Algumas organizações não governamentais foram criadas para ajudar o cidadão carioca a não deparar com tiroteios a caminho do trabalho ou de casa. Mas algumas dessas ONGs que emitem alertas de tiros pelo celular passaram a fazer estatísticas. E ao menos uma delas começou a retratar níveis de violência mais elevados que os registros oficiais — e a adotar bandeiras políticas.
Em linhas gerais, essas organizações usam redes sociais, aplicativos e informantes para receber relatos de usuários sobre tiroteios. Geram então mapas e alertas para avisar os cidadãos sobre quais caminhos evitar para não se expor a uma bala perdida ou a uma emboscada.
Esses alertas de tiroteio vão sendo arquivados e se transformam em estatística. E muitas vezes são reproduzidos pela imprensa como indicadores para mostrar que o Rio de Janeiro está mais ou menos violento.
Esses dados não podem ser comparados de forma direta com os registros de ocorrência oficiais. Isso porque o evento “tiroteio” não é adotado por nenhum órgão de segurança como dado de estatística criminal.
Os registros oficiais de crimes violentos mostram uma tendência forte de queda. Mas os dados de tiroteios coletados por uma ONG, financiada por fundos internacionais e amplamente divulgada na imprensa, registram quedas mais brandas — ou até aumento da violência, em alguns cenários.
A ONG Fogo Cruzado registrou uma queda de 15% nos tiroteios entre 2017 e 2020, numa área que abrange principalmente a região metropolitana do Rio. No mesmo período, o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão estatal, apontou, em seu indicador estratégico de crimes de letalidade violenta (homicídios, roubos seguidos de morte, entre outros), uma queda bem mais acentuada, de 33% dos casos na região metropolitana.
Mas como a ONG usa critérios geográficos diferentes daqueles do Estado para medir os tiroteios, a comparação não é totalmente precisa. Por causa disso, Oeste também analisou um documento enviado pela Fogo Cruzado, chamado “Estudo Batalhões”. Ele documenta os tiroteios levando em conta a mesma divisão geográfica usada pelo ISP.
Microfones nos postes
O estudo é centrado nas áreas mais violentas do Rio e se refere aos primeiros semestres dos anos entre 2017 e 2021. Foi possível observar um aumento de 18% nos tiroteios conferidos pela Fogo Cruzado no período. Já pelos registros do ISP, houve uma redução de 31% dos crimes envolvendo violência letal na mesma área e no mesmo período.
Tanto as estimativas das ONGs como os registros oficiais pautam os órgãos de imprensa
As ONGs que registram tiroteios justificam as tendências de alta em seus números em relação aos registros oficiais devido a uma suposta subnotificação de crimes. Seus críticos, contudo, dizem que elas utilizam metodologias que dariam margem a erros e estimativas superestimadas, por depender de critérios subjetivos de registro.
Já os registros do ISP se baseiam em dados oficiais da polícia. Como o indicador escolhido se refere a mortes, a tendência de subnotificação é baixa. As mortes têm de ser registradas pelo Instituto Médico Legal ou por órgãos similares, para que enterros sejam realizados e providências jurídicas sejam tomadas.
Tanto as estimativas das ONGs como os registros oficiais pautam os órgãos de imprensa e os debates sobre políticas de segurança pública. Por isso, vamos mostrar, a seguir, as metodologias, as estatísticas e as fontes de financiamento apresentadas por essas entidades.
O começo de tudo
A ideia de registrar tiroteios no Rio de Janeiro começou em 2011, quando a Secretaria de Segurança Pública anunciou a adoção, em fase de testes, da tecnologia ShotSpoter — usada em mais de cem cidades dos Estados Unidos. A iniciativa fazia parte do pacote que visava a tornar o Rio mais seguro para o Mundial da Fifa de 2014.
Foram instalados microfones em postes na zona norte da cidade. Eles captavam o som ambiente, e um sistema de inteligência artificial diferenciava disparos de armas de fogo de sons de fogos de artifício ou estouros de escapamentos de carros e motos, entre outros.
