Henry Ford, o grande industrialista, disse certa vez aos compradores de seus carros: “Vocês podem pedir a cor que quiserem, contanto que seja preto”. Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes estão dizendo: “Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que seja a nossa”. E esse comportamento está rapidamente se espalhando do campus para o restante da sociedade.
O Massachusetts Institute of Technology retirou recentemente o convite ao professor Dorian Abbot, da Universidade de Chicago, para uma palestra pública sobre os desenvolvimentos na ciência climática, assunto em que ele é um especialista reconhecido. Houve protestos no Twitter contra o convite, e o MIT, com a covardice que infelizmente passou a ser previsível entre as autoridades universitárias, cedeu aos manifestantes.
A razão para as queixas ao convite foi um artigo que o professor Abbot publicou questionando a sabedoria das cotas raciais na seleção de estudantes para as universidades: ou seja, ele era contra a discriminação positiva.
Existem argumentos razoáveis em favor da discriminação positiva. Não é totalmente descabido imaginar que, se um inscrito foi bem nos exames apesar de ter uma origem menos favorecida, ele pode ser tão capaz e com certeza tão determinado quanto alguém que foi melhor nos mesmos exames, mas tem uma origem mais privilegiada.
Mas também existem argumentos razoáveis contra as políticas de discriminação positiva, entre os quais está o fato de que os beneficiários dessa discriminação nunca saberão se seu sucesso subsequente foi resultado de seus próprios esforços sem ajuda ou se foi um ato um tanto condescendente de caridade: e isso pode gerar um ressentimento permanente. A discriminação positiva é inerentemente injusta, uma vez que não pode haver discriminação positiva sem uma versão negativa, e não é mais culpa de um homem ter nascido em circunstâncias privilegiadas do que ter nascido em circunstâncias não privilegiadas. Além do mais, a discriminação positiva pode reduzir ou pelo menos inibir os esforços e levar as pessoas a não fazer o máximo que puderem, só o suficiente.
Muitos de nós, talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm
No entanto, quer o professor Abbot estivesse certo ou errado, não é a questão. Existe uma tendência humana natural de não querer ouvir argumentos que vão contra a própria opinião, e essa é uma tendência a que se deve resistir conscientemente. Em sua autobiografia, Charles Darwin conta que, sempre que deparava com uma opinião que contradizia a sua própria, em algum momento, ele a anotava, porque, caso contrário, sem dúvida iria esquecê-la. Poucos de nós são assim. Muitos de nós, talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm. Eu sei que, no passado, comprei livros que, fundamentalmente, não me diziam nada que eu já não soubesse ou achasse, e me pego tendo de resistir a essa tentação de autoconfirmação. É muito raro que alguém mude de ideia de imediato, como em uma conversa sobre religião, mas em algum momento as evidências ou os argumentos surtem efeito, como a umidade em um prédio. É necessário se expor às opiniões contrárias.
Eu mesmo fui recentemente desconvidado pelos alunos da Universidade de Oxford, que tinham me chamado para participar de um debate. O estudante que escreveu para me fazer o convite escreveu para me desconvidar três semanas depois, com a desculpa boba de que “queremos que o debate siga outro rumo” e “queremos envolver uma gama de opiniões” — entre as quais, obviamente, não estava a minha.
Em segredo, fiquei bastante satisfeito, ainda que tenha dito a todo mundo que fiquei incomodado. Em primeiro lugar, na verdade, eu não queria fazer o esforço envolvido (ainda que sinta que tenho a obrigação de falar com a geração mais jovem se ela me chama), mas, em segundo e mais importante, fiquei lisonjeado de agora ser considerado uma pessoa tão má que minha presença não seria mais tolerada. Foi uma espécie de confirmação do trabalho de uma vida.
O feitiço, no entanto, pode por fim estar se virando contra esse fenômeno moderno polimorficamente perverso, o politicamente correto. Na Universidade de Sussex, na Inglaterra, as autoridades se recusaram a dispensar uma professora de filosofia, até então uma feminista radical, por exigência dos alunos — ou melhor, de um grupo barulhento de alunos. Ela os incomodou ao escrever que um homem não se torna literalmente uma mulher (ou vice-versa) ao fazer cirurgias e tomar hormônios. Até bem pouco tempo atrás, isso teria sido considerado tão banal que não valeria mencionar, mas agora, no clima atual de opiniões ou ideologias, é considerado por um grupo monomaníaco como o equivalente a pedir a eliminação física das pessoas transexuais, quando não sua execução.
O reitor sênior da universidade se recusou a ceder à exigência dos alunos, que parecem acreditar cada vez mais que vão para a universidade para ensinar, e não para aprender. Mas vale lembrar que a geração atual de professores e administradores universitários é, ela mesma, herdeira e beneficiária da revolta dos estudantes de 1968, que tanto fez para destruir a autoridade acadêmica tradicional. Revoluções costumam devorar seus jovens, tanto que os revolucionários muitas vezes acabam se tornando reacionários, pelo menos quando não ficam estagnados em uma condição de adolescência eterna.
