A eventual privatização da Petrobras voltou à pauta dos debates após o presidente Jair Bolsonaro cogitar a ideia. Seu governo é reformista e tem uma agenda liberal de privatizações, mas as “joias da coroa” sempre ficaram de fora dessa ambição. Com a forte alta do preço dos combustíveis, porém, Bolsonaro alega que a manutenção da empresa com controle estatal se tornou um fardo.
Afinal, o presidente aponta seu gestor, a União recebe bilhões em dividendos, mas mexer na política de preços é um tabu — e com razão. Um congelamento seria visto como um péssimo caminho populista pelo mercado. Não obstante, grupos organizados, como o dos caminhoneiros, fazem pressão contra o governo, como se a ele coubesse intervir para resolver a situação. Só tem ônus político, portanto.
Bolsonaro sabe que a Petrobras não será vendida até o fim deste governo, e seu discurso tem objetivo político e eleitoral: deixar claro que não é sua responsabilidade o que se passa com o preço na bomba. É um fenômeno mundial, resultado das paralisações econômicas na pandemia, além da alta carga tributária, principalmente estadual. O presidente, porém, acaba suscitando um excelente debate sobre o tema, que até “ontem” era um tabu.
Como autor de Privatize Já, publicado em 2012, tenho “lugar de fala”, como dizem por aí. Defendo a privatização não só da Petrobras, mas de todas as estatais, desde sempre. Não cabe ao Estado ser empresário, muito menos um xeique do petróleo. O mecanismo de incentivos é perverso, produz ineficiência e corrupção. Mas por décadas os esquemas foram protegidos sob o manto de “interesse nacional” ou “setor estratégico”. O povo, porém, está amadurecendo a ideia e é questão de tempo até a maioria se dar conta das vantagens da privatização.
A lista das principais interferências políticas em estatais inclui o populismo tarifário, o uso de cargos como moeda de troca entre políticos, a apropriação e o loteamento por grupos privados e partidos políticos (basta lembrar do deputado Severino Cavalcanti, do baixo clero, pedindo a área da Petrobras que “fura poço e tira petróleo” para selar aliança política com o então presidente Lula), assunção de projetos com retorno abaixo do custo de capital, debilidade de mecanismos de controle e governança corporativa e, claro, corrupção. Não por acaso, o mensalão começou nos Correios e o petrolão usou a própria Petrobras como caixa.
Nenhum outro setor desperta tantas paixões e controvérsias quanto o petróleo. A Petrobras já foi motivo de orgulho para muitos brasileiros. Em quase todos os debates, os argumentos são os mesmos: é preciso proteger as nossas riquezas naturais, o governo precisa cuidar de um setor tão estratégico. “O petróleo é nosso”, dizem os populistas. Não é muito difícil, porém, entender por que a privatização da Petrobras não faria mal nenhum ao país, tornaria um setor estratégico mais eficiente e daria aos brasileiros aquilo que eles merecem: a posse de suas riquezas naturais, além de combustível mais barato.
É claro que o petróleo é fundamental para a economia moderna. Ele é a energia que faz a roda da economia girar, em que pese todo o discurso ecológico contra combustível fóssil. Mas será que isso é suficiente para considerá-lo tão diferente assim dos demais produtos? Mais ainda: será que isso é justificativa para preservar uma estatal quase monopolista explorando esse produto? Não vamos esquecer o alerta de Milton Friedman: se o governo federal assumisse a gestão do Deserto do Saara, em cinco anos faltaria areia por lá.
Um pouco da história do setor pode nos ajudar. A exploração do petróleo começou nos Estados Unidos pela iniciativa privada. Desde a primeira prospecção de Edwin Drake em 1859, na Pensilvânia, o setor viu um crescimento incrível com base na competição de várias empresas privadas. As forças ocultas da competição garantiram o progresso rápido do setor, responsável por inúmeros avanços rumo ao maior conforto do homem na natureza.
Deixar empresas privadas competirem no setor é a melhor forma de beneficiar o próprio povo brasileiro
O conglomerado criado por Rockfeller, maior empresário do ramo, era uma máquina de fazer dinheiro e gerar empregos. O grupo dele, a Standard Oil, ficou tão grande que o governo americano decidiu quebrá-lo em partes menores em 1911, e dali saíram as empresas que dominam até hoje o setor nos Estados Unidos. Como maior potência do planeta, nenhum país considera o petróleo mais estratégico do que os “ianques”. Entretanto, temos dezenas de empresas privadas que exploram esse recurso. Não há uma PetroUSA.
Temos ainda as empresas estrangeiras que atuam no mercado americano, como British Petroleum, Shell, Lukoil, a própria Petrobras e várias outras. Em suma, trata-se de um mercado bastante competitivo. Não por acaso, descobertas de shale gas, cuja extração demanda um complexo processo tecnológico, têm possibilitado um crescimento impressionante na produção de energia do país. A tecnologia do fracking também ajudou a impulsionar muito a produção americana, enquanto a estatal venezuelana PDVSA produz uma fração do que já produziu no passado, antes de o socialismo chegar ao poder. O mercado funciona.
