Pular para o conteúdo
publicidade
Edição 64

‘O objetivo do Hamas é destruir Israel’, afirma cientista político

André Lajst explica as origens do conflito centenário entre os fundamentalistas islâmicos e a maior democracia do Oriente Médio

Edilson Salgueiro
-

A escalada do conflito entre Israel e o Hamas atraiu a atenção do mundo para um embate histórico, que remonta ao século 19. Jornalistas, analistas políticos e acadêmicos ainda tentam compreender os porquês dos constantes confrontos protagonizados pelo Exército israelense e pelo grupo terrorista que controla com mão de ferro a Faixa de Gaza.

Na mais recente onda de conflitos, iniciada em 10 de maio deste ano, os fundamentalistas islâmicos lançaram 3.700 foguetes contra o território israelense, assassinando 12 pessoas e ferindo 333. Os ataques de Israel, por sua vez, mataram 232 palestinos e feriram outros 1.530. Depois de 11 dias de enfrentamento, o governo de Israel e as lideranças do Hamas anunciaram um cessar-fogo mútuo e simultâneo, colocando um ponto-final às hostilidades.

Para falar sobre o assunto, Oeste entrevistou o cientista político André Lajst, 35 anos, diretor-executivo da StandWithUs Brasil, uma instituição que combate o antissemitismo (aversão aos semitas, especialmente aos judeus) e o antissionismo — movimento político que se opõe à existência do Estado de Israel. Nascido em São Paulo, Lajst é neto de um sobrevivente do Holocausto.

Foto: Arquivo pessoal

Qual é a origem histórica do conflito entre Israel e Palestina?

Israel não tem conflito per se com a Palestina. Ocorreram, no passado, confrontos árabe-israelenses por haver rejeição, dos árabes, à existência de Israel como um Estado judeu independente na região da Palestina. Ao longo dos últimos 70 anos, o número de atores contrários à existência de Israel tem diminuído. A guerra árabe-israelense, no sentido de países contra países, acabou. Hoje em dia, existem apenas alguns grupos fundamentalistas que não reconhecem o direito de Israel existir, incluindo o Hamas, a Al-Qaeda, o Hezbollah e a Jihad Islâmica. Podemos dizer que esse conflito começa entre 1860 e 1880, quando realmente houve o início de um movimento nacional pela soberania judaica na região, sobretudo após o surgimento do movimento sionista. Essa iniciativa ganhou força e culminou na fundação do Estado de Israel.

O que é o Hamas?

Trata-se de um movimento de resistência islâmica. Uma organização fundada na década de 1980, com objetivo de destruir o Estado de Israel e criar um país 100% islâmico na região da Palestina. A ideia do Hamas é que o Islã controle a política nacional.

Qual foi o estopim para a deflagração do mais recente confronto entre Israel e Hamas, iniciado em maio deste ano?

O estopim foi o Hamas ter atirado sete foguetes contra Jerusalém. Isso ocorreu no domingo 12 de maio, data em que Israel celebrava a reunificação da cidade depois da conquista da parte oriental e da Cidade Velha, onde está o local mais sagrado para o judaísmo. O Hamas usou como pretexto as manifestações que estavam acontecendo em Jerusalém desde abril por causa de vídeos que circularam nas mídias sociais mostrando árabes esbofeteando judeus ortodoxos. Além disso, houve uma questão judicial no bairro árabe Sheikh Jarrah: duas famílias palestinas refugiadas poderiam ser evacuadas das casas onde moram, cujos proprietários são judeus. Esses eventos motivaram protestos que se alastraram até a mesquita de Al-Aqsa e geraram ondas de violência em Jerusalém.

Existe a possibilidade de Israel realizar uma incursão definitiva em Gaza, a fim de conter os terroristas e delegar o poder daquele território à Autoridade Nacional da Palestina?

