Até a manhã de 25 de maio do ano da graça de 2021, nenhum brasileiro sequer desconfiava da existência de uma versão cangaceira do Inspetor Clouseau, o investigador doidão interpretado por Peter Sellers em A Pantera Cor-de-Rosa. Agora já sabem disso todos os que acompanharam naquele dia o desempenho de Renan Calheiros na CPI da Pandemia, nome oficial do circo montado no Congresso em que o senador alagoano capricha no papel de superdetetive de picadeiro. Só um trapalhão vocacional mostraria já na terceira semana de apresentações que o relatório ficou pronto antes de colhido o primeiro depoimento, e foi redigido pelo pior aluno da classe na faculdade de direito em Maceió.
Só um sócio remido do clube dos cretinos fundamentais, identificados por Nelson Rodrigues, divulgaria tão cedo o trecho do parecer que compara Jair Bolsonaro a Adolf Hitler, mortes provocadas pela covid-19 num país sul-americano ao Holocausto dos judeus na Alemanha nazista, integrantes do governo federal ao primeiro escalão do Führer e vigaristas aglomerados na CPI aos juízes do Tribunal de Nuremberg, que puniram o que restara do alto-comando do III Reich. Só um Inspetor Clouseau cangaceiro, enfim, enxergaria semelhanças entre a mais feroz ditadura do século passado e o Brasil democrático do terceiro milênio.
Renan andou estudando com especial interesse a figura de Hermann Goering (Góringui, em cangacês castiço). Precisa aplicar-se muito mais, alertam as derrapagens ocorridas durante a selvagem sessão de tortura sofrida pela História. “Góringui acabou se suicidando e não foi executado na cela, como estava previsto”, viajou o relator. O que estava previsto era a execução por enforcamento num dos três cadafalsos armados no presídio de Nuremberg, não na cela. “Em várias ocasiões durante o julgamento, o acusado exibiu filmes dos campos de concentração nazistas e de outras atrocidades”, reincidiu. Os filmes foram exibidos pelos acusadores, claro. Não pelo acusado.
Interrompido aos berros por senadores perplexos com a comparação (imediatamente repudiada também por representantes da comunidade judaica), Renan não identificou o Góringui brasileiro. Seria a depoente do dia, Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde? Difícil. O ex-ministro Eduardo Pazuello? Talvez. Seja quem for, pode esquecer desde já a ideia de ingerir veneno para escapar da forca, como fez Hermann Goering. CPIs não têm poderes para condenar alguém a coisa alguma. Quem faz isso é o Judiciário. É coisa para tribunais de verdade, não para magistrados de botequim em ação no Senado.
Se até Renan sabe disso, por que o paralelo com Nuremberg? A resposta está no parágrafo em que o relator afirma que as decisões do tribunal que condenou os nazistas foram contestadas por muitos juristas, o que não ocorrerá com as conclusões da CPI, que se basearão nas leis em vigor no Brasil. No julgamento histórico, as atrocidades cometidas pelos nazistas foram enquadradas numa nova espécie de delinquência — crimes contra a humanidade. Para punir assassinos patológicos, o tribunal teve de ignorar o princípio jurídico segundo o qual a lei só retroage em benefício do réu. Embora não veja diferenças entre os nazistas alemães e seus similares nativos, nosso Clouseau é homem clemente. Ninguém será enforcado, nem haverá inovações no Código Penal. O relator pretende apenas propor o impeachment do presidente Jair Bolsonaro, e condenar à danação todos os que ousaram acreditar na eficácia de tratamentos preventivos ou retardar encomendas de vacinas salvadoras.
Para que nenhum ministro do STF duvide da isenção que o orienta, e acuse um relator exemplarmente imparcial de agir como um Sergio Moro, Renan prometeu contratar uma “agência de checagem”. Infestada de patrulheiros a serviço do pensamento único, essa abjeção nascida do cruzamento da censura com o controle social da mídia não tolera jornalistas que prezam a liberdade de expressão e a independência intelectual. Coerentemente, bandidos que se juntam à manada são tratados com o carinho reservado a comparsas. O líder da bancada do cangaço no Senado, por exemplo, acaba de ter o prontuário reduzido por uma dessas agências. “É falso que sejam 17 os inquéritos em tramitação no Supremo Tribunal Federal que envolvem Renan Calheiros. São nove”, comunicou o responsável pela checagem. A capivara emagreceu quase 10 quilos. Mas continua suficientemente gorda para garantir-lhe uma larga temporada na cadeia — se os titulares do Timão da Toga prendessem os renanscalheiros.
