Na primeira parte deste artigo, fizemos uma breve introdução sobre os índices e seu emprego na área de meteorologia, especificamente ao que tange a biometeorologia e a medicina ambiental. Nestes, os parâmetros verificados dos elementos do ambiente interferem na vida dos seres humanos, estabelecendo as condições de conforto ou desconforto. Na medicina ambiental, inclui-se as situações de alerta ou emergência, críticas à própria sobrevivência. Também fizemos uma visita interessante aos primórdios desta questão, observando como as condições inerentes ao frio podem ser prejudiciais.
Se por um lado as condições ambientais de frio, aliadas com vento, podem ocasionar o óbito de um ser humano em questão de cinco a dez minutos, o oposto não é verdadeiro. Uma pessoa pode suportar muito mais tempo um calor elevado de um ambiente quente e meio seco do que o seu inverso, especialmente se puder beber água. Por isto que o ressaltamos, na matéria anterior, sobre o alarde que proclamaram. As temperaturas do ar na última onda de calor do verão de 2023-2024 (fim de março) não estiveram exageradas, mas outros parâmetros ambientais meteorológicos é que favoreceram uma situação de desconforto térmico.
Quando fez sua avaliação da perda de calorias para o ambiente, que depois foi convertida em Temperatura Equivalente de Windchill (Tw), Paul Siple usou os parâmetros temperatura do ar e velocidade do vento, incidindo supostamente na pele seca. O fator umidade foi descartado, tanto da sua presença no ar, em forma de vapor, mas também no estado líquido, onde a própria pele (ou vestimentas) se apresentassem molhadas.
Mesmo que o ar frio tenha uma baixa capacidade de manter vapor d’água, ainda assim, o fluxo de umidade sempre passará do maior para o menor. Desta forma, se um vento frio, mesmo próximo da saturação, incidir sobre uma pele ou vestimenta molhada, ele a secará, ainda que demore bastante tempo por causa da sua baixa capacidade. Neste processo, ele não só retira a água líquida sobre a pele, mas também remove quantidade significativa de calorias por mudar a fase física da água, saindo do estado líquido para o de vapor.
Embora fosse bastante difícil realizar uma avaliação para estes casos, sabemos que a sensação térmica seria muito pior, tendo em vista que há uma diferença entre os valores de temperatura do ar marcados com um termômetro com seu bulbo seco, contra um que tenha seu bulbo úmido. Experimentalmente, isto também é sentido, pois um indivíduo molhado, exposto ao vento, entra em um estado de hipotermia mais rápido do que um nas mesmas condições, mas seco.
Como havíamos ressaltado, o experimento de Siple apresentava limitações. Notemos que quando o ar está a 33,0oC, a curva se torna uma reta. Essa temperatura é considerada referência para a pele seca do corpo humano em maior parte de sua superfície (excetuando rosto e mãos que podem ficar bem mais quentes). Assim, não interessava a velocidade do vento, porque, em teoria, não havia troca de calorias. Contudo, quando os valores de temperatura do ar se excediam, a simulação chegava a criar um “aquecimento extra”.
Então seria possível um inverso? As condições ambientais poderiam causar um desconforto térmico, provocando um fluxo de energia de sinal contrário? Evidentemente que sim, mas a resposta não é direta, porque depende de diversas circunstâncias, incluindo os valores que registramos dos parâmetros meteorológicos pelo planeta em ambientes distintos como praias, desertos e até cidades.
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Devemos nos imaginar como seres vivos imersos em um fluido que neste caso, é a atmosfera da Terra. Além disto, os seres humanos são homeotérmicos, ou seja, mantemos nossa temperatura corporal relativamente estável, dentro de um intervalo bastante limitado. Isto consome boa parte da nossa energia, e, como uma máquina, trocamos calor com o meio circundante. É neste ponto que o fator ambiental entra em peso. Se a troca for extremamente eficiente, como indicou Siple, ficamos com nosso “balancete calórico” em déficit e acabamos sucumbindo. Por outro lado, se não conseguirmos trocar calor com o meio, ou seja, se a troca for extremamente ineficiente, também teremos problemas. Em outras palavras, se o “balancete calórico” estiver em superávit, haverá comprometimento do conforto térmico.
