Dirigido pelo inglês Ridley Scott, o filme Napoleão estreou no Brasil no dia 23 de novembro de 2023. O épico de 2h:38min narra a vida do ambicioso corso a partir da perspectiva de sua relação com Joséphine, seu grande amor. Antes de entrar no circuito brasileiro, o longa havia estreado em Paris, na noite de 14 de novembro. A decisão do diretor de concentrar a narrativa na paixão de Napoleão (Joaquin Phoenix) por Joséphine (Vanessa Kirby), e algumas imprecisões históricas renderam polêmicas.
Refém psicológico
Tradicionalmente, as representações de Napoleão Bonaparte no cinema fazem jus à iconografia e biografias clássicas: o orgulhoso general com olhar confiante, montado em seu cavalo branco e apontando para o suposto futuro glorioso da França. Porém, ao abordar o relacionamento de Napoleão com Joséphine, Scott pode ter exagerado na tentativa de mostrar a faceta vulnerável do imperador.
Isso porque a ascensão extraordinária de Bonaparte é apresentada como um pano de fundo para sua relação com Joséphine. Desde a vitória em Toulon, quando, aos 24 anos de idade, o jovem corso atraiu a atenção permanente da França, até sua morte na isolada ilha de Santa Helena, é Joséphine quem está no centro.
Ela faz de Napoleão seu refém. Inclusive, em alguns trechos do longa, o conquistador do mundo comporta-se como um adolescente que não consegue resolver os impasses do seu relacionamento problemático. O Napoleão de Ridley Scott sofre de apaixonite crônica.
Imprecisões históricas
A cena inicial mostra a morte de Maria Antonieta. O tribunal revolucionário havia condenado a rainha da França à morte na guilhotina. Depois de ser separada de seus filhos, a monarca é conduzida até a Praça da Revolução (atual Praça da “Concórdia”, no centro de Paris), onde o carrasco a espera. Durante o percurso até a guilhotina, Maria Antonieta é alvo dos tomates e xingamentos advindos do povo insuflado de ódio à Monarquia.
A roupa branca da rainha fica manchada. Ela tem suas mãos amarradas e é posta de bruços sobre a prancha horizontal do aparelho de morte. Finalmente, a rainha da França tem sua cabeça decepada pela pesada lâmina losangular. O carrasco exibe a cabeça da monarca à multidão que, imbuída de ódio, celebra a vitória simbólica sobre o Antigo Regime. Scott mostra Napoleão entre as testemunhas do regicídio.
A cena seria fidedigna à história se no momento da execução da consorte de Luís XVI Napoleão não estivesse a 800 quilômetros de distância. Quando Maria Antonieta perdeu a cabeça na guilhotina, Bonaparte ainda estava ocupado matando os ingleses em Toulon — a primeira de uma série de vitórias militares brilhantes.
Sexo e nudez
As cenas de sexo são risíveis e desnecessárias. São engraçadas porque reforçam o estereótipo de que as pessoas dos séculos 18-19 copulavam como coelhos, dispensando toda e qualquer preliminar que exigisse mais do que os cumprimentos de “boa noite”.
O gênero épico também atrai a atenção do público infanto-juvenil, mas assistir ao recente trabalho de Ridley Scott — que já dirigiu o premiado Gladiador, 2000 — na companhia de menores de 16 anos pode ser constrangedor.
Napoleão, revolução e corrupção
O diretor acerta ao mostrar o enorme prejuízo que a França obteve ao abraçar a Revolução. A instabilidade política, a miséria, a insegurança e a corrupção tornaram-se a norma depois do regicídio de Luís XVI e de Maria Antonieta — fato inaugural do período revolucionário conhecido como Terror, durante o qual mais de 15 mil pessoas foram guilhotinadas.
A ascensão de Napoleão só pôde acontecer porque havia caos, porque os líderes políticos eram corruptos. Scott capturou com brilhantismo o espírito dos discursos de Robespierre, figura central do famigerado “reino do terror”. Enquanto o líder revolucionário discursava em nome da “Liberdade”, da “Igualdade” e da “Fraternidade”, foi espancado pelos seus próprios colegas cansados da hipocrisia da Revolução.
Napoleão é um filme, não um documentário; mas vale a pena.