A biografia do relator explica a sintonia com o presidente da CPI, Omar Aziz, que virou caso de polícia quando governou o Amazonas (2010-2014) por desviar dinheiro destinado ao sistema de saúde pública. Em campanha para voltar ao cargo, disputa espaços no palco com Eduardo Braga, também ex-governador e igualmente candidato ao regresso. (Até agora, ninguém se lembrou de perguntar-lhes por que havia no interior do Amazonas, no momento em que o primeiro vírus chinês pousou no país, um único e escasso leito de UTI.) Além de entender-se muito bem com os dois, Renan esbanja afinação nos duetos com o vice-presidente Randolph Frederich Rodrigues Alves, vulgo Randolfe Rodrigues, cuja voz de castrato supera até os agudos famosos do pernambucano Humberto Costa, o Drácula do Departamento de Propinas da Odebrecht. A penúltima de Randolfe foi a convocação do presidente da República para depor na CPI, proibida por lei de convocar presidentes da República.
As poucas mulheres do elenco fazem o que podem para ampliar o acervo de assombros. Líder da bancada feminina no Senado, Simone Tebet só levantou o cerco movido aos condutores dos trabalhos depois de atendida a principal reivindicação: senadoras que não são titulares da CPI queriam fazer perguntas aos depoentes. Primeira a usar o microfone, lamentou as mortes em Mato Grosso do Sul por 15 minutos, ao fim dos quais avisou que não tinha nada a perguntar. Autorizada a fazer duas perguntas, a paulista Mara Gabrilli quis saber se poderia formular uma terceira no lugar da segunda resposta do depoente, pela qual não tinha o menor interesse.
Desde a instauração da CPI, passaram-se três semanas de três dias, como determina o calendário do Congresso. Neste fim de maio, a contemplação da comissão conduzida por um Clouseau fora da lei informa que, abstraídas raríssimas exceções, os comissários se dividem em duas alas: a dos incapazes e a dos capazes de tudo. Uma coisa assim só pode dar em nada.
Leia também “Circo Parlamentar de Inquérito”
Guardemos esses nomes: Simone Tebet é Mara Gabrilli. Esquivaram-se e com nada contribuíram na CPI, ou melhor, circo da CPI.
Augusto será que as cidadãs eleitoras dos estados desses trogloditas ainda irão votar neles na próxima eleição?
Augusto se já não bastassem essas aberrações que somos obrigados a presenciar diariamente nas nossas casas, ainda somos agraciados por grande parte mídia, à noite, por ocasião da reportagem, enaltecer as falas dessas quadrilha, denominada de CPI da Covid.
Texto magistral.
Belo texto, triste realidade.
Onde estão os senadores e deputados para votar prisão em segunda instância já, mandato de no máximo 8 anos dos “iluminados” do STF, sem direito a aposentadoria especial?
Sou fã dos textos do Augusto, sempre impecáveis e inteligentes. Mas, nem mesmo o belíssimo texto me faz desviar da tristeza imensa que é para o brasileiro ter que conviver com esses palhaços no congresso nacional. Nós brasileiros, mais uma vez, estamos arduamente batalhando para não sucumbir ao cenário caótico (o caos é bastante comum no Brasil), e esses palhaços brincando de juízes. É aquela história, “seria cômico se não fosse trágico”.
Belo texto. Que leitura agradável! Muito grato.
Ótimo artigo.
Normalmente as CPIs neste circo chamado congresso, são formadas por hipócritas que respondem à justiça (não respondem ao povo brasileiro). Portanto, que legitimidade moral e que resultado moral essas CPIs terão quando finalizadas? NENHUM! Responsabilizam em muito o executivo (presidente) por ações diversas. Porém, tenho a certeza, as duas grandes instituições responsáveis pelas mazelas criadas e perpetuadas no país provém do congresso nacional e do judiciário. Também pelo seu povo, que acha que o Estado é o seu provedor e que este resolverá todos os problemas. Presidente da República, nós renovamos a cada 4 anos (cargo este representado por uma única pessoa).
