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Edição 76

A eletricidade criada pela imaginação

Ousadias tecnológicas abrem as portas para novas formas de geração de energia renovável

Dagomir Marquezi
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A palavra “alternativa” carrega um tom de poesia. Algo que está fora da ordem, na contramão, uma opção à mesmice. Quando falamos em energia alternativa, geralmente nos vêm à cabeça hélices girando sincronizadas num crepúsculo no deserto. Ou células fotovoltaicas seguindo o Sol como margaridas.

No mundo real, vivemos o início de uma fase dois nessas formas conhecidas de geração de energia renovável. A necessidade de “descarbonização” do mundo está acelerando as pesquisas em possibilidades inéditas. O desafio é buscar formas mais seguras, limpas e baratas.

O Brasil, por exemplo, ainda depende demais das usinas hidrelétricas, que segundo dados da Icone Energia corresponde a mais de 64% da matriz energética nacional. Quando acontece um período de maior seca — e esses períodos parecem estar aumentando —, ficamos reféns. As fontes de energia alternativa são instáveis. Nem sempre há vento para mover as pás, ou Sol para alimentar as células de captação.

Mesmo assim, o Brasil está fazendo bonito na área das chamadas energias renováveis. Para  ter uma ideia, a geração de energia fotovoltaica era de 0,4 megawatt em 2012. Seis anos depois, esse número estava em 501,9 megawatts. A energia eólica também cresce. Segundo a Aneel, a capacidade instalada no Brasil em 2005 era de 27,1 megawatts. Hoje, é de 16.445,1 megawatts.

Estamos entrando num bom momento para aumentar a diversidade dessas fontes alternativas na nossa matriz energética. Novas opções mais inteligentes estão sendo criadas e implantadas. Algumas dessas possibilidades, hoje ainda em fase experimental, poderão virar equipamento-padrão em pouco tempo.

Energia eólica – A hora dos gigantes

O homem usa a força do vento como fonte de energia há séculos. Foram as pás de um moinho que derrubaram Dom Quixote do cavalo Rocinante no romance do século 17. Nas últimas décadas, o uso do vento como gerador de energia se tornou parte da paisagem. Espalharam-se os “jardins” de turbinas em grandes extensões de terra.

Espalharam-se os “jardins” de turbinas em grandes extensões de terra.

Agora se descobriu que uma grande turbina rende mais do que um mar de turbinas pequenas. (E não prejudicam as aves migratórias.) Eric Lantz, do Laboratório Nacional de Energia Renovável dos EUA (NREL), diz que menos (e maiores) turbinas também resultam em menor custo na geração de energia. E quanto mais alto estiverem os reatores, “melhor a qualidade do recurso”. Perto da superfície, o ar enfrenta obstruções como montanhas, colinas, árvores ou construções que limitam o volume e a velocidade do vento. Quanto mais alta estiver a turbina, mais vento vai encontrar. E vento mais rápido também.

Torres de energia eólica fazem parte da paisagem em Marrocos | Foto: Irena/Divulgação

Essa constatação da equipe de Eric Lantz fez com que as usinas eólicas ficassem maiores, mais altas e necessitassem de menor quantidade. O diâmetro médio dos rotores nos EUA hoje é de 125 metros — maior que um campo de futebol.

A China está construindo a maior torre eólica do mundo, com 284 metros de altura. Quase uma Torre Eiffel, que tem 300 metros. Batizada de MySE 16.0-242, a supertorre com hélices de 120 metros de diâmetro é capaz de produzir 16 megawatts de força, dez vezes mais que as similares americanas. Segundo a empresa MingYang, responsável pelo projeto, cada unidade vai durar 25 anos e fornecer energia a 20 mil residências. Nesse processo poderá eliminar 1,6 milhão de toneladas de CO2.

Maremotriz – A força das ondas

Com 8.000 quilômetros de litoral, o Brasil deveria dar mais atenção à chamada energia de ondas. Ela consiste em aproveitar o sobe e desce das marés para movimentar turbinas. Temos algumas usinas funcionando no Nordeste, especialmente no Estado do Ceará, Maranhão e na Ilha de Macapá. Ainda é pouco para o nosso potencial.

A energia das ondas tem algumas vantagens — pouco risco ambiental, energia renovável e limpa. E desvantagens. Nem sempre as marés produzem movimento suficiente para a produção da energia. A instalação dos equipamentos é cara. E o material se desgasta muito com o contato constante com a água do mar.

E se a energia solar pudesse ser obtida constantemente?

Em julho, entrou em operação a mais poderosa usina de marés do mundo: a O2, instalada no Arquipélago de Orkney, no extremo norte da Escócia. A O2, com 74 metros de comprimento e 680 toneladas, não precisa ser instalada na costa. Ela flutua e pode ser deslocada conforme a necessidade. E se aproveita das grandes ondas provocadas pelo choque entre as águas do Atlântico e do Mar do Norte. A energia produzida ainda gera um subproduto, o hidrogênio, usado para o aquecimento de casas e em motores marítimos.

