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Foto: Reprodução/Twitter
Edição 69

E as cubanas?

É raro passar alguns dias sem que escute essa pergunta. Como se lembrar aquela semifinal olímpica em 1996 fosse motivo de constrangimento e não de orgulho

Ana Paula Henkel
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Durante o último fim de semana, milhares de cubanos se uniram e foram para as ruas do país gritar “Liberdade!”, protestar contra o regime comunista da ilha e expor as terríveis condições de pobreza que acompanham a vida sob uma ditadura, situação que só piorou com a pandemia.

Na era digital em que vivemos, não demorou muito para que centenas de vídeos dos protestos tomassem conta da internet e corressem o mundo. À medida que a indignação reprimida contra o regime autoritário se espalhava por cidades como Havana, as autoridades cubanas se apressaram em bloquear a internet, rotular qualquer mensagem antigovernamental de “desinformação” e reprimir os dissidentes que poderiam manchar ainda mais a imagem do país. Em discurso transmitido pelos canais estatais, o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, disse que “a ordem de combate havia sido dada”. Apelando para aqueles que apoiam o regime, acrescentou: “Os revolucionários têm de estar nas ruas”. Centenas de pessoas já foram presas e há relatos de fotógrafos e jornalistas entre essas prisões.

Em 1959, o governo de Cuba foi derrubado por Fidel Castro. Nas últimas seis décadas, o país operou sob a política comunista e experimentou estagnação econômica, pobreza, fome e uma miríade de outros obstáculos sociais. Quase 100% da economia cubana é controlada por seu governo. A escassez de recursos, as condições de vida horríveis e o governo opressor atormentam essa outrora bela nação.

 

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Apesar de ainda testemunharmos, incrédulos, políticos brasileiros de mãos dadas com esses regimes totalitários e as constantes tentativas de distorcer o que realmente acontece em Cuba, a verdade é que os cidadãos cubanos não têm acesso ao necessário para alimentar a família. Muitos correm para os mercados quando as portas são abertas apenas para descobrir que não há frutas frescas, carnes ou vegetais em estoque. Os alimentos são racionados e fornecidos aos estabelecimentos pelo governo. O socialismo diminuiu tanto o padrão de vida em Cuba que cidades inteiras estão em ruínas. Cidadãos vivem no que antes eram belas mansões e edifícios que caíram no completo abandono porque não há fundos privados para mantê-los. Para muitos, essa é uma ilustração assustadora da prosperidade de uma Cuba há muito desaparecida, destruída em uma única geração pelo comunismo e pelo socialismo.

Cuba tem um espaço único e especial na minha história e para o vôlei feminino no Brasil. Convivemos durante muitos anos com as jogadoras da seleção cubana de vôlei. Para mim, o melhor time de toda a história. Claro que sempre competimos para vencer, os clássicos jogos contra Cuba se tornaram parte importante da minha carreira e até hoje sou abordada por pessoas que relatam suas madrugadas em frente à TV assistindo àqueles históricos embates. Vencemos algumas partidas, elas outras, as brigas se tornaram marca registrada dos encontros, mas jamais deixamos o lado humano da realidade cubana fora da equação.

Quem participa do debate público nas redes sociais sabe que parte do tempo é gasta lidando com gente que, muitas vezes escondida pelo anonimato de perfil falso, xinga, grita, ofende e até tenta intimidar. No meu caso, é raro passar alguns dias sem ler “e as cubanas?”, como se lembrar aquela semifinal olímpica em 1996, jogo que abriu caminho para a histórica medalha de bronze em Atlanta, fosse motivo de constrangimento e não de orgulho para qualquer atleta daquela geração. Adoraria ter conquistado o ouro em 1996, mas não tenho do que reclamar. Minha carreira como atleta superou os sonhos mais inimagináveis. Tenho uma vida com boas realizações e planos futuros de trabalho entre Brasil e EUA. Tenho muito a agradecer. E uma das sortes que tive, com certeza, foi não ter nascido refém da ditadura cubana.

Semifinal olímpica de 1996 | Foto: Reprodução

Todos esses pensamentos, emoções e lembranças vieram à tona nesta semana diante de tantas imagens de corajosos jovens em Cuba desafiando o sistema. Cubanos são especiais, gente bonita e de fibra. Em janeiro de 2020, tive o prazer de conhecer mais um casal da ilha em um dia muito especial, quando participei da famosa e emocionante Marcha pela Vida (March for Life) em Washington. Ali, no meio da multidão que fica concentrada durante horas à espera do momento de caminhar até a Suprema Corte, esbarrei com um casal de médicos cubanos que conseguiu asilo na capital norte-americana. Com meu perfeito “portunhol”, conversamos sobre Brasil, Cuba, voleibol, governos, Fidel, Trump (ele ainda estava na Casa Branca) e até sobre o programa Mais Médicos.

