A história do professor Sérgio, o Professor, fascina o telespectador. Ele passa o olhar tímido, angustiado e ao mesmo tempo doce do ator Álvaro Morte, que o interpreta. O Professor se diz um idealista decepcionado, que monta um plano genial para assaltar o Banco da Espanha, na série La Casa de Papel, da Netflix.
Mas além de pretenso idealista, ele é idealizado. Por seu grupo de ladrões, devido ao esforço de manter todos vivos durante o assalto. Pela dedicação aos detalhes, por sua história de vida e de sofrimento, compartilhada por cada um daquela equipe.
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Na série, os criminosos ganham a simpatia do país inteiro. Uma multidão, principalmente na temporada final, se aglomera em frente ao banco, se interpondo inclusive ao veículo móvel da polícia, instalado na frente do local para intermediar as negociações.
Na vida concreta, outra multidão, no entanto, também se aglutina, como telespectadora, em frente aos seus aparelhos, com a mesma devoção imaginária.
O grupo, no seriado, é formado, entre outros, pela astuta Tokyo (Ursula Corberó), pela emotiva Nairobi (Alba Flores), pelo calculista Berlim (Pedro Alonso), pelo fraco Denver, (Jaime Lorente) pelo meigo Rio (Miguel Herrán), pelo apaixonado Palermo (Rodrigo de la Serna) e, depois, pela ex-policial Lisboa (Itziar Ituño) e pela ex-prisioneira Estocolmo (Esther Acebo). Há ainda o grandalhão Helsinki (Darko Perić).
O lema entre eles é “um por todos e todos por um.” Cada um comove por seu drama. Pela dificuldade na relação com a mãe, pela perda de um amor que foi assassinado, para agradar o pai, por algum trauma, pela busca de um sentido, por um pouco de amizade em um mundo implacável, injusto e cruel.
Os protagonistas, uniformizados com máscara branca e macacão alaranjado, se tornaram celebridades. Ganham admiradores nesta trama, ao interpretarem pessoas que acreditam lutar de peito aberto contra um sistema corrupto, que se alimenta de operações midiáticas para ganhar votos, se manter no poder.
Muita gente se comove com os assaltantes de La Casa de Papel. Dentro e fora das telas. É como se eles fossem os depositários de uma verdade oculta no íntimo de cada um. Abraçam a causa e torcem para eles contra as confusões da polícia.
Nesta empreitada, porém, os assaltantes mantêm mais de 60 reféns dentro do banco. Sob tortura. Vítimas de agressão, de terror, de gritos, de ameaças. Pessoas que também tiveram traumas, acrescidos agora deste, abominável. Mas que, dentro e fora da produção, são vistos como coadjuvantes.
Dentro da condição humana, é correto acreditar que os reféns também perderam parentes no passado. Ou que tiveram sonhos frustrados, por causa de algo que não puderam controlar. E que, oprimidos pelos sequestradores, perderam o direito de ser meigos, astutos, doces e fracos.
Ficção e realidade
A vida imita a arte em La Casa de Papel? Ou a arte imita a vida? Seja como telespectador de uma série no streaming ou do noticiário real, tem sido comum glamourizar o lado bandido. Fascinar-se com o Professor ou com Yahya Sinwar.
A pretexto de uma causa deturpada, um salvo-conduto em busca da compensação de frustrações. Talvez seja esse o segredo do sucesso desta e de outras séries. Da poltrona, em frente à tela, quase todos os telespectadores vibram com os “heróis” de La Casa de Papel.
Em suas vidas, eles se sentem representados pelas pessoas que, na trama, se aglomeram em frente ao banco. Quase nenhum, porém, pensa nos reféns. E nem em dizer, por eles, Bring Them Home. Se ficar restrito ao cinema, faz parte. O problema é que, muitas vezes, não fica.