Uma falácia lógica muito comum é assumir que dois eventos que ocorrem em sequência cronológica estão necessariamente interligados por meio de uma relação de causa e efeito. O galo canta antes do nascer do sol, mas este não nasce porque o galo cantou. Infelizmente, a arte de manipular dados vem ganhando cada vez mais terreno, com efeitos nefastos para a sociedade. A estatística não pode ser a “refinada técnica de torturar os números até que eles confessem”.
“Uma das primeiras coisas ensinadas na introdução à estatística é que correlação não é causalidade. É também uma das primeiras coisas esquecidas e um dos fatos mais amplamente ignorados na pesquisa de políticas públicas”, lamentou Thomas Sowell certa vez. Lembrei desse alerta ao ler o editorial do Estadão da última quinta-feira tentando explicar a queda de mortes com covid no Brasil, atribuída automaticamente à vacinação maior.
Diz o jornal: “Nesta semana, o Brasil registrou queda recorde na média de casos diários de covid-19. Na terça-feira passada, foi notificada uma média de 48.954 casos da doença, o que representa uma redução de 37% em relação ao registro feito nos 14 dias anteriores. A notícia é alentadora, pois, além de se tratar de uma queda recorde, coroa uma sequência de reduções nos registros que apontam para uma queda consistente do número de casos da doença no país”.
Até aí, apenas o fato. Mas eis que surge de forma categórica a explicação, a suposta análise: “A queda consistente do número de casos e a desaceleração da transmissão viral estão diretamente relacionadas com o avanço da vacinação da população”. Como pode o jornal afirmar isso? Qual a ciência por trás disso? A resposta sincera: nenhuma.
Os dados são jogados como prova: “Hoje, cerca de 78,5 milhões de brasileiros (37,06% da população) já tomaram a primeira dose da vacina. Destes, 27,8 milhões (13,13%) já estão totalmente imunizados, vale dizer, já tomaram as duas doses ou a dose única, caso da vacina Janssen”. Mas jornalismo sério e ciência honesta se fazem com perguntas incômodas. Como o jornal explicaria, então, o surto de casos e mortes em países como Uruguai e Chile, que tinham na ocasião uma taxa de vacinação bem maior do que essa?
Quem quer afirmar que o lockdown foi um sucesso vai ignorar todas as evidências contrárias
O viés de confirmação é a grande armadilha aqui: quem quer “provar” algo previamente concebido acaba buscando os dados que fortaleçam essa crença, deixando de lado aqueles que a prejudicam. O Texas retirou todas as restrições, inclusive uso de máscara e distanciamento social, quando tinha vacinado menos de 15% de sua população. O doutor Fauci e o presidente Joe Biden alertaram para o risco, condenando a medida do governador republicano. O resultado? Um sucesso! A narrativa em seguida atribuiu o bom resultado à vacina, não obstante.
Isso é ideologia, não ciência. Quando citam o Reino Unido como exemplo favorável do lockdown, ignoram que os resultados britânicos foram ruins ainda com o lockdown, ignoram que na Suécia houve um resultado similar sem lockdown, e ignoram que em outros países, como a Argentina, com rigoroso lockdown, os números foram terríveis. Mas nada disso importa: quem quer afirmar que o lockdown foi um sucesso vai ignorar todas as evidências contrárias, além de jamais analisar honestamente o custo de oportunidade, ou seja, os efeitos indiretos da medida drástica, como o desastre econômico, por exemplo.
O mesmo vale para o tratamento imediato. Nunca houve uma politização tão abjeta da medicina. Jornalistas repetem que os remédios tiveram sua ineficácia comprovada cientificamente, o que é uma declaração absurda do ponto de vista da ciência. Para tanto, eles ignoram vários estudos favoráveis, e confundem a ausência de uma comprovação definitiva com o teste padrão ouro com uma prova de ineficiência. Isso é politicagem, não ciência.
