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Edição 89

“Não vamos apostar que a Ômicron vai detonar no Brasil”

Para José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, o surto de casos no início do ano e o avanço da vacinação no país podem servir de escudo à nova variante

Paula Leal
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Desde que a variante Ômicron foi descoberta na África do Sul, não se fala em outra coisa. De cara, a nova cepa foi classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “variante de preocupação” e de “risco muito elevado” para o planeta, em razão do potencial de ser mais transmissível que as anteriores. O alerta sanitário paralisou o mercado financeiro, as bolsas caíram em todo o mundo, o espaço aéreo foi fechado em vários países e medidas restritivas foram restabelecidas por precaução. 

O anúncio da descoberta da variante foi feito na última quinta-feira, 25, por cientistas e pelo governo sul-africano. Até o momento, pouco se sabe dos seus efeitos sobre o contágio, qual o impacto sobre as reinfecções ou a eficácia das vacinas. A médica Angelique Coetzee, presidente da Associação Médica da África do Sul, foi a primeira a identificar a cepa e disse que, por enquanto, a Ômicron tem causado apenas “sintomas leves” e grande parte dos pacientes atendidos está se recuperando bem e não precisou de internação. 

A Revista Oeste conversou com José Eduardo Levi, virologista e coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa, uma das maiores redes de saúde integrada do Brasil, para entender quais são as preocupações em relação à nova variante e como a descoberta pode impactar os rumos da pandemia no mundo e, claro, no Brasil. “Prefiro ser otimista”, disse. “Em vez de apostar no pior, temos de ter calma. Estamos em um momento de muita incerteza. Não vamos apostar que a Ômicron vai detonar, porque com a Delta não foi assim.” 

A seguir, os principais trechos da entrevista. 

Por que a Organização Mundial de Saúde fez o alerta para tornar a Ômicron uma “variante de preocupação”?

Essa variante foi a primeira que recebeu status de preocupação quase que de forma imediata pela OMS. São vários critérios para incluir a variante nessa categoria. Um deles é o número de mutações. Outro fator é a variante se mostrar rapidamente predominante em uma região geográfica, como aconteceu na África do Sul. Um vírus pode apresentar 200 mutações, mas, se só for encontrado em uma pessoa, não será uma variante de preocupação.

Mutações tornam os vírus mais resistentes e letais?  

A ocorrência de uma mutação viral não quer dizer nada. A maioria das mutações é neutra, não melhora nem piora a vida do vírus. É um fenômeno absolutamente normal da replicação viral. Mas existem alguns tipos de mutações que interferem na biologia viral e que podem impactar na transmissão ou infecção e escapar à resposta imune. 

As mutações encontradas na Ômicron são preocupantes ?

A Ômicron apresenta 32 mutações na proteína spike, que reveste o coronavírus. Ela é associada à capacidade de entrada do vírus nas células humanas e é um dos principais alvos dos anticorpos. Das 32 mutações encontradas na nova cepa, 12 já foram vistas em outras variantes e 20 são inéditas, só a Ômicron apresenta. Ainda faltam estudos mais concretos, mas há fortes indícios de que algumas são ruins, ou seja, são mutações que aprimoram o escape à resposta imune. 

Em 15 dias, as notificações de covid-19 saltaram de 566 para 8.561 por dia na África do Sul. É possível afirmar que a Ômicron é mais transmissível que outras variantes?

É certamente bem transmissível. Mas precisa ponderar, porque, quando surgem, outras variantes também são explosivas. A própria Beta, que também surgiu na África do Sul, era muito transmissível. A Alfa, a Delta, todas eram mais transmissíveis. Em Manaus, com a variante Gamma, os casos foram exponenciais. Quando uma nova variante aparece, ela só consegue se espalhar e se estabelecer se criar mutações que a tornem mais transmissível e mais competente para escapar à resposta imune. E consequentemente elas fazem desaparecer variantes anteriores.  

As vacinas disponíveis hoje são eficazes contra essa nova variante?

Ainda estão sendo feitos estudos para avaliar a eficácia das vacinas contra a nova variante. É o que chamamos de testes de neutralização, realizados em tubos de ensaio. Funciona assim: os cientistas coletam amostras de soros com anticorpos de pessoas que tomaram diferentes tipos de vacina. Em uma cultura celular cultivada em laboratório, os pesquisadores introduzem o coronavírus e o soro do vacinado. Quanto menos a célula for destruída, maior neutralização ocorreu, indicando que a vacina funciona bem contra aquela variante. Até agora, a perda de eficácia medida por esse tipo de teste em todas as variantes que surgiram foi pequena. Esses testes, no entanto, não medem a resposta das células de defesa, os linfócitos T, e sabemos que tanto as vacinas quanto a infecção natural estimulam a imunidade celular. 

Por que a variante Delta, que está causando uma avalanche de casos e mortes na Europa nos últimos meses, se comportou de forma diferente no Brasil?

