fundo, destruir, não construir.

Um idioma mutante jamais se estabeleceria porque a revolução da linguagem seria permanente, sendo a língua submetida a mudanças sucessivas até não ser sequer reconhecida pelos revolucionários do futuro. As gerações vindouras se comunicariam com gestos e grunhidos — como, aliás, já vêm fazendo muitos dessa geração woke.

A língua que nos foi legada está sob ataques vários em escolas, universidades, imprensa, empresas

Sátira exemplar de como essa turma pensa e se comporta é mostrada no livro Woke — A Guide to Social Justice (Constable, 2019), de Titania McGrath, que se apresenta na conta do Twitter como “poeta intersecional radical”. Titania não existe: é criação de Andrew Doyle, comediante e colunista da revista Spiked. Titania não existe como indivíduo de carne e osso, mas aquilo que ela pensa e representa tem muitos exemplares mundo afora.

Doyle usa a personagem ficcional para expor com bom humor aquilo que as Titanias da vida defendem como se fosse algo sério. Num dos capítulos do livro, intitulado “Rumo a uma utopia socialista intersecional”, há três poemas engraçadíssimos: um dedicado aos sem-teto (que poderia ser dedicado a Guilherme Boulos), um a Meghan Markle (a atriz que fez de Harry um ex-príncipe), outro com o título “I am Womxn” (“Sou mulhxr”). O livro merecia uma edição brasileira, e dedicada ao colégio Liceu Franco-Brasileiro, do Rio de Janeiro.

Numa hipotética “utopia socialista intersecional woke”, os livros seriam obrigatoriamente modificados para obedecer aos critérios do novo dialeto, ou da novilíngua, e aqui cito a já desgastada palavra que define o idioma imposto pelo governo autoritário descrito no excelente livro 1984, de George Orwell.

E assim veríamos os títulos de grandes livros grafados sob a nova ordem: X Odisseix, X Ilíadx, ambos de Homerx; X Repúblicx, de Platãx; X Políticx, de Aristótelxs; Romex e Julietx, de Shakespearx; Eneidx, de Virgílix; Divinx Comédix, de Dantx; X Príncipx, de Maquiavxl; e por aí vai (a lista é longa, a vida é breve). Pensando melhor, esses clássicos e os demais seriam queimados e proibidos em razão de “machismo, sexismo, homofobia (menos os gregos)” et caterva.

Resultado de séculos de desenvolvimento, a língua que nos foi legada pelos portugueses e aprimorada por influências de povos que ajudaram a construir o nosso país está sob ataques vários em escolas, universidades, imprensa, empresas. O péssimo ensino, a recusa em aprender o idioma, o seu mau uso, além de sua ideologização, tudo isso vem minando esse nosso patrimônio cultural gigantesco.

Para entender a dimensão desse legado cultural que herdamos e desenvolvemos, interrompa agora a leitura deste artigo e leia trechos de Os Lusíadas, de Camões, de Os Maias, de Eça de Queiroz, de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, de Romance da Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. É uma pequena grandiosa amostra do que temos e, em razão dessa grandiosidade, é tamanha a responsabilidade de aprender, usar, aperfeiçoar, cuidar e proteger o nosso idioma.

Insisto num ponto: o propósito dos revolucionários não é apenas promover a inclusão, algo que pode ser feito de várias outras formas e contar com o apoio da maioria da sociedade. O que se pretende com isso é politizar o tema, criar um antagonismo entre os indivíduos e fazer parecer que quem se posiciona contra a ideologização da língua é contra respeitar as pessoas da forma como elas são.

“Viver e deixar viver” é mote conservador, que, no entanto, reagirá toda vez que houver qualquer tentativa de imposição de uma engenharia política social disfarçada de mudança virtuosa.


Bruno Garschagen é cientista político, mestre e doutorando em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa) e autor dos best-sellers Pare de Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres Mínimos (Editora Record).

 

29 comentários
  1. Pedro Augusto da Silva Cunha
    Pedro Augusto da Silva Cunha

    Obrigado por vocês não desistirem do Brasil. Obrigado por nos abrir os olhos e nos mostrar, de forma real, o perigo que nos estar sendo imposto. Obrigado por nos ajudar a criar armas técnicas de argumentos para enfrentar esses engodos.

  2. Arys
    Arys

    Estão tentando criar a novilíngua descrita por Orwell em “1984”. É parte da ofensiva de reescrever a história.

  3. Ednelson dos Reis Medeiros
    Ednelson dos Reis Medeiros

    Muito boa às colocações é considero muito preocupante,para todos nós,termos que olhar até embalagens para não sermos surpreendidos!!

  4. Suzana Maria De Andrade Araujo
    Suzana Maria De Andrade Araujo

    Muito boa a sua análise e é tão ridículo o que eles querem fazer com nossa língua, com nossa gramática que o tiro será no pé, com certeza!!
    Esse pessoal está muito doente da cabeça e são dignos de dó!!