Alguns ainda mencionam “estudos” repletos de inconsistências ou picaretagens, como aquele fatídico estudo em Manaus com a cloroquina, que resultou na morte de mais de 20 pessoas. A Gazeta do Povo fez uma reportagem investigativa mostrando o drama das famílias, que denunciam a superdosagem criminosa do experimento, mas a repercussão foi tímida na imprensa. Vale lembrar que a repercussão do “estudo” em si foi enorme, alcançou o mundo todo, e a mídia o tratou como prova da ineficácia do remédio “bolsonarista”.
A pior coisa nessa pandemia, depois das mortes, claro, foi a politização exacerbada da ciência. O uso que muitos ignorantes têm feito do nome da ciência em vão, para seus fins políticos, é assustador. Especialmente quando vem de jornalistas, que deveriam se manter mais céticos e humildes. E são exatamente esses que têm bancado os maiores especialistas do planeta, tentando ensinar o papa a rezar a missa.
Poderiam aprender com sir Karl Popper, que sabia alguma coisa sobre método científico: “Não importa quantos cisnes brancos você veja ao longo da vida. Isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros não existem”. Foi o poeta Yeats que capturou a essência do problema: “Os melhores carecem de toda convicção, enquanto os piores estão cheios de intensidade apaixonada”. Bertrand Russell foi na mesma linha: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas, e os idiotas estão cheios de certezas”.
A verdadeira ciência é feita com humildade, cautela, perguntas incômodas e a constante tentativa de refutar a tese principal, justamente para verificar sua robustez. Temos visto o oposto disso: ignorantes afirmando verdades absolutas, desprezando dados contrários, impedindo perguntas complexas e fazendo de tudo para confirmar suas narrativas prévias. Quem quer creditar a vacina pela queda de óbitos, por exemplo, vai apontar para o aumento na vacinação concomitantemente à redução de mortes, e ponto-final.
Quem respeita a ciência, porém, vai além, com as questões ainda sem resposta. Correlação não é causalidade. A curva de óbitos per capita é similar em muitos países com taxas bem distintas de vacinação, eis o fato incômodo para certas narrativas. Políticos e jornalistas com uma agenda preferem ignorar o fato. Mas ele persiste. Se o mérito é da vacina, como se explicam o Chile e o Uruguai? E como se explica o Texas? Talvez as tais variantes expliquem parte dos resultados? Talvez a própria qualidade das vacinas?
Quando se observa a coisa por um prisma mais complexo, fica claro que a humildade é necessária, e que as afirmações categóricas em nome da ciência não passam de tremendo embuste.
Leia também “Manipuladores contra a liberdade de expressão”
Método científico “is a bitch”… quase ninguém está disposto a seguir por ele… Mas o fato é que, em tese, vacinação deve sim reduzir os casos de Covid. O resto foi politizado e se perdeu no lamaçal do blá-blá-blá da esquerda…
Excelente artigo. Parabéns.
Tão claro, mas incompreensivelmente não compreendido por muitos
Muito bom o texto!
Idiotas cheios de si e jornazistas empenhados no establecimento do Globalismo.
Estamos na roça!
Otimo artigo. Obrigado.
A frase do Betrand Russel lembra uma do Montaigne: “Nothing vexes me so much in stupidity as the fact that it is better pleased with itself than any reason can reasonably be. It is unfortunate that wisdom forbids you to be satisfied with yourself and trust yourself, and always sends you away discontented and diffident, whereas opinionativeness and heedlessness fill their hosts with rejoicing and assurance.”
A respeito do efeito do lockdown, veja The Price of Panic do William Briggs.
Ótimo texto.
Parabéns pela coluna, Consta!
Parabéns, Constatino. “Crystal clear” como dizem seus vizinhos. Lembro-me de uma conversa com um médico de minha confiança em Maio/2020 sobre a pandemia onde ele dizia que a medicina baseada na evidencia e incomodada pelo bom senso teria que dar lugar a medicina da incerteza e da dúvida.
Constantino, vc é a segunda enciclopédia… depois do Agusto Nunes, que é a primeira… rsrsrsr… parabéns… vc foi claro nesta matéria !!! A verdade deve ser trazida a tona custe o que custar… pois só assim teremos os esclarecimentos necessários pra elucidar as falcatruas esquerdopatas de pesquisas e fakes que assolam nossa sociedade.