Boa parte do trabalho processado pelo corpo humano concentra-se na liberação de calor. O tema também é bastante vasto, envolvendo o calor liberado pela respiração e o liberado pela pele. Ambos estão em contato com o ambiente, seja de forma interna (pulmões) ou externa (pele). Essencialmente a pele nos interessa mais, tendo em vista que a sua superfície, quando medida, pode chegar aos impressionantes 2,5 metros quadrados.
E de onde surgiria o nosso desconforto com o calor? Essencialmente, o processo convectivo forçado do ar sobre a pele nos ajudaria a eliminar o excedente de energia por simples ventilação, facilitando a troca de calor. Contudo, há duas variáveis meteorológicas que geram problemas diferentes. A primeira, obviamente, será a temperatura do ar que, quando estiver além dos 33,0oC, não vai ajudar muito na refrigeração corpórea. Neste ponto, a pele intensifica sua outra estratégia de perda de calor: a que ocorre por umidade pela perda transepidérmica de água – PTA.
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Normalmente, a pele libera gotículas de água, através da transpiração, no intuito de que o ar circundante a remova por evaporação. Quando isto ocorre, ou seja, sai do estado líquido para o gasoso, aquela gotinha consome calor, retirando energia da pele, ajudando-a a esfriar. Nestes termos, teremos diversas configurações possíveis que envolverão a velocidade da circulação do ar ao redor do corpo, que realiza uma convecção forçada; a temperatura do ar, que quanto mais elevada apresenta maior capacidade de receber umidade; e a própria carga de umidade já presente no ar, que circula ao redor do corpo, limitando a capacidade de remoção. Este último é um dos parâmetros mais importantes e utilizados no estabelecimento dos índices de sensação térmica, mas, agora, para o lado dos valores quentes.
Como os índices de sensação de frio, os criados para a sensação quente também remetem há mais de cem anos e normalmente são empregados apenas no verão. Em geral, foram mais trabalhados por engenheiros, dada a sua natureza indoor. A Temperatura Efetiva – ET, de Houghten, data de 1923. Já o Índice de Temperatura e Umidade (THI), desenvolvido pelo antigo Birô do Tempo (Meteorológico) dos Estados Unidos, foi trabalhado por Thom, em 1959. Eles essencialmente indicam uma temperatura de sensação percebida, relacionando apenas os valores de temperatura do ar e da umidade presente na atmosfera pela sua razão relativa (Umidade Relativa – UR). Se a umidade for muito alta, já próxima da saturação (estado em que se formam gotículas no ar instantaneamente, com UR em 100%), isso mostrará que a estratégia da pele em transpirar, esperando que a água evapore e retire seu calor, não irá funcionar, porque o ar muito úmido não absorverá a água da pele.
Em geral, estes índices aparentemente subestimavam a sensação térmica para ambientes secos, como os desertos, apresentando valores aquém do realmente percebido. Para corrigir o problema para umidades relativas baixas, John W. Pepi propôs uma nova abordagem, criando um dos principais e mais antigos índices de sensação térmica, também expressos em forma de temperatura equivalente.
“Não é o calor, é a umidade”, começava o texto de seu artigo, em 1987. O Summer Simmer Index (SSI), de Pepi, usa o termo “simmer”, remetendo a um significado de cozimento preliminar ao ponto de fervura total da água. O SSI poderia ser traduzido como Índice de Fervura de Verão, mas bem antes de ocorrer a ebulição, ou seja, de forma coloquial, é o “calorão”.
Uma nova versão do SSI foi lançada em 2001, incluindo validações experimentais realizadas em centenas de indivíduos que relataram suas próprias sensações. Como todos os índices, o SSI limita-se a temperatura do ar igual ou maior que 18,0oC e UR igual ou maior que 40%, o que já é considerado bem seco.