Excelente texto! CPI virou circo porque só querem culpar o Presidente Bolsonaro. Ao invés de apurar o Covidão.
A Lei da ficha limpa é clara quanto aos postulantes aos cargos eletivos. Pois bem. Que tal uma proposição popular no sentido de integrar CPI, parlamentares que não sejam réus em nenhum processo, seja de qual natureza for? É possível? Ou será que faltarão parlamentares. Outra questão: cabe uma notícia crime, em desfavor do Senador Renan Calheiros, por apologia aos crimes praticados pelos nazistas?
Augusto Nunes, certeiro como sempre. Parabéns mais uma vez. Quanto aos canalhas do circo parlamentar de inquérito nada a comentar. É só assistir e ler sobre as barbaridades vomitadas.
Como sempre muito bom o artigo, mas para mim há uma grande diferença entre os dois citados, enquanto o inspetor francês me fazia rir, o senador me faz chorar de vergonha.
Maestria na escrita como sempre, grande mestre. Assim como outro cangaçeiro que mudou seu sobrenome para ‘SirNey’, digo, SARNEY, Renan bem que poderia doravante ser chamado de Renan Góringui. Hahahaha.
Tem de tudo nessa CPI, menos vergonha na cara. Exceções são Marcos Rogério e outro do Ceará. O problema é que um mini senador soprano saltitante não tem a mínima noção do que perguntar e o Cluseau do cansaço não tem a mínima moral. Muita vergonha alheia.
Mara GAbrili, se voce tentar se reeleger o povo de S. Paulo vai lembrar do seu papelão nessa CPI. Meu voto voce ja perdeu.
Num salão de de barbearia com TV ligada para clientes pude constatar a veracidade do texto do Augusto Nunes.Foi uma saraivada de insultos dos presentes quando apareceram os “Clouseau do Cangaço”.A TV foi desligada à pedidos.
Uma CPI que tem como relator um cangaceiro alagoano com 15 processos no STF já nasceu no picadeiro, desmoralizada! Uma palhaçada que compromete ainda mais o Senado que já não tem o respeito dos brasileiros.
Como é bom rir da própria desgraça ~ fAzÊuKê !!! Ainda mais partindo de um texto tão finamente construído. Obrigada, Augusto.
PARABÉNS! Seus comentários são sempre recheados de sabedoria e equilibrio. Ter Renan Calheiros como qualquer coisa, relevante ou irrelevante, nesse país, é um escracho. E quando acompanhado do Omar (outro “grande idôneo senador) aí o circo está completo.
Bando de cafajestes !!!
Os senadores eleitos por SP, Major Olímpio e Mara Gabrilli foram grandes decepções. Lamentável!
Parabéns pela, como sempre, brilhante análise
Votei nesses dois. Decepção mesmo. Essa Mara Gabrilli se faz de vítima, a “coitadinha” do congresso. Não passa de uma palhaça desqualificada.
Como sempre seus artigos não decepcionam. São pertinentes, hilários e significativos, pois retratam os fatos, colocando os personagens nos seus lugares de destaque que merecem: negativos! Mas o Renan é criminoso reincidente, especializado em atacar o butim público, direta e indiretamente – lembram o caso da Mônica?. Pois é, não é atoa que seu codinome na lista de propinas, da grande empreiteira, é “atleta.” Mas o fato é que o Renan submergiu do pântano putrefato do ostracismo, para cometer crimes. Agora com essa CPI inútil e desviada da função para qual foi instalada, se mostra apenas, improdutivos efeitos, gastando dinheiro público sem necessidade, tipificando, em tese, crime de responsabilidade.
Inspetor Clouseau do Cangaço é genial! Kkkkkkkk.
O show de cinismo exige este show de texto.
Simone Tebet e Mara Gabrilli, minha senadora, quem diria.
Vergonha da Mara Gabrilli
Circo, circo e circo, e nós somos os palhaços.
