Por Deonísio da Silva (*)
Quem espera sempre alcança? Alcança, mesmo? Devagar se vai ao longe? Mas, depressa não é melhor? A mentira tem pernas curtas sempre ou somente às vezes?
A fraseologia brasileira está cheia de frases lendárias que ninguém disse ou pelo menos não as disse do modo como são contadas nem na época ou no contexto inventados para lhes atribuírem veracidade, o que nas universidades é chamado de documentação.
Cuidai-vos da documentação! Ela pode ser constituída para acobertar imposturas. É melhor seguir a recomendação do filósofo e historiador britânico Bertrand Russell, órfão desde os quatro anos, falecido aos 97, em 1970, e Prêmio Nobel de Literatura em 1950. Mestre da arte de pensar, que teve entre seus orientandos o filósofo e linguista austríaco Ludwig Wittgenstein, ele aconselhava examinar com atenção os fatos em caso de dúvida sobre qualquer coisa, desprezando o resto.
“O Brasil está à beira do abismo”, teria dito o marechal Castello Branco, primeiro presidente do ciclo militar pós-1964. “O Brasil deu um passo à frente”, acrescentara seu sucessor, o marechal Costa e Silva. “Ninguém segura este país”, completara o ocupante do terceiro mandato pós-64, o general Emílio Garrastazu Médici, entronizado depois da Junta Militar que ficara no interstício entre o segundo e o terceiro.
Verdadeiras ou lendárias, estas frases teriam sido proferidas num curto período histórico por três presidentes da República. Ilustradas em tom de deboche, estavam numa edição de O Pasquim, censurada e apreendida nas bancas.
Todavia a primeira frase, “O Brasil está à beira do abismo”, é mais antiga e vem sendo pronunciada desde os tempos imperiais. Foi registrada na peça de teatro O Diabo no Corpo, de Coelho Neto, apresentada pela primeira vez em 1899, no Theatro Lucinda, no Rio, mas publicada em livro apenas em 1905.
Não raro são frases ditas por políticos, mas arrumadas e editadas por jornalistas, quando não de autoria de intelectuais que as escreveram para ser pronunciadas por políticos, como diz Carlos Drummond de Andrade no poema O Sequestro de Guilhermino César, em que fala de “repartições públicas onde se cumpria o destino de literatos sem pecúnia,/ autores de discursos que jamais pronunciaríamos,/ pois os concebíamos para outros pronunciarem / no majestático palanque do Poder”.
Outros exemplos
Há muitos exemplos de frases atribuídas a personalidades que entretanto jamais as pronunciaram. Lembremos outras mais.
“Elementar, meu caro Watson”, o célebre fecho com que o detetive Sherlock Holmes dá a entender a seu amigo Watson que tudo estava claro desde o início, não é encontrada em nenhum livro do autor.
“O Brasil não é um país sério” foi atribuída ao general Charles De Gaulle. Ele nunca a pronunciou. E para homenagear o jornalista Augusto Nunes, que sabe tudo sobre Jânio Quadros, lembremos por último “Fi-lo porque qui-lo”, imputada ao presidente que renunciou, que entretanto jamais a pronunciou. Se a proferisse, diria “fi-lo porque o quis”.
Outras foram ditas e escritas, mas não do modo como se tornaram conhecidas. “Nesta terra, em se plantando, tudo dá” é creditada ao escrivão Pero Vaz de Caminha na certidão de nascimento do País, a sua famosa Carta do Achamento do Brasil. Sim, esta terra foi achada, não descoberta. É preciso, porém, examinar o que as palavras descoberta e achamento designavam no alvorecer do Século XVI, pois em sua faosa Carta o escrivão não usa uma única vez a palavra caravela. Não havia caravelas na frota ou as embarcações eram conhecidas por outras palavras? A frase “Em se plantando tudo dá” foi escrita de outro modo: “Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”.
“Sangue, suor e lágrimas”. Esta é atribuída ao Winston Churchill em seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, em 1940. Mas Churchill ofereceu, não três, mas quatro coisas: “Sangue, trabalho, lágrimas e suor”. Esqueceram trabalho!
Para escrevê-la, o então primeiro-ministro inspirou-se num discurso de Giuseppe Garibaldi, pronunciado em 1849: “Não ofereço nenhum pagamento, nem postos, nem provisões. Ofereço fome, sede, marchas forçadas, batalhas e morte”.
