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Carlos Marighella | Foto: Divulgação
Edição 86

O verdadeiro Marighella

Filme tenta reescrever a história do violento terrorista de esquerda, transformado em herói nacional pelas lentes de Wagner Moura

Silvio Navarro
Paula Leal
-

Na noite de 4 de novembro de 1969, o baiano Carlos Marighella foi apanhado em uma emboscada pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury na região dos Jardins, em São Paulo, e acabou morto por cinco tiros. O prontuário de um dos maiores terroristas da esquerda armada no Brasil incluía assaltos a bancos e carros-fortes, além do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick. A página 153 de A Ditadura Escancarada (Companhia das Letras), o segundo dos cinco volumes escritos pelo jornalista Elio Gaspari sobre os anos de chumbo, narra seus momentos finais: Marighella portava uma pasta preta com um revólver Taurus calibre 32, que usava em suas ações violentas, mas não teve tempo de sacá-lo. 

Meio século depois, é neste ato final que a esquerda reinante na cena cultural do país se concentra para reescrever a biografia do guerrilheiro urbano virulento, que foi expulso do Partido Comunista e se tornou líder da ALN (Ação Libertadora Nacional). Pelo menos é essa a impressão de quem o viu tombar na tela do cinema, desarmado e solitário, assassinado cruelmente à queima-roupa dentro de um Fusca azul antes de ingerir uma cápsula de cianeto. Na nova narrativa, esse é o herói nacional, escritor de poemas e defensor da liberdade retratado em Marighella: o Guerrilheiro que Incendiou o Mundo, dirigido por Wagner Moura. O filme foi baseado no livro do jornalista Mário Magalhães — que faz questão de frisar na página 14 de sua obra: “Como sempre, estava desarmado”.

Não se trata aqui de uma crítica ao texto de Magalhães, mas à maneira como Wagner Moura enxerga e defende seu personagem-título. “Quando eu faço um filme sobre Marighella, evidentemente estou fazendo um filme que parte da minha admiração por Marighella e pelas pessoas que, no olho do furacão de uma ditadura militar, resolveram fazer alguma coisa contra aquele regime”, disse Moura em entrevista recente ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Talvez as lentes do ator-diretor estejam embaçadas. Ele busca a redenção depois de ter vestido a pele do Capitão Nascimento, personagem de Tropa de Elite, alvo de um massacre da imprensa e dos colegas intelectuais de esquerda. Trocando em miúdos: foi quase um pedido de desculpas de Moura para ser reincluído no grupo de WhatsApp e voltar a frequentar a patota do Leblon.

Manchete de 1969, quando a Folha de S.Paulo era um jornal de notícias | Foto: Reprodução


O caixa da Cultura

A chegada do filme às telas do país na semana passada ocorreu mais de dois anos depois de estrear em vários festivais internacionais, como o de Berlim. E chegou fazendo barulho. Moura culpou o governo Jair Bolsonaro e a Agência Nacional de Cinema (Ancine) pela demora na exibição do longa-metragem. Foi além e chegou a dizer que se tratava de “censura e boicote”. 

A balela de que os comunistas eram defensores da democracia convence menos ainda

Vamos aos fatos: o atraso se deu porque a O2, produtora do filme, estava inadimplente com a prestação de contas de outra produção. Segundo a Ancine, o projeto só passou a cumprir todos os requisitos no último mês e por isso foi liberado. Assim como tantas outras produções artísticas, Marighella se beneficiou do Fundo Setorial do Audiovisual, um dos mecanismos (legais) para financiamento público do setor, que investiu quase metade do orçamento do filme, avaliado em R$ 10 milhões.

Moura, contudo, partiu para o ataque: se a intenção do personagem do filme era “incendiar o mundo”, a dele era botar fogo nas redes sociais. Disse em um programa de televisão, por exemplo, que “não respeitava” os dirigentes da Secretaria de Cultura. Referia-se ao secretário nacional, Mário Frias, e ao responsável pelas verbas da Lei Rouanet, André Porciúncula. Ambos têm afirmado que a pasta era um duto para atender um grupo de proponentes escolhido a dedo. Por exemplo: segundo Frias, do passivo de R$ 13 bilhões que estava à espera de um clique, 70% dos recursos estavam sendo destinados a apenas 10% dos pretendentes. “Muita gente que acusa a gente é ingênuo, diferentemente do diretor do filme, que conhece a estrutura a fundo”, disse Mário Frias na segunda-feira.