CPI da mentira. Na minha cidade iam chamar o Inspetor Renam de R$1,99. Só sabe prender o mocinho. O Brasil é uma piada
Ainda bem que ouvinte e expectador diário de OS PINGOS NOS IS e, ainda insatisfeito, fui fazer minha assinatura da REVISTA OESTE. Então, para completar o meu cardápio navego nas redes sociais, entretanto, só nas de direita, direitíssima … Sinto-me muitíssimo bem informado, a minha tv só me serve para acompanhar as redes Aparecida, Vida e Canção Nova. Também acompanho sempre o meu muito querido PALESTRA. Tenho desprezo total pelo o que antigamente se dizia: A grande imprensa. Não sobra um ao menos, incluso aí TODOS OS LIXOS ATUAIS: GLOBO, GLOBO NEWS, CNN, BANDEIRANTES, ESTADÃO, FOICE DE SP, VEJA, EXAME, ISTOERA, VALOR ….
Concordo,estou na mesma situação
É importante lembrar que o grande responsável pela instalação dessa patética CPI é o senhor “Lulu Bandeja”, ou “Lulu Boca de Veludo”. Sua ordem foi imediatamente obedecida pelo covarde de quase dois metros de altura que “preside” o “senado”.
Após vermos um “juiz” canalha do “stf” votar contra uma deleção premiada na qual ele é o delatado, nada mais resta senão constatar que a corda arrebentou. Sómente as FFAA ainda não perceberam.
Se me permite uma correção, Alberto, o pedido de CPI não foi imediatamente aceito pelo Presidente do Senado. Ele a rejeitou, por considerar o momento inoportuno, mas foi determinada pelo”stf”, confirmando decisão liminar do Barrosinho.
Augusto Nunes caracterizou excepcionalmente bem o senador alagoano, assim como, o triste espetáculo do Circo Parlamentar de Inquérito.
Ler Augusto Nunes: um colírio para os olhos que já começam a ficar cansados com os mais de 50 anos e que, infelizmente, demorou muito para se abrir para a verdadeira realidade política do Brasil!
“A versão cangaceira do inspetor Clouseau” é genial.
Pra mim, velho que sou, de couro já curtido, o texto do magistral Augusto é saborosíssimo. Mas, de fato, retrata muito bem nossa realidade, que é cruel, desesperante, asfixiante. Mas vale a leitura, vale a assinatura.
Augusto, o final do seu artigo faz lembrar o “acordo de Oeiras” no Dicionário do Nordeste de Fred Navarro, lembrado por Paulo José Cunha e extraído da “Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês”. Vale a pena conferir, pois não sei se posso colocar nos comentários do que trata o referido acordo que, para mim, tem a cara do circo parlamentar de inquérito. Parabéns.
Excepcional artigo.
É de se lamentar ao ver a que ponto levaram o Brasil.
Quem vota num energúmeno desses é tão desclassificado quanto ele. Começo a admitir o que disse o Papa Francisco: O Brasil não tem solução.
Prezado Augusto Nunes, como sempre, o senhor nos brindou com mais um comentário brilhante, porém, se esqueceu de qualificar o relator da cpi da mentira com o seu mais adequado adjetivo: Vagabundo!!
Não acredito que o Cangaceiro mor produza sozinho essa quantidade de besteiras sozinho.
Ele deve ter um time de cabras da peste que o auxiliam nessa sanha de preencher as lacunas existentes no relatório concluído com algum fato verdadeiro.
É aí vai essa Caça PRESIDENTE Inquisitória.
Realmente. Esse adjetivo foi o melhor espelho que esse alagoano poderia ser agraciado.
#renanvagabundo.
E esse lixo de stf esperando as penas do canalheiros prescrever. Vagabundos.
Belo texto Augusto.. Como é deprimente ver o nível que a imprensa chegou. A mídia mainstream é uma lata de lixo no mundo inteiro, mas não sei se ao nível da brasileira, onde passam pano e chamam de relator com todas as pompas do mundo um vagabundo igual esse Renan Calheiros.
Concordo plenamente. Como é possivel pessoas íntegras, de bom carater serem questionadas por um ser abjeto, desqualificado e vagabundo como esse Renan? Ele há muito já deveria ter sido banido da vida pública e estar preso em qualquer presídio imundo desse pais.
A verdade verdadeira é esta apontada pelo Augusto Nunes.