Na época, contei que o presidente Jair Bolsonaro havia condicionado a continuação do programa a um teste de validação pelo qual os agentes de saúde cubanos teriam de passar, o mesmo que brasileiros formados no exterior precisam fazer para exercer a profissão, e que eles poderiam levar a família para o Brasil e ficar com seus salários, mas que Cuba não aceitou. Meus amigos dentro da Marcha pela Vida não ficaram surpresos. Contei também sobre grande parte da imprensa brasileira, outrora importante e factual; e sobre os políticos e artistas abobalhados que empurram diariamente a falácia de que o Brasil está caminhando para virar uma “ditadura”, mesmo com o atual governo não querendo ser sócio nem patrocinador de uma ditadura de verdade como foi o governo petista.

Então, ouvi do casal cubano exilado em Washington o que todos os que participam do debate honesto sabem sobre o real retrato de Cuba: que o socialismo agride, física e mentalmente, aqueles que são devorados pelas sanhas de apreciadores de regimes totalitários. A realidade para esse povo sofrido não é o que os desmiolados socialistas do Leblon com camisas do Che Guevara defendem no Instagram nos posts das viagens a Fernando de Noronha, ou mesmo para Miami, para comprar o “enxoval do bebê”.

Alguns atletas cubanos se dedicam intensamente à carreira para ter uma chance de sair do país e não voltar

Infelizmente, não precisaria ouvir a história de mais um casal que fugiu da ilha dos Castros para validar o que sabemos, pois posso dar meu testemunho pessoal de quem conviveu com as atletas cubanas. Sei o que ouvi delas sobre Fidel Castro apropriar-se de todas as suas premiações, da falta dos itens mais básicos para consumo, de como várias vezes compramos pasta de dente, sabonete e remédios, produtos que depois eram levados para Cuba escondidos para não ser confiscados. Por mais competitivo que fosse o clima, não tive como não me emocionar quando ouvi de uma bicampeã olímpica que ela trocaria tudo, todos os seus títulos e medalhas, pela oportunidade de poder viver fora de Cuba com sua família, longe daquela ditadura horrorosa, daquela miséria absoluta num país que já fora um dos mais ricos e desenvolvidos do continente. Criticar o regime sempre foi proibido, e os elogios das atletas cubanas aos ditadores para a imprensa durante as competições nunca foram espontâneos. Todas viviam sob a mais alta pressão e sabiam das consequências para elas e seus familiares se ousassem fazer qualquer crítica pública. Eram declarações tão verdadeiras quanto as sempre boas intenções do ex-presidiário Lula, amigo dos Castro, família milionária que esbanja uma vida cheia de regalias e maravilhas que só o capitalismo promove.

Regla Bell, Mireya Luis e Magaly Carvajal, entre outras, foram ícones do vôlei da minha geração, ganharam tudo, mas nunca tiveram nada. Duvido que qualquer um criado numa democracia tenha inveja das dificuldades que enfrentaram na vida. Elas são exemplos de superação, talento e força, representaram Cuba brilhantemente e todas as nossas eventuais desavenças daquela época foram mais que superadas. Tive o prazer de encontrar Mireya na Olimpíada de Atenas em 2004 e no Rio em 2016. Almoçamos juntas e relembramos a eterna rivalidade que fez parte de nossa vida e de tantos fãs do vôlei brasileiro e mundial. Entre uma risada e outra (e algumas lágrimas também…), ouvi mais uma vez o testemunho de que pouco havia mudado para os atletas na ilha, e que muitos que foram jogar na Europa pediram asilo político e simplesmente não voltaram. Todos no esporte sabem, alguns atletas cubanos se dedicam intensamente à carreira não para lutar por medalhas ou glória, mas para ter uma chance de sair do país e não voltar.

A doutora Mercedez, a médica cubana que conheci em Washington, e seu marido, vítimas da ditadura e do socialismo em toda a sua vil essência, agora estão felizes na capital do país que oferece a maior liberdade econômica do mundo e, obviamente, as melhores oportunidades sociais e financeiras para seus habitantes. Já quem via as atletas cubanas pela TV não tinha como conhecer as histórias por trás de cada uma, o que tiveram de passar e como elas e a família sofreram e sofrem.

