Pular para o conteúdo
publicidade
Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Edição 81

Filhos da liberdade

Numa época em que o pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório, a voz de um atleta levantou um movimento inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia

Ana Paula Henkel
-

Um dos eventos mais marcantes da história política norte-americana foi a crise dos mísseis cubanos (retratada no brilhante filme Treze Dias que Abalaram o Mundo). Foi quando os líderes dos Estados Unidos e da União Soviética se envolveram em um tenso impasse político e militar em outubro de 1962 sobre a instalação de mísseis soviéticos com armas nucleares em Cuba, a pouco mais de 140 quilômetros da costa dos EUA.

Em um discurso na TV em 22 de outubro de 1962, o presidente John F. Kennedy notificou os americanos sobre a presença dos mísseis, explicou sua decisão de decretar um bloqueio naval em torno de Cuba e deixou claro que os EUA estavam preparados para usar força militar, se necessário, para neutralizar qualquer ameaça à segurança nacional. Depois dessa notícia, muitas pessoas temeram que o mundo estivesse à beira de uma guerra nuclear. No entanto, o desastre foi evitado quando os Estados Unidos concordaram com a oferta do líder soviético Nikita Khrushchev de remover os mísseis cubanos em troca da promessa dos americanos de não invadir Cuba e de retirarem seus mísseis da Turquia.

O que muitos não sabem é a história por trás desse episódio, agora retratada em The Courier, outro excelente filme produzido no ano passado. O Espião Inglês, como foi lançado no Brasil, conta a história real de Greville Wynne, um empresário britânico que ajudou o MI6, a agência britânica de Inteligência, a penetrar no programa nuclear soviético durante a Guerra Fria. Wynne e sua fonte no governo soviético, Oleg Penkovsky, forneceram aos americanos informações cruciais que encerraram exatamente a crise dos mísseis cubanos na administração de JFK na Casa Branca.

Sem maiores spoilers, há uma cena em que Wynne e Penkovsky conversam sobre a excepcionalidade do que estão dispostos a fazer, avisar os americanos sobre os detalhes de todo o esquema dos mísseis soviéticos em Cuba. Sentados à mesa em um falso almoço de negócios, eles conversam sobre os grandes riscos do trabalho de espionagem e a esperança de evitar uma possível tragédia nuclear, quando Penkovsky diz ao britânico: “Talvez sejamos apenas duas pessoas. Mas é assim que as coisas mudam”.

A cena imediatamente veio à minha mente diante do fato esportivo que chamou minha atenção nesta semana. Numa época em que o pagamento de pedágio ideológico é um imposto quase obrigatório para atletas e celebridades, e questionar virou sinônimo de “ameaça à democracia”, uma voz levantou um movimento totalmente inesperado em uma das reviravoltas mais notáveis na pandemia. Jonathan Isaac, jogador do Orlando Magic, emergiu como um convincente defensor dos sagrados princípios da liberdade, do bom senso e da decência cívica tão presentes no DNA da América. Isaac se posicionou contra o passaporte vacinal obrigatório, como uma voz da razão contra a mídia e o establishment que desprezam e rotulam os não vacinados como anticientíficos. Na verdade, as entrevistas de Isaac ressaltam quão anticientífico o discurso sobre a covid se tornou: “Todos devem ser livres para tomar decisões por si próprios”, disse ele, acrescentando que acredita que o governo “está estabelecendo um precedente em que, à luz de qualquer emergência, sua autonomia pessoal, sua liberdade religiosa e, honestamente, sua liberdade como um todo tornam-se negociáveis”.

A revista Rolling Stone logo tratou de publicar uma entrevista com Isaac tentando retratá-lo como “mais um contra as vacinas”. Apesar de ter apenas 24 anos, Isaac tem se mostrado extremamente maduro e preparado, e, logo após a publicação da revista, rebateu: “Não sou antivacina”. “Não sou antimedicamento. Não sou anticiência. Não cheguei ao meu estado atual de vacinação estudando a história dos negros ou assistindo às coletivas de imprensa de Donald Trump. Tenho o máximo respeito por todos os profissionais de saúde e pessoas que trabalharam incansavelmente para nos manter seguros. Minha mãe trabalha na área de saúde há muito tempo. Sou grato por viver em uma sociedade em que as vacinas são possíveis e temos os meios para nos proteger. Mas, dito isso, minha convicção é que o status de vacinação de cada pessoa deve ser sua própria escolha, sem intimidação, sem ser pressionado ou coagido a fazê-lo. Não tenho vergonha de dizer que não estou confortável em tomar a vacina nesse momento. Acho que somos todos diferentes. Todos nós viemos de lugares diferentes, tivemos experiências diferentes e nos preocupamos com diferentes crenças. E o que você faz com o seu corpo quando se trata de colocar medicamentos nele deve ser uma escolha pessoal, livre do ridículo e da opinião dos outros.”