Rodrigo Contantino, você conseguiu falar desse assunto, que por sua obviedade devia estar esgotado, com uma clareza e competência louváveis. Por certo ajudará pessoas que massacrados pela mídia perversa sentem-se perdidas nesse caos de desinformação. Infelizmente os que sofrem de imunidade cognitiva avançada continuarão a repetir as bobagens de sempre. E a pobre Estatística, já tão sofrida nas pesquisas eleitorais, continuará sendo usada em nome da sacrificada Ciência para justificar aberrações que satisfaçam os torpes interesses de politiqueiros desonestos e seus asseclas.
Concordo que temos de verificar dentro das pesquisas cientificamente tradicionais e acadêmicas, mas é praticamente impossível parar com o blá-blá-blá que a Internet trouxe como novidade ao mundo. Então a moda das fake News etc. Porém é lógico que boas vacinas (a vacina do Dória é bem questionável) venham a reduzir as mortes e infecções. Mais tempo e teremos um controle total sobre esse presente do partido comunista chinês para o mundo.
Cada dia me certifico mais que contra argumentar com quem se agarra a ideologias é absoluta perda de energia. Com certeza todos temos pessoas mais merecedoras de nossa atenção!
Rodrigo, existem outras variaveis alem da vacinacao. Veja o artigo Respiratory Viruses Epidemic Dynamics Covid-19 Case Study and Forecast for 2021 in the Most Affected Countries (https://vixra.org/abs/2104.0046).
Achei ótima a citação de Bertrand Russell dos idiotas estarem cheios de certeza… Me veio à cabeça exatamente uma pseudojornalista que volta e meia tenta argumentar contigo, de forma escandalosa e estúpida, e só passa vergonha.
A queda da COVID é verdadeira mas pode aumentar a queda – ANALISEM AS PESQUISAS E ISOLEM AS OUTRA DOENÇAS QUE ESTÃO SOMADAS COM A COVID.
O pior é atribuir à quitanda da Dona Maria, a alta taxa de transmissão do vírus, mas se esquivarem de comentar sobre as lotações de ônibus e metrô e muito menos de cobrarem das autoridades um aumento das frotas.
Mas a copa américa no Brasil não faria explodir o número de casos? Não seria a “copa da morte”?
Artigo show de Bola. Didática impressionante. No demais, explicar o fato estatisticamente sem considerar diversas variáveis é covardia !
Em medicina nada é definitivo até que se prove o contrário . Um medicamento não pode ser rotulado de ineficiente sem esquecer que existe o advérbio ainda . O vírus usa do artifício da mutação , mas porque ? Sua mutação tem que objetivo ? Muda para matar mais rápido o hospedeiro ou muda para não matar o hospedeiro e assim se proteger da própria morte . Claro , vírus não é considerado ser vivo e sim uma proteína mas para ele , a extinção do hospedeiro significa sua extinção ou sua própria morte . Mesmo sem contrair sintomas importantes o contato eventual com o vírus desperta seu sistema imunológico e assim o protege . É o hoje a convida imunidade coletiva transformada pelos leigos políticos e jornalistas leigos no “ pejorativo “ Imunidade de Rebanho . Mas se formos esperar pelo cientificamente provado , desculpem -me os Teistas , mas Deus ainda não existe até que se prove o contrário .
Sabe o que é pior? A credibilidade que os veículos da Grande Mídia gozam perante parte da população que pouco se interessa em se informar por fontes de informações mais confiáveis torna suas falácias verdades absolutas – e quem desconfia é o #negacionista #genocida. Como desconstruir essa narrativa para àqueles que estão com o rei na barriga (os idiotas cheio de certezas)?
Constantino,gostar de seus artigos é redundância,são excelentes.A verdadeira Ciência é humilde, demora muito para ter credibilidade e publicar em revistas internacionais seus resultados.Quem assistiu verdadeiras teses de doutorado,sabe bem disso,anos de estudo.Essas vacinas são experimentais e vemos políticos e cantoras fazendo show barato e mentiroso na CPI da palhaçada.A humildade faz parte dos grandes, concordo plenamente.