Portanto, quando recebo mensagens agressivas nas redes, em desnecessário e mesquinho tom de deboche, “E as cubanas?”, eu só espero, do fundo do meu coração, que elas estejam bem.

Leia também “Deixem os Jogos Olímpicos em paz”

31 comentários
  1. Francisco Edson corrêa LIMA
    Francisco Edson corrêa LIMA

    Sinceramente tinha perdido as esperanças no jornalismo, eis que ressurge profissional independente de grupos dominantes, livre arbítrio e sem medo ao expor essa ditadura tão elogiada por determinadas classes, ” artistas,intelectuais e outros sonhadores”, parabéns Ana, que maravilha poder relembrar fatos sem os enfeites ideológicos desses esquerdistas sem nexo.

  2. Elisandro dos Santos
    Elisandro dos Santos

    Que texto…excelente Ana…feliz por assinar esta revista…conteúdo de qualidade

  3. Claudemir Oribe
    Claudemir Oribe

    Eu estive em Cuba. Andar por Havana e conversar com as pessoas é espantoso, triste e deprimente. Ouvi apelos desesperados por ajuda de um Engenheiro que me perguntou como sustentar uma família com este salário de m…?
    Me surpreendi que na principal via de Havana, o Malecón – não tem barcos. Os cubanos não podem ter barcos! O motivo é óbvio. É um povo muito bom e que merece ser livre. Que os jovens aprendam com isso: comunismo e socialismo só se implanta a força, com sangue, rédeas curtas e com o fim das liberdades individuais.

  4. JOSE LUIS S VIANA
    JOSE LUIS S VIANA

    Belíssimo texto Ana. Lembro das “batalhas” travadas entre as seleções femininas de vôlei do Brasil e de Cuba. Já conhecia a situação que você mencionou (de comprar produtos básicos de higiene), por uma médica conhecida de minha família que visitava Cuba e levava estes produtos escondidos em sua bagagem. Por tudo o que você falou no texto, ele é belo, comovente e um alerta aos que flertam com o socialismo. Pena que nem todos têm acesso a texto deste tipo. Parabéns.

  5. Antonio Carlos Almeida Rocha
    Antonio Carlos Almeida Rocha

    o comunismo cubano sempre viveu de mesada…como Marx viveu as custas do amigo Engels, de família rica…
    Primeiro foi a União Soviética, logo Venezuela enviando petróleo barato, China, Brasil com sua “rachadinha” do mais médicos…e o turismo. Com a pandemia, o turismo sumiu da ilha…a União soviética colapsou…Venezuela colapsou em seguida, com brutal queda na produção de petróleo…
    toda essa ladainha que todo mundo conhece para dizer que, sem mesada dos outros e sem o dinheiro (Capitalista) do turismo, o regime cubano colapsou de vez também…
    enquanto isso, a família de Fidel está preocupada em como gastar os US$800 milhões acumulados à custa da fome do povo cubano…

  6. Ernani Fontana Filho
    Ernani Fontana Filho

    É com muita satisfação que leio a coluna da Ana porque vejo como os pensamentos livres fazem como as pessoas inteligentes aflorem. Parabéns pela sua conduta esportiva, profissional, caráter e correção nas abordagens que faz. Sou seu fã!

  7. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente artigo. Parabéns Ana.

  8. Marcio Bambirra Santos
    Marcio Bambirra Santos

    A leveza da alma e a contundente realidade. Parabéns pelo ótimo artigo.

  9. Jamicel Francisco Rocha Da Silva
    Jamicel Francisco Rocha Da Silva

    Viva o esporte ! Viva a liberdade ! Cuba livre!

  10. Antonio Raul Aquino Gimenez
    Antonio Raul Aquino Gimenez

    conhecendo mais sobre as atletas cabanas, pelo que deu para entender malogradas.

  11. Marcelo Gurgel
    Marcelo Gurgel

    A sua geração do vôlei feminino nos encheu de orgulho.

  12. salvan meira wanderley
    salvan meira wanderley

    Parabéns, Ana Paula, por mostrar a realidade de atletas cubanos de primeira linha, que, na realidade, são verdadeiros heróis do seu povo. Cuba Libre dessa ditadura sanguinária!

  13. Alice Helena Rosante Garcia
    Alice Helena Rosante Garcia

    Certeira Ana Paula, torcendo para esse povo forte sair desse jugo inconcebível nos dias de hoje, mais triste pensar que alguns ainda acham que esse seria o caminho pra nos. Pobres de espirito !!!