Líder israelense algum gostaria de fazer isso, pois a operação duraria muito tempo e causaria a morte de milhares de pessoas. Além disso, a Autoridade Palestina provavelmente não apoiaria a ação — não pela possibilidade de assistir à destruição do Hamas, mas por não conseguir obter apoio da população palestina para governar Gaza após uma incursão israelense. No fim, isso soaria como se a Autoridade Palestina estivesse compactuando com Israel. Por mais que, secretamente, essa organização apoie a destruição do Hamas, ela jamais poderia tornar esse desejo público. E, ainda que Israel conquistasse Gaza, teria de ficar por lá e controlar a região, de maneira a prover serviços para a população palestina — algo em que Israel não tem interesse, já que saiu de Gaza em 2005.

Quais entraves impedem a pacificação do conflito entre Israel e Palestina?

Os principais entraves são as negociações, que estão estagnadas. Existe rejeição do lado palestino a negociar com Israel, assim como há desinteresse do governo israelense de negociar um acordo com as forças palestinas, uma vez que as exigências dos árabes não podem ser cumpridas. De toda maneira, não há conflito belicoso entre Israel e Palestina — pelo contrário, a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia, coopera com Israel em questões de segurança. O conflito belicoso é entre Israel, Hamas e Jihad Islâmica.

“Não se trata de confronto entre duas nações — há o embate entre um grupo terrorista e um Estado democrático”

Palestina e Israel podem coexistir, ambos como Estados independentes?

Podem coexistir, sim, caso firmem um acordo em que ambos concordem em cessar o conflito. Para que isso ocorra, Israel teria de controlar as fronteiras e o espaço aéreo. Dessa maneira, os palestinos teriam um lar nacional, com continuidade territorial.

Como é a relação entre israelenses e árabes em Israel?

A convivência entre israelenses e árabes é muito boa. Os árabes são nacionais israelenses, eles nasceram em Israel. Isso é importante para o país, tendo em vista que eles estão cada vez mais integrados na cultura local. Existem, no entanto, problemas com algumas partes da sociedade árabe-israelense, sobretudo setores mais radicais. Esses cidadãos são influenciados por fundamentalistas islâmicos que não aceitam a existência de Israel, mesmo dentro do território israelense. De toda maneira, sempre existiu convivência social harmônica em Israel. Os partidos árabes participam da política nacional e os árabes eleitos podem compor o governo de Israel.

Embora seja um país pequeno, com apenas 9 milhões de habitantes, Israel possui um dos exércitos mais bem preparados do mundo.

O Exército de Israel tem esse poder bélico em razão das ameaças que o país sofreu ao longo das últimas sete décadas. As guerras árabe-israelenses impeliram a necessidade de Israel desenvolver maestria tecnológica, visto que o país não conseguiria obter mais homens, armas, tanques e aviões por questões financeiras. Israel procurou, então, ter mais qualidade que quantidade — essa foi a razão do boom tecnológico. Esse avanço se deve também às reformas econômicas que transformaram a economia do país. Israel ganhou poder econômico, que resultou em poder de inteligência. Por consequência, ganhou poder militar e político. Essas questões, somadas à queda da União Soviética, o principal fornecedor de armas para os países árabes, tornaram Israel hegemônico em poder bélico na região.

Iron Dome, Operação Guardians of the Walls, Maio de 2021

Um dos exemplos é o Iron Dome, o sistema antimíssil de Israel. Como ele funciona?

Israel criou um sistema de defesa muito diversificado. Ele é composto de alarmes que tocam para que a população se esconda, bunkers ou protetores públicos, em caso de os cidadãos estarem nas ruas, e um sistema antimíssil que atinge foguetes inimigos antes de eles atravessarem o espaço aéreo de Israel. O país possui alguns sistemas antiaéreos: o Iron Dome, que destrói foguetes como os do Hamas, que são difíceis de abater no ar, porque são muito rápidos; o Red Carpet, que serve para deter mísseis de médio e longo alcance, como os do Hezbollah, maiores e mais sofisticados que os do Hamas; e o Arrow, que serve para destruir foguetes intercontinentais. Os sistemas antiaéreos funcionam, basicamente, da mesma forma: primeiro, um radar detecta a trajetória e o local de queda do foguete rival. Caso o alvo dos inimigos seja um local urbano, povoado, o sistema lança um míssil que abate o foguete invasor no ar, de maneira que os destroços caiam em locais descampados.