Não pense que Jonathan Isaac parou por aí. Ele foi muito além e trouxe o que muitos, inclusive milhares de médicos lobistas das big pharmas, tentam esconder — a imunidade de quem passou pela doença: “Já tive covid no passado, e, portanto, nossa compreensão dos anticorpos, da imunidade natural mudou muito desde o início da pandemia e ainda está evoluindo”, afirmou. “Entendo que a vacina poderia ajudar a ter menos sintomas se você contrair o vírus. Mas, tendo passado e tendo anticorpos, com a minha faixa etária e nível de aptidão física, uma reinfecção não é necessariamente um medo que tenho. Tomar a vacina, como eu disse, diminuiria minhas chances de ter uma reação grave, mas me abre para a possibilidade de ter uma reação adversa à própria vacina. Você ainda pode pegar covid com ou sem a vacina. Eu diria honestamente que a loucura de tudo está em não sermos capazes de dizer que isso deveria ser uma escolha justa de cada um, sem ser rebaixado ou considerado maluco. Há algumas das razões pelas quais estou hesitante em tomar a vacina nesse momento. Mas, no fim, não acho que há motivo para alguém dizer ‘É por isso’ ou ‘Não é por isso’ para que alguém tome ou não. Isso deve ser apenas uma decisão de cada um. E amar o próximo não é apenas amar aqueles que concordam com você, se parecem com você ou agem da mesma maneira que você.”

Jonathan Isaac mostra que está em uma posição totalmente razoável para ser assumida, e que é abandonada por muitos por medo, bullying ou simplesmente pela prostituição intelectual. Ele está na casa dos 20 anos, tem imunidade natural e está fisicamente mais saudável do que qualquer pessoa de sua idade. Na verdade, durante todo o curso da pandemia, o número total de pessoas entre 15 e 24 anos (faixa etária de Isaac) que morreram de covid nos EUA, um país com 330 milhões de pessoas, é de 1.372: menos do que o número de mortes por pneumonia não associada à covid para o mesmo grupo etário.

E como muitos exemplos de coragem na história, Jonathan Isaac quebrou o canto da atual sereia dos burocratas que, de suas salas em algum prédio com o metro quadrado mais caro de Washington, Berlim ou Bruxelas, decidem a sua vida por você, sem que você possa apresentar nenhum questionamento. Tome a vacina e cale a boca, fascista. Isaac provocou um efeito dominó sem precedentes na espiral de silêncio da NBA. Draymond Green, do Golden State Warriors, e Kyrie Irving, do Brooklyn Nets, também decidiram levantar a voz, com calma, razão e tolerância em meio a um pânico moral sobre as vacinas contra a covid, empurradas implacavelmente pela mídia corporativa, por lobistas e políticos.

Green falou em nome de milhões pelo mundo durante uma coletiva de imprensa na semana passada, quando disse que o debate sobre a picada contra a covid “se transformou em uma guerra política” e que, com decisões médicas como tomar a vacina, “você tem de honrar os sentimentos das pessoas e suas próprias crenças pessoais. Forçar as pessoas a tomar a vacina vai contra tudo o que a América defende”. Draymond Green, assim como a maioria dos jogadores da NBA, optou por tomar a vacina contra a covid, mas Green entende o que muitos jornazistas aparentemente fazem questão de não entender, que receber ou não a vacina deve ser um assunto privado, assim como qualquer outra decisão médica, e que ninguém deve ser coagido a isso.