 

Românticos de Cuba

Embora o filme esteja repleto de tiroteios, a versão light do terrorista confesso não faz jus ao discípulo de Stalin, que celebrava “a beleza que há em matar com naturalidade”. No seu  Minimanual do Guerrilheiro Urbano, publicado em 1969, Marighella se orgulhava de afirmar que “ser ‘violento’ ou ‘terrorista’ é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada na luta contra a ditadura militar”. Ele ainda reserva um capítulo para ensinar ações aos camaradas: “Assaltos, invasões, execuções, sequestros, terrorismo, sabotagem, guerra de nervos”. Tudo é permitido em nome da luta armada. 

A tentativa de humanizar o personagem com a história do seu filho cheira a pieguice e não convence. E a balela de que os comunistas eram defensores da democracia e que se viram obrigados a pegar em armas para salvar o Brasil da ameaça de ditadores fascistas convence menos ainda. “Ele era um patriota, ele amava o Brasil”, repete uma personagem devota em cena. 

Se ainda estivesse vivo, o verdadeiro Carlos Marighella provavelmente não se reconheceria na pele do cantor Seu Jorge, que o interpreta no cinema. A escolha do ator para encarnar o guerrilheiro é, no mínimo, curiosa. Na vida real, Marighella era filho de uma negra baiana com um imigrante italiano. No máximo, um moreno claro. Na ficção, foi representado pelo ator e cantor negro Seu Jorge. Wagner Moura ergueu ali também a bandeira racial e do “racismo estrutural”? Sim, claro. O passado do pai italiano anarquista não é mencionado, nem sequer para justificar o sobrenome do terrorista. 

Marighella, em ficha da Comissão da Verdade, e Seu Jorge, como o guerrilheiro em Marighella | Foto: Comissão da Verdade do Estado de São Paulo via Wikimedia Commons/Divulgação/Paris Filmes

A propósito, na esteira do tema étnico, um padre aparece explicando que Jesus só poderia ter sido negro. O padre justifica: quando Herodes mandou matar todas as crianças com menos de 2 anos, Jesus ainda bebê foi escondido no Egito e só conseguiu passar despercebido porque no deserto fazia parte da maioria esquecida pelo sistema. Para completar, um apelo ufanista: nos créditos finais, o público é brindado por uma cantoria do Hino Nacional Brasileiro realizada pelos atores abraçados em roda.

A velha imprensa já elegeu o longa sobre a versão do guerrilheiro travestido de herói como a melhor bilheteria nacional do ano. Com a concorrência minguada depois de um jejum forçado por conta da pandemia, com salas fechadas e medidas restritivas que afugentaram espectadores, não é difícil chegar ao topo do ranking. Além de contar com a torcida da mídia e da militância de esquerda, Moura também recebeu apoio das redes de cinema. 

Esse apoio não foi dado ao cineasta pernambucano Josias Teófilo. Ele é diretor do documentário Nem Tudo se Desfaz, que estreou em setembro deste ano, sobre os impactos das manifestações de junho de 2013 no cenário político nacional, que culminaram na ascensão do presidente Jair Bolsonaro. “Boa parte dos cinemas que procuramos para exibir o Nem Tudo se Desfaz se recusou a passar o filme, inclusive a alugar as salas, porque disseram que não queriam apresentar um filme com conteúdo político. Entretanto, passaram Marighella, que é um filme não só com conteúdo político, mas com discurso político e partidário atrelado”, afirmou. “Uma coisa são filmes que produzem polêmicas, como O Jardim das Aflições [documentário de Teófilo sobre a vida de Olavo de Carvalho] e Nem Tudo se Desfaz. Outra coisa são filmes que produzem factoides de polêmicas, como Marighella.” 

Marighella, o filme, não será capaz de reescrever a história. Amanhã, não teremos jovens deslumbrados desfilando com camisetas estampando o bigode do guerrilheiro baiano. Isso é coisa para a geração do esperto Wagner Moura. Ele sabe ganhar dinheiro tanto com a boina preta do capitão do Bope quanto com a vermelha do comandante Che Guevara.