  5. MARIA DE LOURDES FERNANDES CAUDURO
    MARIA DE LOURDES FERNANDES CAUDURO

    Excelente artigo. Um dos traços da identidade é a língua. Ao destruir a nossa língua, a língua portuguesa, atentam contra a nossa identidade! Faz parte do plano de dominação do País, do território, das nossas riquezas. Isso não é acaso!

  6. Cristina S Oshima
    Cristina S Oshima

    Faz sentido. A revolução visa, primeiramente, a ruptura da ordem vigente. Depois, a imposição de um novo paradigma. Na visão dos revolucionários, é para melhor. Os fins justificam os meios, não importando as consequências.

  7. Suzana Campos Linke
    Suzana Campos Linke

    Os revolucionários trocaram o fuzil pela caneta, cumprindo à risca a estratégia de Gramsci. No Brasil, isso vem sendo feito há 60 anos, espalhand-se despudoradamente mesmo (e talvez mais intensamente durante o regime militar, que focou a ação nas guerrilhas armadas enquanto a cultura e a educação eram tomadas debaixo de seu nariz).

  8. Sérgio De Souza Lima
    Sérgio De Souza Lima

    É como o dito: se tudo correr bem, pode piorar…

  9. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    Eu não sabia que o Suco do Bem redigia dessa forma absurda e a partir de hoje não entra na minha casa.

  10. Sebastiao Márcio Monteiro
    Sebastiao Márcio Monteiro

    É o fim da picada! Excelente artigo.

  11. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Muito bom esse texto. Um bando de idiotas, retardados que não se aceitam, querendo obrigar os outros a aceitá-los. Como já mencionado acima, ainda bem que a vida é curta.

  12. Paulo Antonio Neder
    Paulo Antonio Neder

    Os estúpidxs, quero dizer, estúpidos não têm limites. Masculino é masculino, feminino é feminino!

  13. Luiz Pereira De Castro Junior
    Luiz Pereira De Castro Junior

    Deixei de consumir suco do bem por conta disso. A empresa ataca nosso idioma em suas embalagens . ” MAIS PÊSSEGO PARA TODES “

  14. Alexandre Menezes Da Silva
    Alexandre Menezes Da Silva

    Boa!!!👏👏👏

  15. José Jeronimo Bastos Amaral
    José Jeronimo Bastos Amaral

    X Odisseix, X Iliadx… Por um momento achei que estava lendo Uderzo & Goscinny…. KKK

    1. Eric Kuhne
      Eric Kuhne

      Já cortei contato com pessoas que dizem “a todos e a todas”, e cortarei tudo que vier com essa besteira de X no lugar de O ou A. Que plano idiota desses idiotas esquerdopatas

  16. Fabricio
    Fabricio

    Muito bom. “Viver e deixar viver”.

  17. Nara Rosangela Rodrigues
    Nara Rosangela Rodrigues

    Amei!

  18. Claudia Bugni
    Claudia Bugni

    Entre tristeza e preocupação, me provocou algumas gargalhadas, com tiradas geniais ! ObrigadA.

    1. ANTONIO AFONSO MARQUES
      ANTONIO AFONSO MARQUES

      Amei seu ObrigadA!

  19. Silvio Tadeu De Avila
    Silvio Tadeu De Avila

    Se essa gente quer dividir, usando as chamadas minorias como cunha e como massa de manobra, então que vão formar um país (quem sabe um Continente?) só deles. Só quero ver quem é que vai sustentar essa catrefagem.

  20. Agnelo A. Borghi
    Agnelo A. Borghi

    O melhor da vida é que ela é finita. Não suportaria viver nesse provável futuro.

  21. Manoel F A Ferreira
    Manoel F A Ferreira

    Brilhante a sua análise, Bruno. Rejeição e desrespeito. Só isso conseguirão.

    1. Érico Borowsky
      Érico Borowsky

      Uma minoria barulhenta querendo se
      impor à maioria esmagadora!
      Podem parar por aí!

  22. Marcelo Augusto Degelo
    Marcelo Augusto Degelo

    Divide e dissolve. É esta a real intenção. Inclusão? Jamais.
    Ela é invocada apenas como suposta motivação nobre para enganar incautos.

    1. José Rodorval Ramalho
      José Rodorval Ramalho

      Maravilhoso!

    2. Fernando De Vilhena Diniz
      Fernando De Vilhena Diniz

      Brilhante. Sempre querem impor na força ao invés de conquistar. Respeito não vem de graça, essa geração talvez mude o idioma porque não consegue interpretar corretamente um texto. Tudo lhe é permitido, mas nem tudo lhe convém.

    3. Teresa Araujo
      Teresa Araujo

      Perfeito!

    4. Antonio Araújo Da Silva Lopes
      Antonio Araújo Da Silva Lopes

      Eu duvido, mas duvido e muito, se o Prof Ariano Suassuna estivesse vivo aceitaria essas maluquices e aberrações na nossa língua escrita e falada. Certeza q suscitaria uma beligerância verbal c esses grupos ou seria jogado no ostracismo pelos abutres progressistas.

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