O brasileiro é frajola e adora uma boa frase. Frajola, do quimbundo fwala dyola, significa isso mesmo: por falar bonito, a pessoa é vista como elegante e faceira: fwala é falar; dyola é claro, puro. Frajola designou originalmente aquele que fala com clareza uma língua que a maioria não conhece. Depois passou a designar indivíduo vestido com elegância exagerada. E assim fica o dito pelo não dito, uma outra frase famosa, aliás.
A frase do título desta coluna, dita como provérbio famoso, foi registrada originalmente em nheengatu, palavra tupi que significa fala (nheen) boa (gatu). Portanto, não é nenhum nhem-nhem-nhem, aliás também palavra do tupi nheen-nheeg-nheeng, o blá-blá-blá de nossos índios. Era fala boa porque todos se entendiam nessa língua geral falada no Brasil.
Macaco velho não quer problema
Mas alguém viu algum macaco meter a mão em cumbuca para pegar alimentos e ali ficar preso por não querer soltar o que pegou? Quem registrou a frase disse que apenas macacos jovens faziam isso. Os macacos velhos, mais experientes, não metiam a mão na cumbuca para evitar problemas para si mesmos.
O folclorista mineiro José Vieira Couto de Magalhães, cujo avô teria metido a mão na cumbuca da Inconfidência Mineira, foi o primeiro a registrá-la e o fez em nenhagatu, talvez para maior credibilidade. Quis com a frase exemplicar que é muito difícil enganar o homem simples do interior do Brasil. Diferentemente do avô, o neto foi alto funcionário do imperador carioca Dom Pedro II. Sim, o Brasil já teve o seu próprio imperador, nascido no bairro São Cristóvão, no Rio.
A frase famosa era conhecida em todo o Brasil, todos lhe davam esta origem, mas o historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo, sempre ele, desconfiou e saiu a procurar as origens da frase mundo afora. Encontrou-a na Índia, na África e na China, aonde teria chegado por divulgação dos árabes, que a traduziram e a adaptaram dos escritos do filósofo grego Epíteto, escravo em Roma ao tempo de Nero, que reinou no primeiro século depois de Cristo.
Epíteto também aconselhou: “Se lhe contarem que falaram mal de você, não se justifique, mas diga-lhe que é porque não conhecem os outros defeitos que você tem.”
Leia também: “A escola antiga era mehor, não era?”
(*) Professor e escritor. Seus livros são publicados no Brasil e em Portugal pelo Grupo Editorial Almedina. Os mais recentes são De onde vêm as palavras (18ª edição) e o romance Stefan Zweig deve morrer.
Fui pego de surpresa! Li até o final e me vi envolvido em uma “bacanal intelectual” (Salvador Dali disse isso). Aprendendo sempre, como é bom!
Prof. Deonisio,de onde vem a palavra Brasil. Li num opusculo, “A origem da palavra Brasil”, de um Arraes de Alencar que vem do celta. È vero?
….. palavra Brasil?
Um nome que chama a atenção é “Vermelho como uma brasa”. Para quem não sabe, é o nome do Brasil. Ele se refere à cor vermelha de uma madeira usada para tingir tecidos que os portugueses encontraram no país – o pau-brasil. Sua origem é a palavra celta “barkino” e que em espanhol passou a ser barcino, e depois Brasil. (Google)
Meu caro Lucio Sattamini, está na p. 189 da 18a edição revista e ampliada de meu livro “De onde vêm as palavras” um longo verbete intitulado BRASIL. Assim rapidamente, adianto que são várias as hipóteses, mas a mais coerente é que a fez o caminho do árabe “Wars”, o italiano “verzino” e o francês “brésil”, depois “brasil” em espanhol e no português, e “brasill” no catalão. Antes, houvera o celta “breasil”. A maioria destas palavras era para designar a madeira conhecida por pau-brasil, cor de brasa, donde Brasília. Rapaz, por pouco não tivemos nossa nacionalidade identificada por pau-brasileiro, pois somos a única designada por ofício praticado. O mais coerente seria brasiliense, não brasileiro.
Tenho o livro “De onde vêm as palavras”; consulto às vezes!
Ao professor Deonísio da Silva, parabéns pela matéria.