Roberto Campos pregava no deserto contra grupos de interesse muito bem organizados e um nacionalismo ideológico mal calibrado. Apelidado de Bob Fields por seus detratores, Campos nunca foi um “entreguista”. Ao contrário, ele queria apenas um modelo de exploração do petróleo que fosse mais vantajoso para os próprios brasileiros. Deixar empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, competirem no setor é a melhor forma de beneficiar o próprio povo brasileiro.
Infelizmente, havia uma barreira ideológica. Conforme disse Campos, “os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso, recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos e não pela clarividência do Estado”. Seus opositores queriam acreditar que a gestão estatal é mais eficiente, e ponto final. Outra constatação importante que ele fez foi a seguinte: “Mais importante que as riquezas naturais são as riquezas artificiais da educação e tecnologia”.
Muitos economistas chegam a falar da “maldição do ouro negro”, quando um país ainda subdesenvolvido descobre recursos naturais em abundância, especialmente o petróleo. Com o sonho do enriquecimento rápido, mas sem as instituições adequadas, esses países acabam “amaldiçoados”, com uma “cleptocracia” assumindo o poder e explorando o próprio povo. É como uma pessoa sem a mínima estrutura psicológica e familiar ganhar um bilhete de loteria: as chances de fazer besteira e colocar tudo a perder são enormes.
O escritor mexicano Octavio Paz, prêmio Nobel de Literatura e autor de O Ogro Filantrópico, fez um alerta importante sobre esse risco. Seu país viveu o drama da “maldição do ouro negro”, e o resultado foi lamentável. O Partido Revolucionário Institucional (PRI), membro da Internacional Socialista, teve o poder hegemônico sobre o país entre 1929 e 2000. A existência de vastas reservas de petróleo contribuiu bastante para essa longa permanência no poder. A estatal Pemex controlou o setor por décadas, servindo como um braço do partido na economia. Por essa razão, as palavras de Paz são mais atuais que nunca, e as utilizo para concluir. Basta trocar México por Brasil, e o recado fica bem claro:
Por um lado, o Estado mexicano é um caso, uma variedade de um fenômeno universal e ameaçador: o câncer do estatismo; por outro, será o administrador da nossa iminente e inesperada riqueza petrolífera: estará preparado para isso? Seus antecedentes são negativos: o Estado mexicano padece, como enfermidades crônicas, da rapacidade e da venalidade dos funcionários. […] O mais perigoso, porém, não é a corrupção, e sim as tentações faraônicas da alta burocracia, contagiada pela mania planificadora do nosso século. […] Como poderemos nós, os mexicanos, supervisionar e vigiar um Estado cada vez mais forte e rico? Como evitaremos a proliferação dos projetos gigantescos e ruinosos, filhos da megalomania de tecnocratas bêbados de cifras e de estatísticas?
Leia também “A tese otimista de Paulo Guedes”
O Estado deveria cuidar apenas da segurança, saúde, educação básica e o cumprimento das leis (desde que melhores elaboradas e com menos “pegadinhas”).
Parabéns, Constantino. Bem que a Oeste poderia fazer uma grande matéria sobre o Roberto Campos.
Privatização já.
Constantino,a Petrobrás não pode mais ser sustentada pelo Brasil,veja o tamanho dos salários dos diretores dessas empresas e de seus funcionários.Recebem até catorze salários por ano,fora benefícios, não dá mais.Chega de estatais!!!!
Todas as mudanças que o Brasil precisa, inclusive na área de combustíveis, dependem da qualidade da faxina política que nós devemos fazer nesse Congresso esquizofrênico.
A cada eleição, temos que ficar vigilantes na hora da apuração dos votos pelo TSE – com a ajuda da Polícia Federal e das Forças Armadas – para garantir transparência e lisura nos pleitos, o único caminho para varrer aos poucos a mentalidade esquerdopata que se apoderou das nossas instituições ao longo das últimas décadas e recuperar o Brasil de volta para quem trabalha honestamente sem depender de dinheiro público para construir patrimônio.
Concordo, Cesar Chaia. Falou tudo!
Constantino, ótimo e oportuno artigo.
está mais que comprovado que o Estado é um péssimo empresário, temos até uma estatal (ainda) para produzir o tal trem bala que sequer saiu do papel, mas os funcionários continuam lá, sugando nosso dinheiro.
Constantino, sem dúvida esse é o caminho, todavia por entender que não se dará no próximo ano eleitoral, é muito importante que a boa imprensa da revista oeste, jovem pan e gazeta de povo, demonstrem aos consumidores de combustíveis quem são os vilões dos constantes aumentos de preço nas bombas.