  14. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Acho que por ética ou por bondade, não falaste tudo. Fiquei sabendo através de uma parente que visitou Cuba em 2018 que algumas atletas cubanas daquela seleção “sumiram”. Ninguém sabe o que foi feito com elas, se fugiram, presas ou morreram.

  15. Vanessa Días da Silva
    Vanessa Días da Silva

    Como sempre, um texto primoroso e imperdível. Fiquei emocionada com a tua descrição pessoal a respeito daqueles momentos vividos na olimpíada que escondem uma face obscura de um regime nefasto. Lembro- me das cubanas dançando em quadra, como se fosse um deboche, e hoje sei que aquela provavelmente era a única alegria em suas vidas.

  16. MARCOS HONORIO BELLUZZO
    MARCOS HONORIO BELLUZZO

    Maravilha. Relatos emocionantes. Cada vez mais eu concordo com o Olavo de Carvalho: “comunistas tem meio cérebro”
    Parabéns

  17. Ernesto Quast
    Ernesto Quast

    Belíssimo texto. Obrigado.

  18. Valfredo Novais Silva
    Valfredo Novais Silva

    Há um ano ou dois, quando li pela primeira vez um texto de Ana, fiquei perplexo: craque no vôlei e na análise dos fatos.

  19. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Ana Paula, inteligente, estudiosa da politica econômica e social dos EUA e Brasil, tem a consciência tranquila para bem expor seu excelente convívio com quem pensa politicamente diferente, e não “politicamente correto”. Parabéns, por ações sempre humana, honesta e campeã.

  20. CARLOS ALBERTO DE MORAES
    CARLOS ALBERTO DE MORAES

    Parabéns Ana Paula, nesse texto voce mostra que o esporte é muito mais do que vencer e traz a realidade crua, nua e despolitizada de uma Cuba tão enaltecida pela nossa podre esquerda.

  21. Carlos Benedito Pereira da Silva
    Carlos Benedito Pereira da Silva

    Parabéns pela coragem de um comentário isento do “politicamente correto”. Essa é a realidade do comunismo, sem censura.

  22. Paula Voloch
    Paula Voloch

    sempre elegante e sensata.

  23. Fernando Antonio Roquette Reis Filho
    Fernando Antonio Roquette Reis Filho

    Ana, como tive raiva daquelas cubanas. Raiva que arrefece com o tempo e com suas generosas palavras. Vamos torcer prá que essa vergonhosa ditadura caia logo e vocês possam promover um jogo amistoso de confraternização.

  24. Luanna Oliveira
    Luanna Oliveira

    Parabéns pelo artigo Ana!! Realidade triste.

  25. marcus pontes nardino
    marcus pontes nardino

    Imagino o sofrimento dos cubanos ! muito triste.

  26. Duílio Borges Caravieri
    Duílio Borges Caravieri

    Aprendo muito com seus comentários , uma aula da história recente de um povo sofrido.

  27. Rodrigo Kairys
    Rodrigo Kairys

    Ana, parabéns por mais um belo texto!

    1. Teresa Guzzo
      Teresa Guzzo

      A Cuba atual,me desculpem,mais parece uma favela a céu aberto.Sua economia atual não consegue sustentar-se sem ajuda de outros países comunistas.Povo saiu às ruas pois não consegue mais se alimentar, trabalhar e a pandemia escancarou essa situação latente há anos.Um país corrompido por anos de ditadura comunista.

  28. Olinto Santos Cardoso
    Olinto Santos Cardoso

    Belas palavras e mais espera que nunca , nunquinha tenhamos de passar por uma vil situação dessa porque passa muito asa gente boa e ordeira. Parabéns Paula sempre do vôlei

    1. Franklin Sousa Coutinho
      Franklin Sousa Coutinho

      Você é uma das minhas DIVAS !!!

    2. Jesus Fernandes de Oliveira
      Jesus Fernandes de Oliveira

      Parabens, Ana. Vivi muitas alegras com vc na Seleção de volei, e agora mais feliz ainda, vendo-lhe nos Pingos dos Ìs, e lendo seus artigos na RO. Continue assim e sugiro que divulgue a necessidade de elegermos, pelo menos 20 SENADORES E 2/3 DOS DEPUTADOS FEDERAIS EM 2022, PARA O BEM DO NOSSO PAÍS. UM ABRAÇO DE F Â.

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