De que maneira os próprios muçulmanos podem conter a sanha terrorista dos fundamentalistas islâmicos?

Árabes moderados deveriam se posicionar contra os fundamentalistas islâmicos, de maneira a fazer com que os radicais não vejam a si próprios como representantes do Islã. Os fundamentalistas são uma voz pequena, radical e ilegal dentro dos países. Quanto mais os árabes moderados adotarem a postura de repreender os fundamentalistas, mais fácil será o combate contra os radicais.

Qual é sua avaliação sobre a cobertura midiática brasileira em relação aos conflitos que envolvem Israel e seus rivais árabes?

Existem problemas na cobertura midiática em geral, não apenas na brasileira, de tentar ser neutro e imparcial num conflito em que não há imparcialidade. Não se trata de confronto entre duas nações — há o embate entre um grupo terrorista e um Estado democrático. Claro que as notícias têm de ser divulgadas, mas, quando são publicadas de modo a enaltecer o sofrimento do lado mais fraco, acabam por mascarar o direito de defesa do país democrático que luta pela soberania e pela defesa dos civis que estão sendo atacados por terroristas, que, ironicamente, usam civis como escudos humanos. Há muita desinformação, falta de conhecimento e, em alguns casos, antissemitismo e viés anti-Israel na cobertura midiática.

Seu avô é sobrevivente do Holocausto. O que ele contava daquela época?

Meu avô fugiu de um campo de extermínio que matava judeus em câmaras de gás tão logo eles chegavam de trem. Ele misturava as cinzas dos mortos com a terra depois de as vítimas serem queimadas em fornos industriais. Meu avô ficou durante seis meses no campo de extermínio. Ele contava que teve de matar um homem da Schutzstaffel (SS), a organização paramilitar ligada ao Partido Nazista, com uma facada nas costas. Estou aqui, conversando com vocês, graças a essa ação. Então, trata-se de algo que me orgulha, pois meu avô teve a bravura e a coragem de se levantar contra a opressão e o extermínio de um povo.

Leia também “Não há equivalência moral”

4 comentários
  1. Dinarte Francisco Pereira Nunes de Andrade
    Dinarte Francisco Pereira Nunes de Andrade

    Esclarecedora e equilibrada, a entrevista aponta para um fato da maior importância, o conflito é entre um país democrático, Israel, e organizações terroristas. Isto faz toda diferença ao se analisar uma situação que merece todos os esforços para acabar com o sofrimento dos povos judeu e palestino.

  2. Luiz Antonio Fraga
    Luiz Antonio Fraga

    Muito bem explicado. Para uma entrevista “enxuta”, muito bem sintetizado.

  3. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Muito boa a entrevista. Como já mencionado acima esclarecedora.

  4. Alberto Junior
    Alberto Junior

    Entrevista esclarecedora – e justamente pelo motivo exposto na matéria, já que a imprensa brasileira (ainda mais neste momento, com o esquerdismo hegemônico nas mídias destilando seu ódio do “bem”!) afaga todo fora-da-lei que lhe seja conveniente – veja o que estamos vendo atualmente no Brasil, com ações criminosas do STF totalmente apoiadas pela velha imprensa, essa CPI da covid (uma esculhambação politiqueira sem precedentes) -, daí que trazer esse relato do André Lajst muito contribui para contrabalançar a manipulação da informação da qual o público brasileiro é vítima.

Anterior:
Larissa Fonseca, psicóloga: ‘Esperto é aquele que ouve’
Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 247
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.