É difícil imaginar quão ruim pode ser uma geração. Se olhássemos para a Europa da virada do século 19 para o 20, não era completamente possível prever o advento de um “Hitler” ou “Mussolini”, um “Stalin” ou “Mao”. Muitos, é verdade, previam sim um grande conflito bélico de escala europeia, mas é como na crônica cotidiana do chato alarmista: aquele pessimista que sempre vocifera uma tragédia vindoura, um dia, inescapavelmente, vai poder dizer a plenos pulmões “eu avisei”, não por mérito ou poder de profeta, mas porque inevitavelmente alguma tragédia sempre acontecerá.
Ainda que houvesse, no século 20, a ascensão de ideias desestabilizadoras e criminosas, tais como o comunismo e o fascismo italiano, tais ideologias não seriam exatamente populares e convincentes num primeiro instante, mas teriam o poder de distorcer a realidade por meio da crítica constante e da manipulação de mentes.
É óbvio que agora estou a aplicar um certo anacronismo, um espancamento de defunto, mas é fato que, numa análise sincera da história das ideias, sob uma crítica desapaixonada, não é algo novo observar no marxismo do fim de século 19 uma falha de leitura da realidade econômica dos indivíduos e da sociedade, e ainda que se valessem dos reais absurdos morais perpetrados por empresários e políticos daquele século, o remédio proposto pela ideologia da foice e do martelo era desvairado e ainda mais violento do que aqueles males que ela denunciava.
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No fascismo, por sua via, muitos o acusavam, desde o início, de um saudosismo enclausurador da livre troca de ideias, denunciando que essa era uma ideologia de alarmismos morais e trabalhistas com o mesmo fundo revolucionário que o comunismo. E, é claro, ambos tinham no estatismo suas espinhas dorsais; e, na pregação política, as suas almas revolucionárias.
Lá em 1919, Ludwig von Mises havia lançado sua primeira obra de envergadura social e acadêmica, Nação, Estado e Economia — que sairá agora no próximo mês pela LVM editora —, nele Mises apontou habilmente:
- a busca desvairada e sem fundamentos dos alemães pelo sentido de nação — o nacionalismo militante;
- o remorso psicológico dos vencidos ‒ da Alemanha no pós a Primeira Guerra Mundial; e
- a ideia do centralismo político e econômico como fator de união nacional; tais pontos seriam os ingredientes fundamentais para futuros conflitos e guerras, analisava Mises.
Essa foi uma real e sofisticada previsão filosófica e sociológica da Segunda Guerra Mundial e dos embates posteriores da Guerra Fria. Para citar outra obra visionária, já resenhada aqui, em Cenas de Um Futuro Socialista, de Eugene Richter, vê-se que o autor acertou bisonhamente em cheio na análise do que seria o socialismo real se colocado em prática. Podemos dizer que, com 27 anos de antecedência, Richter descreveu em detalhes o próprio absurdo político que se tornaria a Rússia em 1917 com a Revolução Bolchevique, e as demais revoluções comunistas em todo globo.
Além de anacronismos e profecias
Mas, para além de anacronismos e profecias passadas, vamos para uma análise de momento. Hoje nós temos algo imprescindível que faltou aos pensadores, jornalistas e homens comuns daqueles dias, isto é, o exemplo. E é justamente o exemplo que dispensa a genialidade profética como meio para antever as desgraças políticas do futuro e populariza o alerta geral para fracassos humanos.
Nós, viventes do século 21, podemos analisar a inteireza do nascimento, desenvolvimento e consequências dessas ideias políticas fracassadas. Observar, por exemplo, como a realidade respondeu às imposições e proposições dessas ideologias. Podemos, e é isso que eu quero dizer, observar as falhas profundas e sangrentas de determinadas ideologias e princípios ideológicos e, dessa forma, rechaçá-las desde o ninho.
