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Membros da diáspora palestina e ativistas locais de partidos de esquerda marcham pela Palestina no Dia da Terra, em Alberta, no Canadá (30/3/2024) | Foto: Artur Widak/NurPhoto/Shutterstock
Edição 212

A insuportável hipocrisia dos grupos ‘pró-Palestina’

O ativismo pró-Palestina se tornou uma forma de as elites universitárias demonstrarem sua supremacia moral em relação ao restante de nós

Brendan O'Neill, da Spiked
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Os ativistas queer da Grã-Bretanha não estão contentes. Na verdade, eles estão furiosos. Desde a última vez que uma mulher de meia-idade educadamente reivindicou o direito de tomar banho na academia sem ver um pênis ereto no chuveiro ao lado que eles não ficam tão irritados. Porque um dos seus ícones culturais fez algo inconcebível. Ele desrespeitou o código moral cardinal da sociedade politicamente correta. E desobedeceu à santa lei da classe média alta. Preparem-se: ele concordou em dividir espaço com — meu Deus! — um israelense.

Essa é a história de Olly Alexander — um cantor, pelo que sei —, que provocou muito choro e ranger de dentes entre pessoas de cabelo roxo. Tudo porque ele se recusou a sair da competição Eurovision Song Contest em protesto à inclusão de Israel. Mesmo depois de receber uma carta imponente do Queers for Palestine — o movimento que, sozinho, matou a sátira —, Alexander disse que vai se apresentar com a canção Dizzy na famosa competição sediada na Suécia em maio. Uma pessoa queer desafiar o Queers for Palestine é o mesmo que um muçulmano desrespeitar os hadiths. Olly está num exílio social.

Olly Alexander, cantor britânico que se recusou a aderir a protesto queer contra a inclusão de Israel em festival | Foto: Divulgação

“Não pode haver celebração com um Estado que comete apartheid e genocídio”, afirmaram os brutamontes sem humor dos Queers for Palestine. Talvez essas pessoas preferissem festejar em Gaza. Tenho certeza de que o Hamas homofóbico adoraria dançar sobre suas sepulturas. Eles insistem que a inclusão de Israel no Eurovision vai ajudar a acobertar seus “crimes contra a humanidade” e, por isso, todos os que têm consciência woke deveriam se recusar a participar. Alexander discordou, dizendo que prefere usar a “plataforma” do Eurovision para “unir” as pessoas e fazer um “chamado à paz”. Meu Deus, ele vai dançar com uma bandeira da Palestina, não vai?

A arrogância moral dessas pessoas é de tirar o fôlego. Imagine quanto é preciso estar embriagado pela própria virtude, quanto é preciso estar apaixonado pelo seu próprio reflexo virtuoso, para imaginar que sua decisão de dançar ou não poderia redefinir os eventos no Oriente Médio. A ideia de que a saída de Olly Alexander do Eurovision poderia ajudar a salvar Gaza só é superada em estupidez pela ideia de que sua permanência no Eurovision para gritar “Paz imediatamente!” poderia ajudar a salvar Gaza. Detesto desapontar, pessoal, mas ninguém em Gaza, Israel, no Irã, Catar, nos EUA ou em qualquer outro lugar que não sejam os restaurantes descolados de Dalston, em Londres, dá a mínima se Dizzy vai ser apresentada ou não.

Um grupo obviamente insano

Essa briga de gatos burgueses sobre qual sinalização de virtude é mais eficaz revela muito sobre a moda de boicotar Israel. Está cada vez mais claro que a tendência de renunciar à música, à cultura e à comida israelenses é mais uma questão de libertar o próprio ego do que de libertar a Palestina. Trata-se de fazer um espetáculo da sua própria retidão moral. Não interagir com Israel se tornou um atalho para o cume da virtude, um meio para os influentes demonstrarem: “Está vendo como sou puro?”. O conflito entre Queers for Palestine e Olly Alexander não tem a ver com a forma mais eficaz de ajudar Gaza — é uma competição de virtudes, uma disputa entre idiotas sobre quem é o mais digno moralmente.

Marcha do grupo Queers for Palestine, em Nova York (12/11/2023) | Foto: Shutterstock

Isso explica como um grupo tão obviamente insano como o Queers for Palestine pode existir. Esse movimento de suicídio por contrassenso é a prova de que o ativismo “pró-Palestina” é menos sobre compreender o que está acontecendo lá do que sobre proporcionar uma emoção barata aos radicais entediados daqui. Todos sabemos que, se esses riquinhos tatuados que acreditam que homens podem amamentar fossem a Gaza, seus pronomes se tornariam “foi”/“foram” antes que alguém pudesse gritar “Palestina Livre!”. Mas isso simplesmente não é registrado pelos próprios queers, em parte por estarem tão consumidos pela piedade imperiosa pela Palestina que se recusam a acreditar que alguém lá seja capaz de cometer atos ilícitos (sim, isso é racismo), mas principalmente porque reduziram a “Palestina” a uma plataforma para exibir a própria virtude e, no processo, a esvaziaram de sua realidade e complexidade.