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia

Outro atleta da NBA que decidiu se pronunciar foi Bradley Beal, do Washington Wizards. Beal também parece ter uma compreensão mais firme da liberdade de consciência e expressão do que toda a imprensa que o atacou repetidamente por sua hesitação em se vacinar por motivos pessoais. “Uma coisa que quero deixar clara é que não estou aqui defendendo ou fazendo campanha ‘Não, você não deveria tomar essa vacina’”, disse Beal, depois de lhe perguntarem sobre a eficácia das vacinas. “Não estou dizendo que são ruins. Não estou aqui dizendo que você não deveria tomá-las, mas que é uma decisão pessoal de cada indivíduo. Tenho o direito de manter essa decisão comigo ou com minha família e gostaria que todos respeitassem isso.”

Em 2020, quando jogadores negros famosos e milionários da NBA, vestidos com camisas do grupo Black Lives Matter, se ajoelharam durante o hino norte-americano contra o “racismo sistêmico” na América, Jonathan Isaac, negro, permaneceu de pé e disse que “ajoelhar ou vestir uma camiseta não era resposta para nada”, que “as vidas dos negros e todas as vidas eram sustentadas pelo Evangelho” e que apenas com a união de todos muitos problemas seriam confrontados, não apenas o racismo. O atual efeito cascata de vozes que se levantam para a defesa inviolável da verdade e da liberdade médica, iniciado pela bravura de Jonathan Isaac, parece que não vai parar. Atletas da NFL — a liga profissional de futebol americano — começaram a se portar publicamente contra o passaporte sanitário e a obrigatoriedade da vacina.

Jonathan Isaac permanece de pé durante hino norte-americano | Foto: Reprodução

Jonathan Isaac tem o espírito de homens corajosos, tão raros hoje em dia. Homens com princípios basilares que viveram através de séculos por causa de seus legados. Princípios que podem transcender gerações, porque eles são maiores que elas. São a sobrevivência da civilização ocidental. Princípios que vencem regimes totalitários e seus ditadores, que derrubam muros e evitam crises nucleares.

Jonathan Isaac não é nenhum espião treinado para combater forças ocultas dos inimigos de seu país, mas seu espírito simboliza o significado do hino de sua nação — ainda pilar da liberdade no mundo —, sustentada por homens de valores inegociáveis: Land of the free because of the brave. Às vezes, não são necessárias nem duas pessoas para que algo mude. Uma apenas basta. Criem seus filhos para serem como Jonathan Isaac.

Leia também “Ciência, ciência e silêncio”

27 comentários
  1. Rodrigo
    Rodrigo

    Obrigado por nos apresentar esse herói Jonathan. Vozes da razão são rápidamente silenciadas hoje em dia. Requer muita coragem tomar posições como essa.

  2. Juarina T M P
    Juarina T M P

    Ana Paula mais uma vez se superando em seus artigos. Parabéns 👏🏻👏🏻🌺🌺

  3. Martha R Parahyba
    Martha R Parahyba

    Excelente artigo, Ana. Ver um rapaz tão jovem, com princípios tão sólidos e consistentes, me faz acreditar que essa onda lacradora passe como qualquer onda e permaneça apenas o que é necessário – honestidade moral para pensar com independência e coragem.

  4. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Ana sim poderia ser nossa super atleta no Senado, não aquela figurinha irritante que por lá circula na CPI DO CANGAÇO.

  5. Silvio T Correa
    Silvio T Correa

    Muito bom!

  6. Flávio c moura
    Flávio c moura

    Excelente artigo,o valor da minha liberdade é imensurável

  7. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente artigo. Parabéns Ana.

  8. Mauro Dianes Moreira
    Mauro Dianes Moreira

    Conteúdo e texto maravilhosos Ana Paula. Parabéns!!!

  9. marise neves
    marise neves

    O que me chamou atenção nessa foto do grupo ajoelhado é que todos estavam apoiando o joelho numa toalha dobrada
    Tão covardes que não suportaram colocar diretamente o joelho no chão, pq dói,incomoda. Seus ancestrais sofreram horrores e se eles quisessem homenagea-los ou relembrar o sofrimento não teriam cometido esse deslize hipócrita. Minhas homenagens vão para o menino Isaac, pela bravura,coragem e determinação. Não se apaga a história, tenta-se não repetir os erros cometidos no passado. Viva a bravura do Isaac

    1. LEANDRO CAETANO PIMENTEL
      LEANDRO CAETANO PIMENTEL

      Também reparei isso na foto. Muita hipocrisia da turma da lacração.

