Rose Rocha*
Uma mentira repetida mil vezes deveria ser uma mentira repetida mil vezes e só, já que para o jornalismo real palavras não mudam os fatos. Entretanto, não é o que se vê quando se trata de liberdade e democracia no Brasil. Vivemos tempos sombrios nunca vistos desde a redemocratização.
Está tudo bem no “Brasil democrático” de Barroso, Fachin e Alexandre de Moraes. Opinião se tornou crime. Políticos podem ser presos por exercerem a profissão de cobrar e criticar os Poderes da República. Plataformas digitais agem como editoras de conteúdo, mas sem o ônus de sanções dos veículos de comunicação. O comprovante do voto só está liberado para os outros países. O Supremo Tribunal Federal legisla. O Congresso se acovarda debaixo da saia dos togados. A liberdade de expressão só vale para a esquerda. E, nesse balaio de contravenções explícitas contra o povo, a Constituição vê morrer aos poucos os princípios de liberdade garantidos ao cidadão.
Diante da censura e sob a ameaça de ir para a prisão, a sociedade é calada covardemente. Passa a valer apenas a versão do novo rei e de sua Suprema Corte — opinião é crime. Tal absurdo é avalizado pela imprensa abstêmia do dinheiro público, que vende a verdade em troca de oposição ao governo. Enquanto muitos se calam, jornalistas independentes seguem no front a fim de que a população saiba a verdade para evitar que o país submerja no pântano de informações distorcidas. Porém, a censura já bate à porta da democracia. O jornalista investigativo e escritor Leonardo Coutinho, autor do livro Hugo Chávez — O Espectro, é mais uma vítima do cerceamento imposto pelas plataformas em período eleitoral. Nenhuma nota sobre o assunto fora publicada pela imprensa.
Para mim já deu. O @Twitter é o editor. Lembrem-se, o editor de todos. Não estou mais a fim de seguir em frente assim. Obrigado e sorte para todos que gastaram seu tempo lendo o que foi postado aqui nos últimos anos. Cuidem-se. https://t.co/FPD0CIkEl5 pic.twitter.com/Pm5WewEm5p
— Leonardo Coutinho (@lcoutinho) July 21, 2022
O pesadelo cria forma, e o Freddy Krueger quer sair da casinha. O PL 2630, ou PL das Fake News, ainda ronda a vida dos brasileiros. Aprovado às pressas pelo Senado em 2020, no período da pandemia, como forma de coibir a opinião contrária, aguarda apenas o descuido da sociedade para passar pela Câmara dos Deputados. O PL adotou um viés excessivamente punitivista e pretende criminalizar quem promover “desinformação” com a criação de um Conselho de Estado para decidir o que é verdade e o que é mentira. Mas o que é desinformação, senão a falta de informação?
Toda violência é condenável, mas a polarização faz parte da democracia, principalmente quando há planos de governos tão distintos. Certamente, não há polarização na China, Coreia do Norte e Venezuela. No ano passado, em Wuhan, a jornalista Zhang Zhan foi condenada a quatro anos de prisão por cobrir a crise da covid-19. A Venezuela já teve seis canais de televisão fechados no governo de Hugo Chávez. Em 2020, sob o comando de Maduro, 17 sites e 18 estações de rádio foram forçados a parar. Ainda recentemente, o Canal VP ITV, com sede em Miami, teve de anunciar uma paralisação temporária de suas atividades no território venezuelano. Esses são os modelos de democracias defendidos pela esquerda. Por aqui, os ventos da ditadura decidiram soprar ainda mais forte. O TSE notificou a Jovem Pan com a acusação de fake news contra Lula e por noticiar ações positivas do governo Bolsonaro, sob a pena de deixar o canal 24 horas fora do ar. O cancelamento dos fatos já começou.
Filme de terror
Tudo isso é muito grave. Logo, os brasileiros não terão mais acesso às informações reais dos acontecimentos e viverão como os cidadãos de Cuba, que parecem ter saído de um filme de terror, em que ficaram presos no tempo, num lugar isolado do mundo.
Manter as convicções em meio a pós-verdades e ataques às liberdades não é tarefa fácil. Jornalismo é coisa séria. Não é lacração ou xingamento. É preciso saber. Pesquisar. Checar antes de propagar a informação. Jornalismo é para jornalistas. E somos hoje, talvez, a última fronteira da liberdade. Se cairmos, seus filhos não saberão o que é liberdade. Enquanto muitos trabalham para realizar sonhos, nosso maior anseio se tornou a busca por um país livre. Somos chamados de xiitas e blogueiros. Um pseudorreducionismo aos demasiados anos de redação. Nossa voz é censurada nas plataformas e sufocada por aqueles que manipulam a democracia vilipendiando a Carta Magna. Assistimos atordoados às prisões de políticos e colegas de profissão, além da perseguição a padres e empresários que giram a roda da economia no Brasil. Defendemos um Estado enxuto e a economia livre. Contestamos de frente a Justiça que aplica a injustiça, políticos embusteiros e a imprensa amestrada que alimenta o ativismo judiciário.
O direito de se expressar, garantido no Artigo 5º da Constituição e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, não foi elaborado para ser privilégio de poucos. A liberdade de informação e o pluralismo de opinião são os pilares da democracia. Ao atacar o jornalismo independente, definha-se o cerne de uma nação livre e se condena uma sociedade à escuridão. Informação é luz, poder e liberdade de um povo.
Relacionadas
*Rose Rocha é jornalista