Deonísio da Silva*
Vou dar breve nota sobre a expressão “educação à distância”, por mim abordada outras vezes, sempre de outro modo, aqui e alhures, e há alguns anos também na coluna que mantinha na revista Língua Portuguesa, distribuída aos milhares em escolas e universidades, de graça, em outros tempos.
Alguns me diziam e dizem: “Deonísio da Silva, nem o MEC usa crase em “educação à distância”, por que você insiste?”. Quando usam nome e sobrenome para discordar, a veemência está também nesse uso. Como sabemos, a língua portuguesa tem complexas sutilezas.
Professores e autores de reconhecida competência estão a meu lado, cada qual com seus saberes teóricos e práticos de experiências feitos. Abandono-os e passo a integrar a horda dos ágrafos e doutores que ensinam errado?
“Errado não existe mais, Deonísio!”. Ah, é? Nem no trânsito? Passe o sinal vermelho de uma rua movimentada como é a língua portuguesa e veja o que acontece. Ou coma o que não deve e aguarde as consequências. Passarinho que come pedra sabe o que lhe advém, diz o provérbio, sabedoria resumida no frasco de uma frase.
E eis este outro exemplo de como nos comportamos diante de leis e normas, seja no âmbito jurídico ou no gramatical. Aconteceu em São Paulo, era tarde da noite, um professor universitário de Direito dava carona a seu colega de Lisboa. O brasileiro resolveu encurtar o caminho e, conquanto alertado pelo amigo, disse: “Sim, por aqui é meio proibido, mas é mais perto”. O nosso amigo lusitano, ao voltar à terrinha, escreveu um divertido texto sobre o episódio.
Vamos e venhamos, como dizia meu avô, filho de imigrantes italianos, pontificando que o papel aceita tudo o que nele se escreve, o MEC é referência em português? Mais do que professores e autores que defendem a crase em “educação à distância”?
Pois então vamos corrigir o MEC, se não a usa, ao menos para que tenhamos um padrão. É dever de quem escreve, e mais ainda de quem ensina, ser claro.
Professores e gramáticos de referência ensinam que é necessário acentuar a expressão “educação à distância”, por desambiguação.
Outro exemplo. O Acordo Ortográfico, nos anos 1980 capitaneado pelo filólogo Antônio Houaiss, tirou o acento circunflexo de “fôrma”. Veio Aurélio Buarque de Hollanda e o manteve em seu dicionário. Houaiss, entretanto, insistiu em forma sem acento, mesmo com o sentido de fôrma. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) já incluiu “fôrma”. E o novo Houaiss também. Aliás, os usuários certamente já perceberam que a nova reedição do Houaiss tem menos verbetes do que a anterior, mas este é outro problema.
Espero que com “educação à distância” aconteça algo semelhante. Afinal, quem tem frase de vidro não tira a crase do vizinho, sobretudo se o vizinho conhecer as modalidades escritas da língua portuguesa. Por muito menos, não discuto com advogados e médicos: seus serviços estão sendo pagos porque esses profissionais sabem o que ignoro em suas respectivas áreas.
Leia também: Ensino distância à distância
Tampouco discuto com marceneiros, carpinteiros, mecânicos. Não discuto com quem sabe do respectivo ofício muito mais do que eu. Eu os respeito e acato, e admiro os seus saberes, as coisas que eles sabem fazer e eu, não! Frequentemente tenho o mesmo comportamento com porteiros, taxistas, faxineiros, engraxates etc. A menos que eu entenda do assunto. Mas eu entendo pouco de poucos assuntos.
Questões de língua portuguesa, como esta da crase em educação à distância, é melhor discutir apenas com os pares, do contrário são afetadas a segurança e a estabilidade do sistema linguístico. Não se pode mudar a gramática toda hora.
Se você está dirigindo e precisa frear, freie. Se precisa acelerar, acelere. Se pode ultrapassar, ultrapasse, mas obedeça aos sinais de trânsito. Com a língua é assim também. O juiz é sempre você, mas à luz do que você está autorizado a fazer.
Se necessário discutir, discuta com os seus pares. De resto, prescreva e será obedecido por quem tem juízo. Evitemos que a crase seja julgada por algum ministro do STF. De repente, um dos ministros, com apenas um voto, o dele mesmo, pode dar apenas vinte e quatro horas para a crase ser retirada ou mantida.