Leia também “(Super) Heróis da liberdade”

32 comentários
  1. Geraldo Manoel Guimarães
    Geraldo Manoel Guimarães

    Dá nojo, vontade de vomitar ao ler/ouvir esse artigo sobre esse escroque chamado Wagner Moura; e que é o pior – fazer de Carlos Mariguella, “um herói brasileiro”!
    Difícil de engolir esses Che Guevara do jeitinho hipócrita, desses aproveitadores e comunistas de araque.
    Abraços fraternos de,
    Geraldo Manoel Guimarães

  2. Paulo Alencar Da Silva
    Paulo Alencar Da Silva

    Sabem o que a rede Globo, Folha de SP, velhos deputados e senadores, sindicalistas e esse grupo de artistas (como o tal Moura) tem em comum? Eles só pensam naquilo….no caso dele via a tal lei Rouanet. Desmamar é duro né pessoal! Pra isso deturpam tudo se preciso for!

  3. Erasmo Silvestre da Silva
    Erasmo Silvestre da Silva

    Eles continuam subestimando o povo brasileiro. Todo mundo sabe o que é comunismo, idiotas

  4. Rômulo Cesar da Silva Ramos
    Rômulo Cesar da Silva Ramos

    O Wagner Moura esqueceu de dizer que os atentados terroristas cometidos pela Esquerda, começaram antes dos governos militares; a verdade foi que os militares impediram a tomada de poder pelos comunistas, Todos os grupos que enfrentavam os governos militares tinham a orientação Marxista e o financiamento da URSS, China e Cuba.

    1. Paulo Ferreira Dos Santos Junior
      Paulo Ferreira Dos Santos Junior

      Exato!!!

  5. Eleandro Machado
    Eleandro Machado

    Mas sabe também que seus adeptos envelheceram. Nascem adolescentes todos os dias para contestar. Sempre foi assim. Mas, hoje, eles contestam e denefestram o professor de história. É outro tempo. Marighela é falsidade, que, em hipótese alguma, deixará de ser denunciada como tal, independentemente de quando e onde seu nome e a película de Moura sejam mencionados. Não existem mais dias fáceis para a esquerda, depois do nascimento de Olavo de Carvalho. Ele a despiu. E, para sempre, a ridicularizou.

  6. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente texto. Como a maioria acima, não assisto a filmes nacionais faz tempo e esse então nem passo perto do cinema que o estiver exibido.

  7. Lívio Túlio Baraldi
    Lívio Túlio Baraldi

    Como quase sempre acontece, mais um filme brasileiro que não vou assistir!!! Mas, com certeza, será um “grande sucesso de bilheteria”!! SQN

  8. Antonia Marilda Ribeiro Alborgheti
    Antonia Marilda Ribeiro Alborgheti

    não é de hoje que o cinema endeusa facínoras, e não é só no Brasil, colocam o dito cujo como herói idealista mas ‘ESQUECEM” de mostrar o sofrimento de suas vítimas, haja hipocrisia.

  9. Luciana Ruas Rodrigues
    Luciana Ruas Rodrigues

    E JÁ ESCLARECERAM QUEM FOI O DELATOR QUE ARMOU A EMBOSCADA CONTRA ELE? AINDA OPINA NA POLÍTICA BRASILIRA.

  10. ANA MARIA GRECO
    ANA MARIA GRECO

    Excelente artigo. Meu cinema, por enquanto, é só da Brasil Paralelo.

  11. Juvenal dos Santos Neto
    Juvenal dos Santos Neto

    Muito triste a reescrita da história que se tenta via mídia. Não só a velha imprensa, mas agora também o cinema é instrumento de veiculação de falsas narrativas.

    Agora entendo a fúria da Dilma e dos petistas quando da exibição da série “O Mecanismo” na Netflix: a esquerda sabe do potencial de influência do audiovisual na formação da opinião pública: é uma poderosa ferramenta de convencimento.

    A mesma lógica se aplica aos documentários “Nem Tudo se Desfaz” e “O Jardim das Aflições”, que sofreram boicotes da esquerda e/ou não foram exibidos para evitar uma possível associação dos exibidores com o pensamento conservador, o que poderia comprometer sua imagem junto ao público.

  12. José Antonio Braz Sola
    José Antonio Braz Sola

    Esse filme deveria ser colocado no rol de comédias em exibição, ou talvez no de ficção.
    Só há mentiras nele, a começar por um autor negro interpretando o terrorista sanguinário.
    Esse Wágner Moura é um tremendo de um vigarista e espertalhão.

