Zeitenwende, mudança de época, é a palavra do ano na Alemanha. Quem fez a escolha foi a Sociedade da Língua Alemã. Como é frequente no alemão, a palavra reúne étimos de dois vocábulos num só: Zeit, tempo, e wende, virar.
Olaf Scholz, sucessor de Ângela Merkel, usou Zeitenwenden para designar o que vem sendo para os alemães e para o mundo a invasão da Ucrânia pela Rússia: uma reviravolta, a irrupção de uma nova era. Mas o que isso tem a ver com o Natal?
Tem muito a ver, pois se não muda o Natal, mudamos nós, muda o mundo, como no célebre soneto de Machado de Assis dando conta de que um homem não consegue “transportar ao verso doce e ameno” “as sensações da sua idade antiga” para celebrar a “noite cristã, berço do Nazareno”. E conclui com melancolia, sentimento de tristeza sempre presente na obra machadiana: “Só lhe saiu este pequeno verso: ‘Mudaria o Natal ou mudei eu’?”.
Machado de Assis escreveu estes versos em 1901, ano em que o Brasil engatinhava no assoalho de um novo tempo: por ato da princesa Isabel, a Lei Áurea, assim chamada por ter sido assinada com uma caneta de ouro, a monarquia decretara a Abolição em 1888; e no ano seguinte viria outra mudança de peso semelhante, igualmente por decreto: por ato do marechal Deodoro da Fonseca, tinha sido proclamada a República.
A festa de Natal, desde o século IV, quando foi instituída, até hoje, atesta o modo de contar o tempo, dividido entre o que aconteceu antes e depois do marco que foi o nascimento de Jesus. Mas, como admite até mesmo o papa emérito Bento XVI, no livro A infância de Jesus, do ponto vista histórico o Menino nasceu entre os anos 4 e 8 a.C., no reinado de César Augusto, o primeiro imperador romano. Afinal, Herodes, o Grande, infanticida e assassino da própria família, que governara a Judeia como representante de Roma, morrera no ano 4 a.C.
Que lição extraordinária de política e de educação pela cultura nos dá a festa de Natal! Na sequência dos séculos do novo tempo, teremos pinturas, representações, textos e músicas referenciais, como o “Adeste Fideles, composto pelo rei português Dom João IV, e Noite Feliz, dos alemães Joseph Maistre e Franz Gruber, já no século XIX.
Provavelmente, os reis do presépio nunca existiram, mas Marco Polo, que viveu entre os séculos XIII e XIV, escreveu que visitou seus túmulos na Pérsia, atual Irã. Ele não sabia que Frederico Barba Roxa levara os restos mortais dos reis magos para a Catedral de Colônia, na Alemanha, em 1164.
A festa de Natal é a prova mais evidente de que o cristianismo triunfou por uma política de cultura que tem ido muito além da religião, em que o livro, a música e as outras artes cumprem funções estruturantes e inclusivas.
Este colunista deseja Feliz Natal a seus leitores e que todos estejamos prontos para um próspero Ano Novo.
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Deonísio da Silva é professor, escritor, doutor em Letras pela USP e autor também de De onde vêm as palavras (18ª edição, editora Almedina).
Obrigado, mestre, eu não sabia que a belíssima “Adeste Fideles” tinha sido composta por D. João IV. Grato pelo ensinamento. Que todos os seus natais sejam felizes.
Grande mestre, mais uma vez nos brinda com sua cultura e sabedoria.
Realmente o cristianismo triunfou na cultura!
Parabéns sr. Deonísio pelo excelente artigo!!! Retribuímos seus votos de Feliz Natal e um excelente Ano Novo!