  10. Jorge Apolonio Martins
    Jorge Apolonio Martins

    Palmas para Jonathan, um exemplo para o mundo.

  11. Martha De Gennaro
    Martha De Gennaro

    Parabéns Ana Paula, obrigada por me dar a conhecer esse rapaz maravilhoso, Jonathan Isaac, que se posiciona com lógica, bom senso e clareza de pensamentos.

  12. Elizabeth Catta Preta
    Elizabeth Catta Preta

    Parabéns, Ana Paula . Obrigada pelo Excelente texto .

  13. Lyandra Besett
    Lyandra Besett

    Que mais vozes sensatas possam surgir. Acredito que a politica do nos contra eles, é no minimo contra os principios de amar ao proximo, o ataque a grupos ou individuos (raça, sexo, religiao, vacina etc) é uma alavanca ao totalitarismo e esquecimento da liberdade.

  14. Joao Antonio Ramos Castro
    Joao Antonio Ramos Castro

    Parabéns Ana Paula Henkel! Retratou de forma inteligente um tema tão obscuro da sociedade: a LIBERDADE! Obrigado!

  15. Cláudia Beatriz Albuquerque Rebello
    Cláudia Beatriz Albuquerque Rebello

    Grande cidadão do mundo !. Cristão e amante da liberdade ! Congratulations !

  16. Luiz Antônio Alves
    Luiz Antônio Alves

    Ótimo comentário. Ótimas posturas.

  17. Vinnicius Gabriel Brun dos Santos
    Vinnicius Gabriel Brun dos Santos

    Parabéns Ana Paula Henkel. Fiquei muito contente em ver como você conseguiu tratar do tema com sensibilidade. Isso faz a diferença, pois além de propiciar um ambiente de paz, ajuda o leitor brasileiro a entender o porquê de os USA ocuparem o lugar que ocupam na liderança mundial. Muitos livros na década de 2000 tentaram explicar porque existem países desenvolvidos e subdesenvolvidos (o tal “como chegar a Dinamarca”). Artigos como seu ajudam a explicar o pano de fundo do problema e levam o leitor a entender o desenvolvimento de uma sociedade livre. Ela é mantida livre por seus indivíduos, que são livres.

  18. eugenio rosa de araujo
    eugenio rosa de araujo

    Como sempre, Ana Paula colocando o dedo na ferida com muita elegância. Parabéns para todos nós seus leitores.

  19. Franklin Sousa Coutinho
    Franklin Sousa Coutinho

    Garota inteligente, forjada na bravura da disputa pelo pódio da vida…

    1. Sheila Helena Stenzel
      Sheila Helena Stenzel

      Ótimo Texto! Parabéns Ana

  20. Solange Campos
    Solange Campos

    Excelente cronica

  21. Eduardo De Oliveira Costa Pini
    Eduardo De Oliveira Costa Pini

    corrigindo minha correção desnecessária.
    Land of the free because of the brave faz todo sentido ao texto.
    Eu querendo mexer no texto de outrem, desculpe-me…

  22. Eduardo De Oliveira Costa Pini
    Eduardo De Oliveira Costa Pini

    Ótimo material, Ana escreve bem, amarra tudo certinho, adoro.
    mas tem no final – land of the free, home of the brave,
    correção do texto necessária, táokey!

  23. Olinto Santos Cardoso
    Olinto Santos Cardoso

    👏👏👏🇧🇷

  24. ottomar maia bianchini
    ottomar maia bianchini

    Show

  25. Paulo Kubota
    Paulo Kubota

    Excelente o posicionamento do Jonathan Isaac diante de situações diversas, incluindo a vacinação! Nada como ter valores éticos basilares para se posicionar e sustentar as suas decisões bem como visões sobre as situações como vacina e BLM. É um exemplo a ser seguido. E parabéns pelo excelente texto Ana Paula!

Anterior:
Vitor Brown: ‘Fiquei impressionado com o carinho que recebi ao chegar a Oeste’
Um drone mostra equipes de resgate dirigindo um barco em uma rua inundada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil (7/5/2024) | Foto: Reuters/Diego Vara Próximo:
Carta ao Leitor — Edição 216
Newsletter

Seja o primeiro a saber sobre notícias, acontecimentos e eventos semanais no seu e-mail.