A obra de Gilberto Freyre avô nunca esteve tão viva e atual, conforme relata seu neto, Gilberto Freyre Neto. Em entrevista a Oeste, o ex-secretário de Cultura de Pernambuco relembra as principais obras do sociólogo recifense que causaram impacto na sociologia do país, especialmente por conta da busca de Freyre para, de alguma forma, explicar as características ímpares da nação brasileira e da nossa sociedade.
1 — Por que alguém deveria ler Gilberto Freyre?
Gilberto Freyre é o autor que produziu mais de oitenta livros sobre temáticas importantes e que hoje, certamente, são pontos de contato entre passado, presente e futuro, fundamentais para entender, interpretar e construir o conhecimento daquilo que é a complexidade de um país como o Brasil. Então, o Gilberto passa a ser, fundamentalmente, um dos autores brasileiros que precisa ser lido e entendido, compreendido em sua plenitude, para interpretar o que é ser Brasil e o que é ser brasileiro.
2 — Qual o pensamento de Gilberto Freyre que você considera o principal ou um dos principais e por quê?
Gilberto não escreve textos para explicar o Brasil, ele escreve textos para provocar a autorreflexão no brasileiro sobre o que é ser brasileiro, um país com uma diversidade enorme de representações culturais. Freyre constrói uma tese, que é a do equilíbrio de antagonismos. E esse equilíbrio de antagonismos ele é, para mim, o olhar mais interessante para justificar porque numa terra com tantos problemas como o Brasil, com tanta diferença entre classes sociais, culturas, diferenças regionais e disparidade econômica, a gente tem um povo equilibrado em certa proporção, e que faz com que esse país tenha se mantido o único territorialmente sem divisões dentro de uma dinâmica econômica ainda pujante. Mesmo diante de todos os problemas e limitações de todos os campos, inclusive as educacionais, que nunca foram uma referência maior, mais ampla, mais profunda de integração. Eu acredito que essa teoria do equilíbrio de antagonismos tenha sido sem dúvida a melhor ferramenta de estudo, de análise sobre o que é ser brasileiro, criado por Gilberto Freyre.
3 — Dentre os livros de Gilberto, qual título você destaca como o melhor?
Considero talvez o mais bem escrito em termos não apenas de formato, compreensível pela complexidade do tema que a gente trata, tenha sido Sobrados e Mucambos, que é o livro vasto, denso, talvez mais denso do que o próprio Casa Grande & Senzala em termos de ciclo e que representou a maturidade de um autor jovem que controlava melhor o seu pensamento. Ele controlava melhor a sua escrita, tendo em vista que já tinha passado pelo aprendizado de Casagrande & Senzala como autor. Sobrados e Mucambos ele vem a posteriori para compor uma tríade junto com Ordem e Progresso. Esses três livros, Casagrande & Senzala; Sobrados e Mucambos e Ordem e Progresso criam um link entre o signo do descobrimento do Brasil e o início da ocupação do território dos portugueses, com a chegada e o encontro dos portugueses com os índios brasileiros, na sequência do desenvolvimento econômico da cultura da cana-de-açúcar, comandando o desenvolvimento territorial, a chegada do africanos ao Brasil, a contribuição africana na cultura brasileira e na sequência, a urbanização, o desenvolvimento político de uma nação integrada, com a liderança de um imperador. Então, esses três livros, são a coluna cervical da obra Gilbertiana.
4 — Freyre destacava a mestiçagem do Brasil como um contraste com as ideias de pureza racial que ganharam notoriedade entre as décadas 1930 e 1940. Como você entende a contribuição do seu avô nesse aspecto para a nossa sociedade?
Gilberto acima de tudo é pouco lido e quase nunca entendido sobre aquilo que ele escreveu valorizando a mestiçagem. Ele coloca em Casa Grande & Senzala dois capítulos para a cultura africana que vem escravizada ao Brasil. Ele coloca isso como uma das coisas mais importantes que ocorreram durante esse ciclo de desenvolvimento e apogeu dessa chamada civilização do açúcar. Volto a dizer, por ser uma civilização das mais importantes do mundo comparada em todos os aspectos com grandes civilizações europeias, asiáticas, latino-americanas, nas africanas, na mesma escala. Temos uma riqueza aqui e gigantesca no campo material, no campo imaterial, nos saberes, nos sabores, na religiosidade, na fé, na forma de vestir, na forma de trabalhar, na forma de festejar e tudo isso tem a ver com a nossa miscigenação, com a riqueza que é o povo brasileiro miscigenado. Nós conseguimos dentro de um território gigantesco do tamanho de um continente, sempre transitando entre os dez maiores países na economia, ser simultaneamente uno e plural.
5 — Como você acredita que Gilberto Freyre veria a sociedade atual no contexto da forte polarização, especialmente no âmbito da política?
Gilberto estaria bastante preocupado com a polarização e eu justifico esse olhar da preocupação dele exatamente porque entendi que a polarização era algo do Brasil que ele não via com alguma frequência. Nosso país sempre foi multipolar e não bipolar. Uma polarização é algo mais complicado de se equilibrar. Quando há outras forças envolvidas em todos os campos político, social e econômico, você tem uma facilidade de lidar com o que é mais radical daquilo que é mais centrado em equilíbrio, austero, verdadeiro, puro. Então acho que seria para ele um olhar, um exercício novo de análise sobre o Brasil.
Gilberto Freyre á bem mais do que um historiador. Ele relata em seus livros os detalhes do que no[ós, brasileiros, fomos e somos hoje.
Concordo com Paulo Sérgio que deveria ser leitura obrigatória.
Aprenderíamos mais história do que nos é ensinado hoje.
Penso que o Brasil sempre foi polarizado.A multipolarização nunca passou de um bipolarismo reprimido.
Casa Grande & Senzala deveria ser leitura obrigatória no ensino médio, sobretudo para os professores, pela riqueza de informações do período colonial e sua influência em muitos hábitos que adotamos hoje e nem sabemos por quê.