O computador, então, traçava o ponto de origem e a direção do disparo e submetia os dados à avaliação de um operador humano. A informação podia determinar que uma guarnição da Polícia Militar fosse enviada ao local.
Porém, o sistema era caro, e seu uso não durou por muito tempo no Rio. Avaliações independentes feitas nos Estados Unidos mostraram que, em apenas 6% dos chamados, os policiais encontravam alguma evidência no local de que um tiro realmente havia sido disparado.
Bala perdida
Mesmo hoje, apesar de a tecnologia ser usada em muitas cidades americanas, ainda é considerada controversa. A partir de 2016, um grupo de jovens empreendedores criou um serviço similar de detecção e mapeamento de tiros. Era bem diferente do sistema da empresa americana, em tecnologia e finalidade.
O Onde Tem Tiroteio (OTT) surgiu de uma página no Facebook em que um grupo de quatro sócios publicava, em tempo real, onde estavam acontecendo tiroteios. O objetivo não era avisar a polícia, mas tentar evitar que os cidadãos fossem atingidos por balas perdidas.
A página depois se espalhou por outras redes sociais e virou um aplicativo de celular. Nesse período, tornou-se mais colaborativo. “O cidadão informa onde está tendo violência colocando o fato na rede e alerta outros cidadãos”, disse Benito Quintanilha, um dos criadores do app.
O grupo coleta dados estatísticos, mas só os divulga a partir de pedidos das polícias ou órgãos de imprensa. Oeste pediu os dados coletados por eles nos anos de 2020 e 2021e os analisou. Os dados do OTT seguem a tendência de queda da violência registrada pelas estatísticas oficiais, mostrando até uma queda mais acentuada (veja gráfico).
Atualmente, o aplicativo funciona no Brasil inteiro, segundo seus idealizadores. Ele tem um sistema de proximidade que emite alertas pelo celular quando o usuário se aproxima de uma região onde foi reportado um tiroteio.
O aplicativo OTT é mantido por iniciativa e recursos pessoais apenas dos quatro sócios. A única fonte de renda externa são anúncios comercializados no aplicativo, mas que não pagam a operação. “O que motiva a gente é o fato de ajudar o próximo e mitigar o efeito da violência, que é a bala perdida, principalmente no Rio”, afirmou Benito.
Dinheiro farto
A popularidade do OTT gerou o surgimento de aplicativos similares. A Anistia Internacional decidiu criar o app Fogo Cruzado, mencionado no início da reportagem. O FG, em seguida, foi desvinculado da Anistia, transformou-se em ONG e atraiu recursos de fundos internacionais, como da Open Society Foundation, do bilionário de centro-esquerda George Soros.
Essa fundação foi criada no fim da década de 1970, com ideais cosmopolitas de ter uma sociedade global. No início, investiu recursos na abertura de países dominados pelo comunismo na Europa Central, como Hungria, Polônia e Tchecoslováquia.
Atualmente, a organização financia projetos em diversos países. Seus críticos dizem que a Open Society Foundation pretenderia, na verdade, enfraquecer governos nacionais. Soros defende organismos internacionais e entende que o capitalismo global não regulado impossibilitaria a construção de uma sociedade global verdadeira. Leia a reportagem completa na edição 94 da Revista Oeste.
Outro financiador da ONG Fogo Cruzado é a Ford Foundation, que também investe em projetos sociais. Entre os objetivos dessa organização, está promover a cooperação internacional e lutar contra a pobreza e a injustiça. Seus críticos dizem que ela estaria voltada para o financiamento de projetos alinhados com ideais de esquerda.
A ONG também é financiada pela organização política alemã Fundação Heinrich Boll, que se originou na política verde dos anos de 1970. Ela é focada em ecologia, sustentabilidade, democracia e direitos humanos, entre outras áreas. E é contrária à política agrária do governo Jair Bolsonaro, segundo artigos em seu site.
Segundo Maria Isabel Couto, da ONG Fogo Cruzado, o financiamento internacional possibilita que o grupo opere no Rio e em Pernambuco com um valor anual de cerca de ao menos R$ 800 mil, que tende a crescer.