O presidente Bolsonaro é tão questionado pela velhaca imprensa, políticos, governadores e presidentes da Câmara e Senado, que, tem ultimamente falado bobagens, como, que a Petrobras não pode visar somente o lucro dos acionistas, parecendo desconhecer que acionistas são também a União, que neste ano deve receber R$32 bi em dividendos para fazer sua parte de sua politica de subsídios que entendo necessária unicamente ao de transportes coletivos e de cargas. É lamentável que até bons jornalistas que apoiam este governo se manifestem dizendo que a Petrobras tem também o dever social, desconhecendo que cabe à União faze-lo e não a empresa. Quando os governos do PT utilizaram a Petrobras para “FINS SOCIAIS e do PT”, ela deu enormes prejuízos aos acionistas, portanto não contribuindo com dividendos à União e aos acionistas minoritários que foram traídos em sua gigantesca capitalização em 2010.
Para exemplificar o peso de sua participação nos preços da gasolina, a Petrobras recentemente fez publicidade paga na TV (vi na globo), para informar de depois de todo processo produtivo, transporte, refino, tributos e lucro, a empresa recebe somente R$2,33 do valor cobrado nas bombas. Pude apurar no site da Petrobras que assim se compõe o valor médio de R$6,57 por litro de gasolina nas bombas com base na coleta de dados de 24 a 30/10: R$ 2,33 de gasolina pura (Petrobras), R$1,17 de álcool anidro (Usineiro), R$1,72 de ICMS (Governadores), R$0,69 de Impostos Federais (Bolsonaro) e R$0,66 de Distribuição/revenda (Comércio). É IMPORTANTE informar que o litro de gasolina comum é composto de 73% de gasolina pura (Petrobras) e de 27% de álcool anidro (Usineiro), logo o preço por litro de gasolina pura da Petrobras é: R$2,33/0,73=R$3,19 e o do álcool das Usinas é: R$1,17/0,27=R$4,33. Algum consumidor sabe que o litro de álcool anidro é 35,7% mais caro que o da gasolina pura?.
O ICMS que não é um produto acabado dos governadores no valor de R$1,72 é 73,8% do valor da gasolina recebido pela Petrobras e 49,1% do valor somado dos combustíveis (R$2,33+R$1,17=R$3,50). Importante lembrar que o Imposto Federal é fixo por litro, portanto independe dos aumentos.
Portanto, há 2 grandes vilões antes da Petrobras nesse alto preço da gasolina comum, os governadores e os usineiros, que precisam ser denunciados pela boa e idônea imprensa, antes que a Petrobras e seus acionistas sejam novamente roubados.
Deixe os usineiros fora disso !! Colocar usineiro no mesmo patamar de governador é uma covardia sem precedentes ! Os Usineiros ajudam e muito a tocar esse país, extraindo da cana de açúcar todo o potencial que ela tem e geram uma grande parte do nosso Pib . O uso do etanol na gasolina é uma política de estado e ajuda muito na preservação da qualidade do ar atmosférico !! Milhões de empregos sao criados em toda a cadeia sucroalcooleira . O Usineiro faz a parte dele e pode também vender o etanol para o mercado externo ao invés de fornecer para a mistura na nossa gasolina !! O que ele não pode é vender abaixo do custo de produção . Temos que dar valor na nossa matriz energética, uma das mais diversificadas do planeta !!
Pra saber da beleza do Estado grande, basta olhar as ruínas em que fora transformado o leste europeu. Outro exemplo clássico são os bancos estaduais. Temos que desaparelhar as instituições
Boa Tarde!
Verdade…as nossas incertezas nos assustam pois está dificil de ver o trem vindo com a luz acesa….ele está por vir, mas esse vem com a luz apagada, quem tiver bom ouvido foge do tunel, outros não terão tanta sorte…ou experiência
A legislação que estabelece como será o preço da gasolina é a mais pura arte da proteção de monopólios oligopólios e semelhantes.
Já imaginou a batatinha de todo o dia ter ser preço reajustado pela variação do preço do dólar?
Isso só para começar. Dá uma olhada no protecionismo que chamaram de “defesa dos acionistas”.
Nosso mundo jurídico é distópico e perigosíssimo
Em cada órgão público um batalhão de advogados pagos com o nosso dinheiro para defender… os direitos dos funcionários públicos e um sistema tributário que ultrapassa limites estabelecidos na CF e nas leis para cobrar acima do devido e que chama isso de luta contra a sonegação fiscal.
Sabe Pasadena? Nunca vão julgar as ilegalidades lavradas no papel pois a FGV/RJ tem montões de “advogados” que constroem contratos similares que nunca verão a luz do sol, nem mesmo dentro dos cursos sobre “direito econômico”.
O buraco é bem fundo..
Excelente!!!
Parabéns pelo artigo! Concordo plenamente, só ressalto que antes mesmo da privatização é necessário o término do monopólio da distribuição e do refino, uma vez que o da exploração já foi atenuado.
Sim.
É necessário derrubar o monopólio ao efetuar a privatização.
Sem dúvida, esse é o caminho!
Felicitações a Constantino pela lucidez.