*Deonísio da Silva mantém a coluna semanal Sem Papas na Língua na rede BandNews FM. Doutor em Letras pela USP, é professor e escritor. Seus livros mais recentes são De Onde Vêm as Palavras (18ª edição), A Vida Íntima das Frases e Balada por Anita Garibaldi, todos recentemente reeditados e publicados pelo Grupo Editorial Almedina no Brasil e em Portugal.
Prezados leitores, vocês me honram com sua leitura e comentários, concordando, discordando ou “não estando nem aí”. Logo a Revista Oeste vai publicar postagem adicional com as razões gramaticais sumárias da necessária crase na expressão “educação à distância”. Quando à palavra firula, invocada por um leitor como desdouro, não é ofensiva. No texto e no futebol, a firula pode enfeitar um parágrafo ou uma jogada, conforme o caso, e seu autor nos dois casos não perde o estatuto de craque por causa disso. Será que perna de pau faz firula? Sejam sempre bem-vindos. “Há braços” a todos.
Caro professor, me corrija se eu estiver errado. Na escola aprendi que a crase é exigida sempre antes de substantivo feminino. Portanto, ensino À DISTÂNCIA. E fim de papo.
“Por muito menos, não discuto com advogados e médicos: seus serviços estão sendo pagos porque esses profissionais sabem o que ignoro em suas respectivas áreas”. Simplesmente maravilhada com o texto, mas a citação acima é mais do mais, amei. Obrigada Professor. 🌷
Estava com saudade de uma opinião de uma pessoa de verdade, falando uma verdade!
Também se deve obedecer à sinalização de trânsito
Nem me arrisco a opinar. Quero apenas dar as boas-vindas ao professor. Eu sempre lia os seus textos em outro periódico. Sempre uma leitura prazerosa e instrutiva.
O que mais me irrita é ver verbos no infinitivo grafados sem o erre. É a “síndrome do Chico Bento”.
“É dever de quem escreve” — e mais ainda de quem pretenda demonstrar e ensinar seja o que for, oral ou graficamente — “ser claro”. É dever sempre tentar esclarecer, nunca confundir. O que não só nossos Professores, especialmente os de Português, como também nossos meios de comunicação deveriam ter por necessária e fundamental proposição. Já muito lamentei o assassinato do acento grave em palavras derivadas. Por todas as razões acima mencionadas, e por outras tantas tão importantes quanto essas, não abro e nunca abrirei mão dos tremas em palavras que o exigem e de outros sinais gráficos diferenciais, tal como o acento agudo em “pára”, por exemplo, quando esse “pára” é flexão do verbo “parar” etc. etc. Errado é o que é mal feito e o que corrompe o que está bem feito. Errado será, pois, aviltar e desprezar o idioma como meio de esclarecer, ampliar e elevar o raciocínio e não o preservar como patrimônio nacional essencial.
O articulista parece perito em firulas, mas não aborda a regra fundamental: educação a distância ou educação a-a distância? Com ou sem artigo? Me parece que a 1ª opção é melhor, mais lógica. Mas a segunda também é aceitável. Não devemos afetar erudição em assuntos tão corriqueiros.
Caro Rogério Soares, entendo pouco ou nada de regras da Língua Portuguesa, mas creio que o ‘a’ craseado em “educação à distância” não se refere a uma contração de preposição e artigo. Parece que essa crase tem a ver com “a moda”, como em “angu à baiana”.
Correção: “à moda”.
Que o STF fique à vontade para mais uma patacoada. Metidos a deus, sentem-se muito cômodos para usar o nosso dinheiro à nossa revelia. Às vezes, os tais integrantes do Instituto Lula II fingem demência seletiva e colocam as leis às avessas em favor de delinquentes de estimação. É bom que mandemos os togados meliantes às favas.
Sensacional! Ainda mais com a citação de Ana Ribeiro de Jesus a qual foi inspiração de um livrinho meu antigo e recentemente publicada sua genealogia no meu “territoriozinho”. Fico admirado com a competência de professores desse nível, pois gosto de linguajar tropeiro, ruralidades excluídas da gramática elitista…. Parabéns ao Dionísio. Também gostei da parte que referencia o diálogo com nossos pares. Hoje em dia tem muito jornalista, político e profissional do Direito que sabe tudo, até mesmo separar as estrelas dos planetas.
Depois que estão adotando a tal da linguagem “neutre” como naquele Museu da Língua Portuguesa, essa questão da crase é pouca (ou seria pouques?)