Usina de marés O2 em operação | Foto: Orbital Marine/Divulgação

Está conectada à rede de energia através de um cabo submarino, produzindo 2 megawatts de energia. Segundo seu fabricante, a Orbital Marine Power, a O2 pode operar por 15 anos e fornecer energia suficiente para sustentar a demanda anual de 2 mil residências. A Escócia está trabalhando para se tornar uma potência mundial no ramo da energia de marés.

Assista o vídeo sobre o lançamento da maior turbina de energia de marés do mundo:

YouTube video

A energia que vem do espaço

E se a energia solar pudesse ser obtida constantemente, sem que as nuvens interrompessem os raios solares? E se viesse do espaço? A ideia foi concebida há 80 anos pelo escritor de ficção científica Isaac Asimov.

Os chineses estão trabalhando firme também nessa possibilidade. Inauguraram na cidade de Chongquin a primeira estação de energia solar espacial do mundo. Os testes deverão começar no fim deste ano. Segundo o jornal The Times, o plano é colocar a usina em funcionamento até 2035 e produzir 1 gigawatt de energia (o mesmo que uma pequena usina nuclear) até 2050.

Primeira estação de energia solar espacial do mundo | Foto: Xinhua/Divulgação

O plano consiste em lançar satélites gigantes, com mais de 1,5 quilometro de extensão, que coletariam a energia solar 24 horas por dia em órbita, livre de obstáculos. O Reino Unido também está apostando nessa possibilidade com reconhecimento oficial. “Estações solares espaciais podem soar como ficção científica”, declarou a ministra britânica da Ciência, Amanda Solloway, “mas podem ser a nova fonte de energia para o Reino Unido e o resto do mundo capaz de mudar o jogo”. Outros projetos nessa linha estão em andamento nos Estados Unidos e na Coreia do Sul.

A energia coletada em órbita seria convertida em ondas de rádio de alta frequência e transmitida para uma antena, provavelmente no mar e transformada em eletricidade. O posto de recepção teria de ficar deserto e controlado a distância, pois a emissão de ondas seria uma ameaça à saúde humana.

Usinas que flutuam

O Brasil poderia aproveitar muito mais sua vasta rede de rios para produzir eletricidade. Mas o processo de construir uma usina hidrelétrica é muito caro e demorado. Exige grandes obras de infraestrutura e abala todo o ecossistema local com um vasto alagamento na criação de represas.

Não seria melhor se as usinas hidrelétricas nem precisassem ser construídas? Essa possibilidade está sendo testada na Universidade de Michigan, nos EUA, que criou uma “turbina de correnteza”. A turbina é colocada na parte do rio onde o fluxo de água é mais forte, e assim o represamento se torna desnecessário.

A empresa americana Natel Energy fabricou seu modelo RHT com base nesse princípio. Seu sistema de hélices foi desenhado para permitir o trânsito de peixes. A empresa calcula também a localização dos pontos ideais no rio onde as turbinas podem ser instaladas. Em vez de interferir no meio ambiente, as turbinas se tornam parte desse ambiente. E, passivamente, apenas aproveitam sua dinâmica natural.

Turbina Flutuante modelo RHT | Foto: Natel Energy/Divulgação

Leia também “Os construtores de estrelas”

E mais “Energia nuclear: vilã ou solução?”

7 comentários
  1. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Mais um texto didático. Parabéns Dagomir.

  2. Sandro Luis Batista Soares
    Sandro Luis Batista Soares

    Tem que pensar na engenharia de reverso, pois irá produzir muito lixo ao longo dos anos.

  3. Silas Veloso
    Silas Veloso

    Parabéns, Dagomir, seus sentidos sempre na “solucionática”. Mas tb me chamou atenção o comentário acima do José Carlos. Quem sabe outra reportagem, como reciclar os descartes das energias renováveis?

  4. JOSÉ CARLOS
    JOSÉ CARLOS

    Todo esforço de desenvolvimento de novas fontes de energia renovável é bem-vindo e merece retorno à altura devido aos altos riscos. Mas, algumas escondem um passivo econômico, social e ambiental de longo prazo que ainda não vemos ser considerado nos estudos de viabilidade. O caso da eólica e solar, pelo menos no Brasil, é representativo: o que faremos com as milhares de torres de concreto, pás de fibra de vidro e milhões de placas solares daqui a 15 ou 20 anos quando estarão obsoletas e deverão ser descomissionadas? Servirão de alimento aos bodes nordestinos? Isto sem falar do impacto ambiental causado na fabricação e instalação das usinas. Não é um problema de simples solução. Tudo é muito lindo enquanto em operação como o carro elétrico “limpo” que usa energia gerada por uma… termelétrica.

    1. Marcia Valeria Dias Escovino
      Marcia Valeria Dias Escovino

      Como sou leiga no assunto nunca pensei sobre esse lixo. Gostaria ddd em saber mais a respeito

      1. Bianca Spotorno
        Bianca Spotorno

        Procure Michael Shelleberger, tem textos esclarecedores sobre isso. Ele defende a energia nuclear em oposição a essas opções renováveis. Além do lixo produzido e do impacto ambiental, demonstra que não são auto sustentáveis.

    2. Bianca Spotorno
      Bianca Spotorno

      Exato

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