Polímata é o sujeito capaz de transitar por diversos campos do conhecimento com igual desenvoltura, autonomia, domínio; e, exatamente por isso, pode fazer contribuições significativas em diversas áreas. É o caso de Leonardo da Vinci (1452-1519), gênio do Renascimento que não só nutria interesse por anatomia, engenharia, mecânica, desenho, pintura — e outros, muitos outros campos do saber —, como ajudou a expandir o entendimento que hoje temos dessas áreas. Em entrevista exclusiva à revista Oeste, Átila Soares da Costa Filho, acadêmico que, assim como Da Vinci, tem interesse em arte e ciência, fala sobre as suas descobertas incríveis nas obras do gênio renascentista.
Átila tem bacharelado em Desenho Industrial e Comunicação Visual pela PUC-Rio; e pós-graduações em História da Arte, Filosofia, Sociologia, Igreja Medieval, Antropologia, Arqueologia e Patrimônio. O acadêmico, no entanto, vem concentrando as suas pesquisas cada vez mais em História da Arte, principalmente nos períodos Medieval, Renascentista e Barroco em Portugal, Espanha e Itália.
No seu trabalho, ele busca lançar luz sobre os processos que levaram à criação das sociedades sob o escopo das questões antropológicas mais fundamentais. Seu interesse em Leonardo da Vinci o levou a descobrir detalhes ocultos nas obras do polímata, inclusive numa versão inédita da Mona Lisa. Átila também contribuiu com a reconstrução do rosto da Virgem Maria. Descubra isso e muito mais na entrevista concedida pelo acadêmico a Oeste.
Leonardo da Vinci é sempre fonte de polêmica. Por que o gênio italiano desperta tamanho interesse?
Existe uma romantização em torno da vida de Leonardo, e há uma razão para tudo isso. De fato, ele nos apresentou de maneira mais apurada e sofisticada uma técnica visual que o mundo estava começando a descobrir na época, o sfumato. Defendo a teoria de que Leonardo pegou muitas invenções de outros pesquisadores a fim de aprimorá-las, sobretudo a partir do seu talento de artista. Nós podemos ter uma dimensão do impacto visual do trabalho de Leonardo se imaginarmos uma pessoa que nunca viu um filme 3D na vida entrar na sala de cinema e se deparar com o Avatar.
Você investigou o segredo por trás da escrita inversa de Leonardo, o que descobriu?
Essa história de que Da Vinci escrevia desta forma a fim de impedir que a Igreja ou algum adversário descobrisse os seus segredos é uma afronta à inteligência tanto dele quanto à nossa. A coisa mais fácil do mundo é alguém escrever de trás para frente; e qualquer um arranja um espelho para ler. Eu desenvolvi uma teoria: na verdade, ele escrevia assim em função do seu posicionamento holístico. Tanto nas ideias quanto no estilo de vida, ele era uma pessoa que entendia que tudo se conectava a tudo, e que todas as coisas eram feitas para que se alcançasse o equilíbrio. É como se ele dissesse: “Olha, nós não precisamos fazer tudo da mesma forma; no fim das contas, tudo se harmoniza”.
Você investigou a Mona Lisa de Isleworth, uma versão inédita da icônica pintura. O que descobriu?
A Mona Lisa do Louvre é um ícone, então afirmar que a Mona Lisa de Isleworth também é de Leonardo é como dividir o reino da pintura do Louvre com outro quadro, porque a versão francesa é uma entidade que transcende a materialidade da pintura em si. Os críticos afirmam que a versão de Isleworth não tem o efeito 3D de Leonardo, as informações que estão no site da fundação refutam os críticos. Da Vinci não pintava 3D ainda quando esse quadro foi executado. Portanto, Isleworth é anterior à Mona Lisa do Louvre. A fundação me deu a honra de batizar esse quadro para os idiomas neolatinos: “A jovem Mona Lisa”. É natural que haja polêmica, porque às vezes o pesquisador dedica toda a sua vida a uma investigação e, de repetente, uma única descoberta coloca em xeque as suas conclusões. Eu quis analisar o quadro através de uma perspectiva inédita para defender a sua autoria: a filosofia.
Leonardo da Vinci gostava de jogos com palavras e enigmas?
Sim, os elementos enigmáticos estão presentes na sua obra. Mais recentemente, descobri que a formação dos apóstolos na Última ceia corresponde ao Cristo do Sudário de Turim deitado. Outros pesquisadores descobriram elementos na Última ceia que aludem ao Sudário. Por exemplo: a toalha da mesa corresponde ao manto do Sudário. Assim como Michelangelo pintou discretamente órgãos humanos em vários pontos da Capela Sistina — descoberta, inclusive, de pesquisadores brasileiros —, eu vejo que Leonardo fez uma coisa análoga na Última ceia, com a silhueta do corpo humano sobre a mesa.
Você descobriu algumas letras escondidas nas obras do polímata, o que elas significam?
As letras “L” e “S” são, originalmente, uma descoberta do professor Silvano Vinceti, de Roma, sobre a Mona Lisa do Louvre, ele diz que o “L” é mesmo de Leonardo; e o “S” é de Salai, que é o apelido do Giacomo Caprotti, pupilo e amante de Leonardo. Salai do árabe significa capetinha, diabinho. É curioso as iniciais terem sido inscritas nos olhos, as janelas da alma; creio que Leonardo tenha feito isso como símbolo da eternidade do amor do casal de amantes. Mas existe outra teoria, de uma professora da Espanha. Ela afirma que o “L” é de lascia, do italiano, que quer dizer “deixe”, “liberte”; e o “S” é de “sinistra”, de “esquerda”. Isso porque numa das anotações de Leonardo, ele ensina como apreciar uma obra de arte: observar apenas com o olho direito. Leonardo não gostava do óbvio, e, segundo minhas suspeitas, encontrei letras ocultas também em outras obras, como na Mona Lisa de Isleworth.
Você utilizou inteligência artificial para reconstruir o rosto da Virgem Maria?
Sim, a inteligência artificial foi a base, e eu me utilizei do trabalho feito por Ray Downing em 2010 sobre a reconstrução do rosto de Cristo pelo Sudário de Turim. Esse é considerado o trabalho mais fidedigno até agora, e tomando concepções teológicas da natureza virginal de Maria quando da concepção, mais os escritos antigos da Igreja, eu apliquei a inteligência artificial em conjunto com critérios antropológicos. O trabalho foi feito respeitando as características e peculiaridades de uma mulher do Oriente Médio à época.
Leonardo da Vinci tinha mesmo fascinação por representar o rosto de Jesus Cristo?
Acredito que havia um interesse especial de Leonardo pela representação da figura de Cristo, porque Cristo é a imagem do homem perfeito. E isso sempre atraiu os maiores gênios da Renascença, como Michelângelo, que também buscou a perfeição na forma. Cristo é líder, é Deus encarnado; Ele tem um aspecto físico perfeito dentro das medidas, dos padrões geométricos que buscam a beleza. Todas as representações que Leonardo buscou fazer de Cristo eram nesse sentido, de apresentar o ser humano como a principal figura da criação. O homem é o centro da criação. O Homem Vitruviano, uma das obras mais famosas de Leonardo, mostra graficamente o homem como medida de todas as coisas. E quem foi mais perfeito do que Jesus Cristo?
Um polímata é inalcançável em sua plenitude. Dita essa platitude, enamorei-me da Mona Lisa de Isleworth.