  13. Andre mendonça
    Andre mendonça

    Pena que a ditabranda não fez o dever de casa completo.

  14. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Silvio, procure nos informar se os pobres contribuintes brasileiros, pagam para familiares desse terrorista, as IMORAIS e ILEGAIS INDENIZAÇÕES milionárias à anistiados políticos, como nos oneram vários terroristas e ativistas como Lamarca e intelectuais jornalistas e escritores como Ziraldo. Nessa famosa Bolsa Ditadura, desde 2005 até o presente já devemos ter gasto mais de R$ 16 bilhões com esses “bravos brasileiros”. Uma boa matéria do jornalismo idôneo, poderia provocar o MPF a investigar FRAUDES para obtenção de tão generosas e ilegais indenizações milionárias, e o COAF a tornar pública as “movimentações atípicas” de todos os envolvidos nesse crime financeiro como os membros dessas comissões da anistia e seus advogados, e muito ajudaria a ministra Damares a pedir uma REVISÃO JUDICIAL dessas fraudes com as devidas suspensão e penalidades.

  15. Carmo Augusto Vicentini
    Carmo Augusto Vicentini

    Wagner Moura me provoca engulhos…

  16. Júlio Rodrigues Neto
    Júlio Rodrigues Neto

    Nunca é demais dizer que caminhar à direita, rende bons frutos.

  17. Arsênio Barreira Barrio
    Arsênio Barreira Barrio

    Muito bom o artigo por revelar as verdades no bastidor últimas do país…

  18. Antonio Ruotolo
    Antonio Ruotolo

    Boa matéria, excelente jornalista. Mas precisa aprender regência verbal. Quem transforma, transforma alguma coisa. E outros erros menos graves mas que não combinam com a excelência da Oeste

  19. SILVIO TADEU DE AVILA
    SILVIO TADEU DE AVILA

    Esse Wagner é um idiota fanatizado. O filme é tão “fake” que deturpa o próprio tipo racial de Marighella, que não era negro. Lacração do princípio ao fim. Cambada de comunistas, para quem os fins (manipulação rumo ao poder internacional) justificam os meios. Cambada.

  20. FORA PT
    FORA PT

    Excelente!!!

  21. Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacetda Nunes Da Silva

    É muito cinismo e pouca vergonha na cara.

  22. R.F. Nobre
    R.F. Nobre

    Provavelmente esse tal de Wagner Moura será indicado para uma cadeira na ABL…..

  23. Machado lson
    Machado lson

    Não assisto filme nacional por que ñ aceito
    pagar duas vezes para ver as mesmas m…. de sempre.
    Dez milhões jogados fora.
    Canalhas.

    1. Antonio Daniel Cavalcante Guimarães
      Antonio Daniel Cavalcante Guimarães

      2

    2. Andre mendonça
      Andre mendonça

      Filmes nacionais, com raríssimas excessões, são péssimos. E aí não vale dizer que é complexo de vira-lata, porque são ruins mesmo. E quando são da esquerda caviar, que se enriqueceu com dinheiro público, são piores que péssimos. São lixo puro, como aquele da vida do lularapio. Causam vômito.

  24. Antonio M
    Antonio M

    Esse ator e diretor quer ser um Oliver Stone que desde o início fez o imaginário dele nas telas que passava como se fosse o real, como Platoon, JFK, Wall Street e outros. Triste, mas muita gente não irá conferir a história verdadeira. Irão imaginar ser o filme, o retrato da realidade e sair do cinema no seu mundo de ilusão.

  25. Gustavo G. Junior
    Gustavo G. Junior

    Para os canhotos, basta o enredo, a luta, a cantinela. Jamais porão o tico e o teco para digerir o conteúdo. Lavagem cerebral , essa é a ordem. E de preferência, qto menor o rebento, mais fácil a presa.

  26. J Paulo
    J Paulo

    É isso aí. Prá quem gosta de m… é um bom prato.

  27. Edson Carlos de Almeida
    Edson Carlos de Almeida

    Para quem gosta de lixo, é um prato cheio…….

  28. Frederic Couto
    Frederic Couto

    Louvar um terrorista fanatizado que foi rechaçado até pelo partido comunista é, no mínimo, uma burrice, se o autor for bem intencionado, ou muita desfaçatez, como parece ser o caso.

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