Santa Rita do Sapucaí conta com 153 empresas trabalhando em sinergia, que empregam 15 mil pessoas formadas na própria região
Você sabe o que a urna eletrônica e a tornozeleira eletrônica têm em comum? Ambos os equipamentos foram produzidos pela primeira vez no Brasil em Santa Rita do Sapucaí, pequeno município do sul de Minas Gerais que fica a 420 quilômetros de Belo Horizonte e 220 de São Paulo. Não é à toa que a cidade é conhecida como Vale da Eletrônica. Mas como Santa Rita se transformou em um polo de tecnologia e inovação no país?
Educação
Ainda em 1958, a cidade foi berço da primeira escola técnica de eletrônica do Brasil e da América, a ETE Francisco Moreira da Costa, fundada por Luzia Rennó Moreira, a Sinhá Moreira. A decisão da visionária, nascida em Santa Rita do Sapucaí em 1907, acabou por moldar o futuro do município mineiro.
“Ela viajou o mundo, conheceu o mundo. E, nessa cultura mundial, conheceu alguns lugares em que vislumbrou, teve o insight de que a eletrônica seria realmente o futuro que iria mover o mundo”, lembra o diretor da escola, Alexandre Loures Barbosa. “Mas ela decidiu mesmo montar uma escola porque queria que os filhos que aqui nascessem ficassem na cidade. Porque, depois de certa idade, os alunos não tinham o que estudar.”
A partir dali, nasceram outros projetos, como o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em 1965, e o Centro de Ensino Superior em Gestão, Tecnologia e Educação (FAI), de 1971, todos com um ponto em comum: ensinar inovação.
“Não havia uma escola de engenharia para o setor. O país precisava importar mão de obra, e o Inatel nasceu oferecendo cem vagas”, lembra o pró-diretor administrativo da instituição, Marcelo de Oliveira Marques.
Com a chegada do Senai, em 2002, Santa Rita do Sapucaí passou a contar com 45 cursos voltados para a área, sendo 11 técnicos, 10 de graduação, 22 de pós-graduação, um de mestrado e um de doutorado.
Com isso, tornou-se a terceira maior concentração de empregos do setor eletrônico no Brasil e fornece 29% de toda a mão de obra da indústria eletrônica de Minas Gerais.
Empreendedorismo
No entanto, de nada adiantaria ter uma população tão bem formada se o mercado não conseguisse absorver todo o contingente de profissionais.
Em 2005, foi criado o Arranjo Produtivo Local de Eletroeletrônica (APL), uma reunião de empresas que se articulam, interagem e cooperam entre si, empregando os alunos das escolas e universidades locais, com a melhoria da produtividade e da competividade do município.
“Aqui existe uma sinergia entre empresas, trabalhadores, universidade e governo”, explica o presidente do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindvel), Roberto de Souza Pinto. “Grande parte das indústrias são complementares umas das outras.”
Atualmente, 153 empresas trabalham em sinergia, uma fornecendo para a outra. Quase 15 mil pessoas estão empregadas pelo arranjo que já fabrica mais de 14,5 mil produtos. Os principais setores, além da eletroeletrônica, são os de telecomunicações, segurança e radiodifusão, entre muitos outros.
Todas as empresas recebem incentivos municipais e estaduais para permanecer na cidade, que faz questão de estimular o empreendedorismo entre a população.
“Temos quatro incubadoras funcionando aqui”, conta Pinto. “A incubadora profissionaliza o empreendedor e dá acesso a mercado, a fomento e já usufrui rapidamente do APL.”
Anualmente, o município mineiro realiza uma maratona focada no desenvolvimento de soluções e inovações que possam impactar as empresas locais, e os empreendedores da região já trabalham no desenvolvimento de equipamentos 5G e até mesmo 6G.
“Em Santa Rita, se você trouxer o investimento e o mercado, em 90 dias conseguiremos fornecer as condições de colocar o produto à venda”, garante o presidente do Sindvel. “Já estamos trabalhando na indústria 4.0, na era da automação.”
Retorno lento devido à pandemia
Infelizmente, depois de um 2019 em que a cidade teve um PIB per capita (por pessoa) de R$ 31 mil — a média brasileira é de R$ 22 mil — e com as indústrias do APL faturando R$ 3 bilhões, este ano tende a ser bem diferente devido à pandemia de coronavírus.
Se por um lado o dólar torna a matéria-prima mais cara para as indústrias, as exportações, a principal fonte de escoamento do que é produzido, pararam e o retorno veio lentamente.
“O APL está vivo e está sendo retomado”, conclui Roberto de Souza Pinto. “Mas o jeito de viver com a covid-19 também encareceu o processo. Ainda assim, devagar, tudo vai voltar ao lugar.”
Ainda que o faturamento de R$ 3 bilhões esteja longe do que se obtém no Vale do Silício norte-americano, o APL de Santa Rita do Sapucaí é um dos mais sofisticados do mundo e motivo suficiente para que a cidade e — por que não? — os brasileiros torçam por uma rápida recuperação dos negócios locais.