O último caso — de adolescência eterna — substituiu a juventude eterna como uma meta almejada, mas impossível. Em toda parte, vejo homens e mulheres de 70 anos vestidos como se ainda tivessem 19 ou 20. Existem poucas imagens mais patéticas do que astros do rock apegados ao que consideram seus dias de glória. Seus rostos costumam parecer uma alvenaria que desmoronou.
É comum dizer que a adolescência e o começo da vida adulta são períodos de idealismo na vida. Olhando em retrospecto para a minha própria — se for considerada típica, o que, claro, ela pode não ser —, não posso discordar. A juventude é mais um período de arrogância e egoísmo disfarçados de idealismo do que de idealismo em si. Quando a essa arrogância juvenil se acrescenta a arrogância do cliente que tem sempre razão, ex officio (uma vez que os estudantes nas universidades agora são clientes, em vez de jovens sentados aos pés dos velhos), é apenas natural que eles exijam a demissão, a punição e, sem dúvida, um dia a execução dos professores.
Leia também “Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido”
Ótimo artigo… sobre cotas (contrário a elas), aproveito o espaço para indicar o ótimo livro de Thomas Sowell, “Ação Afirmativa ao Redor do Mundo”. Abordagem clara e demonstração dos malefícios de tal política.
Excelente, como de costume.
Excelente artigo. Parabéns.
Um ensinamento para todos refletirem:
“A necessidade de defender uma proposição por meio da argumentação é inversamente proporcional ao teor de sua verdade implícita.”
Uma argumentação pode ser muito válida à medida que o teor de sua verdade seja fato cientificamente comprovado. Não é do que trata o artigo, onde fica claro que a argumentação dos jovens carece de verdade cientificamente comprovada.
Excelente. Dois pontos chamaram minha atenção, e dou minha opinião:
– cotas nas universidades, qq que seja o motivo, são prejudiciais a alunos e mestres, causam desnivelamento do saber dos alunos.
– a afirmação: “ um homem não se torna literalmente uma mulher (ou vice-versa) ao fazer cirurgias e tomar hormônios.” é pertinente e verdadeira.
Infelizmente, trata-se de nossa triste e patética realidade. O que será de nosso mundinho quando essa “galera” chegar de fato ao poder constituído? Quem viver verá!
Excelente o artigo do professor. Fui professor universitário por quase 35 anos e nos últimos anos os discentes tornaram-se clientes, deixaram de ser estudantes para serem alunos.
Excelente matéria, brilhante como sempre. Jovens que mal “saíram das fraldas” acham que tudo sabem, que tudo podem mas, quando o “choque de realidade” aparecer, chorarão copiosamente.
Realmente me impressionou esse artigo do Theodore, é impactante como algumas coisas passam de espantosa para corriqueira, aluno que discordava de professor era normal, agora são alunos que detratam/expulsam os professores. Afinal, o que eles fazem na faculdade? aprender não é, já que sabem tudo, autodidatas de Internet. Onde será que vamos parar?
Que merda de revolução estou sendo obrigada a assistir.
Só não estou mais triste porque não tenho filhos e não serei obrigada a enfrenta-los
Sempre que leio Theodore Dalrymple nesta revista, acho a assinatura da Oeste um ótimo investimento.
Alberto, eu torço toda a sexta-feira para que uma das colunas seja do Theodore!
Eu também, Alberto
A coisa vai além, atingindo o nível de caricatura acadêmico-cultural. Eis que uma jovem, de família semi-tradicional, passou por crises de adaptação aos cursos prioritariamente escolhidos, até encontrar-se no curso de comunicação/ jornalismo de uma renomada Univerisidade Federal de MG. Pensei que encantara-se com a grade curricular e a competência dos docentes. Qual nada! O que mais a deslumbrava eram os imensos corredores grafitados e o ar de liberdade que exalavam. Ficou lá por algum tempo, desencantou-se não sei por quê e está a buscar novos rumos. Um dos seus fetiches, hoje, é imputar a alcunha de reacionários, terraplanistas e negacionistas àqueles que porventura dela discordarem. C’est la vie!
O artigo descreve, lamentavelmente, a triste realidade que tomou conta da academia – que deveria ser um reduto inexpugnável ao pensamento crítico, a razão e ao debate lógico/argumentativo. Mas o pensamento crítico, o respeito basilar ao contraditório, a demonstração lógica/empírica, a valorização do mérito, fundamentos da civilização ocidental, sucumbiram ao assalto avassalador do poder da imprensa esquerdista que arreganhou de vez sua mais pesada artilharia ideológica – dogmática, anti-intelectual, violenta, mentirosa. É quase inacreditável, mas eles conseguiram destruir o “mundo acadêmico”, aquele mundo libertador idealmente descrito por Platão nos primórdios desta civilização clássica que enfim é destruída. Os seus destroços, a terra arrasada, a ecologia anti-racional estabelecida, são o troféu do vencedor – que reinará em meio a uma vida ignara.
Brilhante, como de costume.