O ativismo pela Palestina se tornou uma válvula de escape para os sentimentos de superioridade social das classes política e midiática que, caso contrário, teriam que lutar para se expressar nestes tempos politicamente corretos

Para essas pessoas, a “Palestina” não é um lugar — é uma palavra da moda, algo completamente abstrato. Declarar-se escandalosamente “pró-Palestina” não passa de uma proclamação de decência, de adequação para fazer parte do grupo cultural exclusivo. Usar um broche da Palestina ou, melhor ainda, um keffiyeh e simplesmente se recusar a comprar laranjas israelenses não são posições políticas no sentido clássico — são sinais enviados a outros membros dessa sociedade ilustrada. “Sou como vocês”, eles dizem. O boicote a Israel deve ser o primeiro boicote na história em que o objetivo é menos realizar mudanças no mundo concreto e mais massagear egos no mundo emocional.

Protesto contra as classes mais baixas

A associação de Israel/Gaza com a autoimagem das nossas elites woke explica por que o ativismo “pró-Palestina” se tornou tão irritante. É porque o que se disfarça de movimento de solidariedade, na verdade, é uma performance arrogante de superioridade moral. Quanto mais “Fora, Israel” e “Pró-Palestina” se tornam sinais de retidão woke, mais todo o movimento se torna uma demonstração desse tipo de retidão — uma exibição das sensibilidades exacerbadas das elites politicamente corretas reinando sobre a apatia das massas. Como assim você não odeia Israel com todas as suas forças? Qual é o seu problema?

Cartazes com os dizeres “Não há orgulho no apartheid” e “Gays por Gaza”, durante marcha do grupo Queers for Palestine, em Nova York (12/11/2023) | Foto: Shutterstock

Vejamos o ataque à St. Patrick’s Cathedral, em Nova York, durante a missa de Páscoa, por ativistas do clima e em favor da Palestina. Alguém gritou “Palestina Livre!”. Aquilo não foi um protesto contra Israel, foi um protesto contra as classes mais baixas, os plebeus que estavam ali sentados, por parte de ativistas profissionais que claramente acham que ser “pró-Palestina” os torna melhores que todos os demais. Ou vejamos o bloqueio do British Museum, mais uma vez por ativistas do clima e em favor da Palestina. Esses embustes irritantes não fazem nada pela população de Gaza, mas permitem que esses superiores nos lembrem, os plebeus, de quanto são mais “conscientizados” do que nós. As marchas pela Palestina desempenham um papel semelhante, permitindo que as elites ilustradas se aventurem pelos centros das cidades para tiranizar os consumidores de origem humilde com suas opiniões politicamente corretas.

Vamos observar também a insuportável hipocrisia do grupo “pró-Palestina”. O ativismo pela Palestina se tornou uma válvula de escape para os sentimentos de superioridade social das classes política e midiática que, caso contrário, teriam que lutar para se expressar nestes tempos politicamente corretos. Eles finalmente encontraram a cobertura perfeita para dar voz à sua supremacia cultural. Ficamos com o espetáculo grotesco de jovens queer de classe alta, em um país que provocou muito mais mortes no Oriente Médio do que Israel, tratarem com desprezo Israel e todos que o apoiam ou que não o odeiam loucamente. Eles são mais parecidos com seus antecessores imperiais do que imaginam.


Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Seu novo livro, A Heretic’s Manifesto: Essays on the Unsayable, foi publicado em 2023. Brendan está no Instagram: @burntoakboy

Leia também “J. K. Rowling e a tirania dos pronomes”

4 comentários
  1. Candido Andre Sampaio Toledo Cabral
    Candido Andre Sampaio Toledo Cabral

    São ativistas de botequim, com seus iPhones em Londres.

  2. Simone Borghi
    Simone Borghi

    Essa é a prova da total burrice crônica dessa gente! São tão estúpidos que ignoram o básico: Israel é o ÚNICO país democrático no Oriente Médio, é o UNICO que tem parada LGBT e o ÚNICO que realmente VALORIZA suas mulheres (Golda Meir foi primeira-ministra ainda nos anos 60). Já os países defendidos por esses wokes cheirosinhos executam sem o menor pudor qualquer representante queer, gay, lésbica e demais integrantes dessa sopa de letrinhas. É a institucionalização da estupidez e a proclamação da ignorância.

  3. Amaury Nasser
    Amaury Nasser

    Perfeito.

  4. Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva
    Luzia Helena Lacerda Nunes Da Silva

    A que ponto chegamos!
    Mas somos muitos Olly Alexander.

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