Embora SSI melhore a avaliação para baixas umidades relativas, o quadro de alta umidade ainda é o pior problema, pois, como resultado, o indivíduo passa e ficar encharcado! A pele elimina água no intuito de se refrigerar, mas o ar praticamente não a recebe mais. Isso prejudica o processo de refrigeração, causando o desconforto. O índice, então, indicará uma temperatura equivalente teórica de “aquecimento”, mas não por entrada de energia do ambiente (temperatura do ar), mas por ineficiência do processo de refrigeração! Este é o ponto! A referência não é o ambiente, mas o corpo humano que tem dificuldades de se refrigerar.
É o que acontece quando visitamos regiões quentes e muito úmidas. Em certos meses do ano, quando você desembarca do avião em Manaus, AM, sente-se confortável enquanto permanece nas dependências controladas do aeroporto. Basta passar pela porta de vidro e pronto, você entrou em uma sauna planetária! O fluxo de umidade proveniente do Oceano Atlântico Tropical sobre a região mantém a umidade sempre muito alta. A mesma situação ocorre no Rio de Janeiro, durante o verão, quando as águas costeiras também estão muito aquecidas. A quantidade de umidade disponível no ar é suficientemente alta para que a sensação térmica seja muito maior que os valores reais de temperatura do ar.
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Quanto aos ambientes quentes e secos, o corpo humano se sairá muito bem, desde que tenha água para que sua pele possa trabalhar no processo de refrigeração. O SSI indicará temperaturas mais realísticas para essas ocasiões (até 40% de UR), mas a hidratação será fundamental para que o desconforto seja menor, pois, neste caso, a pele trabalhará nas trocas térmicas na sua máxima eficiência, havendo uma sensação de frescor.
O leitor de RW pode brincar um pouco com as equações, utilizando o simulador de SSI de RK Larsen (vCalc) e suas diversas calculadoras neste link. Assim, como dizia a música, “Rio 40 Graus”, experimentando esse valor típico de verões quentes, com UR de 95% teremos, 63,3oC. Se for 100%, voilà, chegamos aos 65,0oC de temperatura equivalente de SSI! Nenhuma novidade! Nenhum Alarde! Nenhum “aquecimento global”! Apenas um índice! Dizer que esse valor foi recorde em uma série que completou apenas dez anos é uma enorme piada, especialmente quando afirmaram que a última grande marca foi em 2014, outro ano tão característico como o de 2024, onde as questões de quadros meteorológicos foram particulares para altas temperaturas e não as “mudanças climáticas”.
Se eles realmente quisessem fazer mais alarde, poderiam utilizar o antigo Índice de Calor (HI) do Serviço Nacional de Meteorologia (NWS), dos EUA, ainda em uso pela NOAA. Por este índice, os valores do Rio de Janeiro de 40,0oC estariam fora da escala, pois seu resultado alcançaria 108,0oC! Ah, amadores!
Temos de lembrar que as condições de conforto ainda envolvem a perda de energia radiante do corpo em infravermelho, bem como o ganho de energia por incidência direta de radiação solar. A circulação do ar ao redor do corpo também interfere significativamente, seja com alta ou baixas temperaturas. Como avisamos, o assunto, além de vasto, é fascinante! Ainda entram nesse rol o índice de Calor (Heat Index – HI), Scharlau Winter Index (de –5,0 a 6,0oC, com UR>=40%), Scharlau Summer Index (de 17,0 a 39,0oC, com UR>=30%), o canadense humidex (índice de umidade), Índice de Deformação Relativa (Relative Strain Index – RSI), entre outros.
De qualquer forma, quando você ouviu ou sentiu que em determinada época do ano pareceu que um dia apresentou as quatro estações, você estava de certa forma correto. A noite foi invernal. A manhã, como primavera. O verão chegou, com a sua exposição ao sol escaldante e tudo terminou em uma agradável e saudosa tarde de outono…