“Consigo entender um jovem caridoso e de alma solícita que encontrou no socialismo militante um agasalho político para as suas ansiedades sociais e percepções de injustiças em 1917”
Pedro Henrique Alves
Como dizia um padre amigo meu, a virtude da inteligência está em aprender com os erros e se afastar das tentações de repeti-los. Ele dizia isso com zelo pela minha alma, é óbvio, mas aqui podemos estender sua fala para a análise política sem demandar retoques. Esse privilégio do exemplo os jovens dos anos 1900 ou 1910 não tiveram. O que eu direi aqui pode chocar muitos de certa forma, mas eu consigo entender um jovem caridoso e de alma solícita que encontrou no socialismo militante um agasalho político para as suas ansiedades sociais e percepções de injustiças em 1917. Da mesma maneira, ainda que soe absurdo hoje, não é difícil pensar que, sob a raiva e humilhação pública da Alemanha de 1918, o revanchismo bizarro e assassino do nazismo soasse como adequado e até mesmo justo para muitos alemães.
O fracasso político da atualidade
Mas, o que exatamente explicaria jovens universitários brasileiros, geralmente de classes abastadas, que gozaram sempre de um bem-estar econômico e familiar, adotarem uma visão extremista de defesa do Hamas, da URSS, da China de Mao Tsé-tung? O que explica o amor pelo fracasso político em nome de uma teoria impraticável? O anseio hipnotizado e obsessivo por uma utopia conceitualmente inviável? A tara militante por uma estrutura política e social suada em fracassar aonde quer que passe? Seria o ócio vadio que causa de tal desconexão de percepção? O puro creme da burrice consentida? A falta de personalidade ante o grupo massificador? Talvez esses sejam caminhos para uma resposta.
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Mas, ainda assim, é difícil imaginar que a massificação, a estupidificação e a vagabundagem fossem capazes de anular toda e qualquer capacidade de percepção do óbvio, do raciocínio sincero. Ora, nós somos “animais racionais” justamente por podermos questionar nossas escolhas, por termos certa independência intelectual para criticarmos e analisarmos os fatos.
“[Difícil] compreender um estudante de história da USP que tenta limpar a imagem de Stalin no YouTube, que defende Fidel Castro no churrasco de família, ou diz amar o exemplo chinês, construído sobre milhões de cadáveres que ainda fedem”
Pedro Henrique Alves
Por isso, repito, eu tenho mais facilidade para entender a empolgação de um jovem comunista em 1917 na Rússia, de um senhor italiano confessamente fascista em 1920, ou um político nazista em 1930, do que para compreender um estudante de história da USP que tenta limpar a imagem de Stalin no YouTube, que defende Fidel Castro no churrasco de família, ou diz amar o exemplo chinês, construído sobre milhões de cadáveres que ainda fedem. Aqueles não sabiam previamente o que Stalin faria, o que Hitler e Mussolini se tornariam, em 1949 poucos poderiam imaginar que Mao mataria, entre 1958 e 1962, 45 milhões de pessoas, mas qual a desculpa do aluno de ciências políticas da UFRJ em 2024?
E, pontuemos, o “progressismo” esquerdista que nos assola, que, apesar de suas reinvenções ideológicas, se assenta nas mesmas estruturas revolucionárias de outrora, ainda que se distancie historicamente, e até filosoficamente, de seus avós ideológicos, defende as mesmas essências de redefinições da realidade, sob a mesma exigência de engajamento cego de seus defensores. O fracasso político e humano do século 20 não era tão evidente para seus navegantes, mas qual a desculpa para embarcarmos nos mesmos fracassos hoje? Alguém tem sinceras dúvidas sobre a perniciosidade das ideias fascistas e nazistas? Ainda há dúvida do mal que o comunismo e seus netos “progressistas” representam?
Acredito que o fracasso político do “progressismo” atual tem um caráter intencional — ainda que possa ser inconsciente, de alguma forma. Esse fracasso mistura teimosia de mentes infantilizadas, passadismo idílico, ficcional, além de uma pitada de burrice comum. A geração dos anos 2000, por fim, apostou numa mistura esquizofrênica de renovo ideológico — como o identitarismo —, aliado a um saudosismo esquerdista.
Disso nascem militantes ao estilo soviético, com pautas que vão da linguagem neutra à defesa de crianças trans. Para mim é claro que essa geração não só escolheu o fracasso historicamente comprovado, como resolveu maquiá-lo com arco-íris e culturas pop na tentativa de mostrar nele um estranho avanço humano. Contudo, lembremos sempre que avançar em direção ao abismo nunca foi virtude alguma, que não há heroísmo algum em ser um camicase anticivilizacional.
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