“Para essas organizações, é importante o papel de monitoramento do poder público que a Fogo Cruzado faz, de promoção de políticas públicas baseadas em evidências, de promoção do jornalismo de dados, tendo a preservação da vida como eixo fundamental de todas essas vias de atuação”, argumenta Maria Isabel.
A rede de informantes
A Fogo Cruzado disponibiliza seus dados estatísticos publicamente e não tem controle sobre quem os utiliza nem como são interpretados.
Contudo, divulga análises periódicas e concede entrevistas à imprensa em que defende oficialmente bandeiras políticas. Entre elas estão o desarmamento da população e a luta contra o que chamam de “militarização” da segurança pública.
Uma das principais campanhas feitas pela ONG foi contra a intervenção federal na segurança pública do Rio, em 2018. A organização apontou um aumento de 97% no número de tiroteios na região metropolitana naquele ano. Mas os dados oficiais de letalidade violenta apontaram uma queda de 0,5% no período.
Em dez meses, a intervenção federal reestruturou toda a polícia do Rio e investiu quase R$ 1,2 bilhão em treinamento, equipamentos e operações. A ação reverteu uma tendência de aumento na criminalidade no Estado e os índices de violência continuam a cair até hoje.
Tanto o app Fogo Cruzado como o OTT usam uma metodologia similar. Eles contam com denúncias de usuários, que enviam informações sobre locais e horários em que ouviram tiros.
Para tentar evitar que o mesmo tiroteio seja reportado diversas vezes, dizem contar com uma rede de informantes confiáveis, que moram nas favelas e confirmam ou descartam as informações dos usuários anônimos.
O OTT diz possuir um sistema de inteligência artificial para filtrar ocorrências falsas das verdadeiras. O Fogo Cruzado diz que seus analistas avaliam a qualidade de cada informação antes de plotar um novo tiroteio no mapa do aplicativo.
No fim, os dois aplicativos confiam na capacidade dos cidadãos para reconhecer o barulho de tiros e saber se eles estão acontecendo próximo ou distante de onde estão. O Fogo Cruzado disse que, por morarem em favelas e estarem expostas à violência, as pessoas seriam capazes de diferenciar o barulho de tiros e saber a que distância estão ocorrendo.
O teste do Bope
O antropólogo e ex-capitão do Bope do Rio Paulo Storani disse que há uma chance muito grande de o mesmo tiroteio ser contado diversas vezes. “Parece que está havendo uma troca de tiros na cidade inteira, porque as pessoas vão replicando a informação”, disse.
Policiais que pediram para não ter o nome revelado afirmaram que fizeram uma série de experiências com os aplicativos em meados de 2018. Eles teriam ido a favelas e feito disparos para o alto com munição de festim. Em seguida, teriam constatado várias indicações de diferentes tiroteios em áreas próximas nos mapas dos aplicativos.
Esses policiais também afirmaram se preocupar com a possibilidade de que os aplicativos sejam usados pelo crime organizado para tentar enganar a polícia. Os criminosos fariam disparos em uma região da cidade para atrair a atenção da polícia, enquanto atacariam em outra parte.
Segundo Maria Isabel, da ONG Fogo Cruzado, o aplicativo não faz distinção entre disparos em conflito e tiros para o alto, por entender que qualquer tipo de tiroteio causa inquietação e dano emocional às pessoas. Storani discorda: “Para o número de tiros que eles alegam que acontecem, para o número de pessoas que são mortas por armas de fogo, inclusive balas perdidas, é Deus que está protegendo a gente”. Essas ONGs jamais olham essa realidade pelos olhos dos policiais.
Matéria atualizada em 18/01/2022. Diferente do que foi publicado anteriormente, a entrevista da ONG Fogo Cruzado foi concedida por Maria Isabel Couto.
Leia também “Pobre São Paulo”
Já passou da hora do Brasil acabar com todas as ONGs que existem aqui. Não servem para nada e ainda, a maioria, é contra o nosso país.
Importante mesmo ter informado que as ONGs recebem ajuda internacional e quem ou qual fundação as apoia.
Uma dúvida: essas ONGs recebem dinheiro de George Soros?
Sim