Se olharmos a trajetória da variante Delta no Brasil, foi muito diferente da Europa. E nem dá para atribuir isso à taxa de vacinação. Quando a Delta chegou aqui, nossas taxas de esquema vacinal completo eram inferiores às da Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. Por que nos saímos bem? São algumas as hipóteses. O surto da variante Gamma, que surgiu em Manaus no início do ano, foi muito intenso. É possível que muita gente tenha contraído a covid-19 sem saber, caso dos assintomáticos ou de quem teve sintomas muito leves, além de casos de subnotificação. Na sequência, chegou a vacina. É como se o brasileiro tivesse formado três barreiras de proteção, a infecção natural e mais duas doses de vacina. É possível que isso tenha bloqueado a ação da Delta no Brasil. Além disso, o uso da CoronaVac, que não foi aplicada na maioria dos países da Europa nem nos Estados Unidos, também é uma hipótese. O Brasil foi um dos países que mais usaram essa vacina e a trajetória se repete em outros da região, como Argentina, Peru e Chile. Todos eles apresentaram uma trajetória descendente com a variante Delta. A CoronaVac é uma das únicas fabricadas a partir do vírus inativado, ou seja, ela tem todos os elementos virais. As outras vacinas só têm a proteína S do coronavírus, aliás, essas vacinas carregam a ‘receita’ para que o organismo da pessoa vacinada fabrique a proteína S.

“No mundo pré-vacina, a covid-19 apresentava uma taxa de letalidade de 2% a 3%. Hoje, na população vacinada, é quase zero”

A Ômicron pode causar um surto de contaminações no Brasil?

O Brasil tem uma vantagem. Neste momento, além da queda no número de casos, nossa taxa de vacinação continua aumentando, enquanto em outros países ela estagnou. Nosso teto de antivacina deve chegar a 5% da população e é provável que cheguemos a 95% de vacinados até o final do ano. Mesmo que já tenham alguns casos da Ômicron no país, ela vai chegar em um cenário diferente do que encontrou na África do Sul, por exemplo, que registra uma taxa de 24% da população adulta completamente vacinada. É muito baixa. Prefiro ser otimista. Em vez de apostar no pior, temos de ter calma. Estamos em um momento de muita incerteza. Não vamos apostar que a Ômicron vai detonar, porque com a Delta não foi assim. 

Há risco de reinfecções com a chegada da Ômicron? 

Casos de reinfecção são supercomuns. Em Manaus, com a Gamma, foi estimado que 30% dos casos foram de reinfecção. Só que não tinha vacina. Com a Ômicron também vai ocorrer casos de reinfecção, mas a tendência é que sejam infecções mais leves, com menos mortes. No mundo pré-vacina, a covid-19 apresentava uma taxa de letalidade de 2% a 3%. Hoje, na população vacinada, é quase zero. A vacina funciona para evitar casos graves. Mas o vírus é bravo e pode escapar à resposta vacinal. Não estamos conseguindo evitar infecção em vacinados e isso é ruim, porque o vírus continua em circulação.

Novas variantes do coronavírus continuarão surgindo ?

Muita gente no mundo ainda não se vacinou, essa população continua suscetível. Enquanto o vírus continuar se replicando na população não vacinada, haverá escapes e novas variantes podem surgir. As vacinas disponíveis hoje que usam tecnologias modernas, inéditas, como uso de adenovírus e de RNA mensageiro, têm uma vantagem. Elas são facilmente atualizáveis. Acredito que, no primeiro semestre do ano que vem, o mundo já terá disponíveis vacinas de segunda geração. E elas precisam ser polivalentes, capazes de proteger contra as principais variantes em circulação. A vacina que eu gostaria de ver é uma vacina esterilizante, que proteja contra todos os tipos de coronavírus e que garanta a imunização total contra a covid-19.

Leia também “Mauro Ribeiro: ‘Estão tentando nos calar'”

6 comentários
  1. Antonio Carlos Neves
    Antonio Carlos Neves

    Finalmente um cientista que não sobrevive da mídia, com técnica e sem a vaidade daqueles veteranos secretários de Estados, imunologistas, virologistas e “senadores” que estão palpitando desde o inicio da COVID em 2020, sem ter tratado nenhum paciente.

  2. Robson Oliveira Aires
    Robson Oliveira Aires

    Excelente entrevista. Parabéns. Muito ponderado o entrevistado.

  3. Bruno
    Bruno

    Nem Delta, nem Ômicron tem vez aqui no Brasil, aqui temos os políticos que infectam todo o sistema com sua corrupção, ferrando toda população.

  4. Renato Alves da Cunha
    Renato Alves da Cunha

    Excelente entrevista!
    Quando não entra político “sabe tudo ” fica mais claro o entendimento.

  5. Fabio Oliveira De Alencar
    Fabio Oliveira De Alencar

    O que esperar de um representante do bigfarma??? Dificuldades (doenças) para vender facilidades (drogas).

  6. Ricardo
    Ricardo

    show de mentiras. óbitos de vacinado são maioria já e não são zero. são centenas por dia e milhares no mundo. variantes não derivam de não vacinados mas justamente de vacinados com vacinas merdas. reinfeccção são insignifgicantes. não são 30%

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