Como já se tornou praxe todo fim de ano, fiz uma lista dos cinco melhores lançamentos editoriais do mundo liberal e conservador de 2023 — seguida de uma breve descrição das obras. A lista de livros se baseia em minhas percepções, atuações, leituras e análise como editor, curador e consultor editorial de algumas editoras brasileiras.
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Esse top five que se seguirá — e desta vez serão apenas cinco lançamentos, pois acredito que isso torna mais especial e acurado essa lista — se refere exclusivamente aos lançamentos do setor de ciências humanas, excluindo ficção e poesia. A ordem é crescente, ou seja, para mim o 5º livro é o melhor e mais expressivo lançamento do ano.
Cabe novamente expressar, todavia, que se trata de uma opinião pessoal e que não leva em conta nenhum “clubismo” por editoras nas quais porventura eu trabalhe ou para as quais eu tenha prestado algum serviço neste ano.
Além disso, nem todas as indicações, obviamente, foram resenhadas em minha coluna semanal aqui em Oeste — como se notará —, seja por questão de tempo, seja por mera escolha minha. Algumas daquelas que não resenhei, porém, logo mais irão aparecerão por aqui, com certeza.
1 — Consenso Inc.: O Monopólio da Verdade e a Indústria da Obediência — Paula Schmitt (Avis Rara)
Editorialmente falando, poucos livros foram tão bem ajustados para passar uma análise crítica como o de Paula Schimitt. Bem escrito, bem fundamentado e filosoficamente coeso, ela vai ao âmago daquilo que costumo referir como “bug dos dias atuais”. Isto é, o consenso histérico, baseado numa latente e gritante mentira, todavia, que paulatinamente se torna a contraditória expressão de razoabilidade e tolerância em nossa sociedade.
O que Paula evidencia é que o identitarismo se tornou a maior subversão da realidade, o daltonismo moral de nossos dias, que tendo assumido o lugar da razão e do senso crítico mais elementar, agora dá ao homem comum uma militância autoritária e obrigatória apresentada em discursos cada dia mais ditatoriais. O “neoconsenso” contemporâneo é agora a subversão, a revolução se tornou o status quo, o bom senso nada mais é, hoje, que o senso relativista bizarro do progressismo.
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É necessário cultuar certa autonomia de espírito para contrapor um consenso tão “sagrado”, quanto secular, para os histriônicos militantes progressistas.
2 — Mestiçagem, Identidade e Liberdade — Antonio Risério (Topbooks)
Há muito que venho afirmando que Antonio Risério é um dos formadores de opinião e livre pensadores mais importantes do Brasil, seja por sua autonomia, seja por ser um “socialista de espinha ereta”, que insiste em não se curvar ao “progressismo identitarista” cada vez mais unânime na sociedade contemporânea.
Em Mestiçagem, identidade e liberdade, Risério relata novamente aquilo que Gilberto Freyre já tinha nos ensinado, destacando, todavia, que a mestiçagem é mais do que característica nacional, é quase uma realidade genética de nosso povo, ao ponto que importar problemáticas “raciais” e identitaristas para se conformarem à força à realidade nacional não é somente impossível, como de uma burrice histórica galopante.
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Um livro feito para desapaixonar militantes afoitos, para deixar nu o movimento neonegro que surge no Brasil, o qual foi importado dos Estados Unidos, com finalidades óbvias demais: ser aríete político do progressismo na América Latina. Autor de Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária (Topbooks) — livro resenhado por nesta coluna —, Mestiçagem, Identidade e Liberdade é o aprofundamento analítico-teórico daquilo que foi exposto mais panoramicamente no livro anterior.
3 — Indivíduo, Economia e Estado — Murray Rothbard (LVM e Instituto Liberal)
Tive a honra de editar, além de participar dos processos de preparação textual como um todo. Trata-se de um dos tratados liberais de economia mais respeitados e admirados por seus adeptos — e até mesmo por discordantes.
Abrangendo a economia desde seus porquês mais fundamentais, como o que é dinheiro e escambo, até os imbróglios da microeconomia e seus desenvolvimentos, Indivíduo, Eonomia e Estado consiste em um marco liberal. Como digo a amigos, é difícil não se tornar um liberal e até mesmo um defensor das teses austríacas depois de ler esse livro. Arrisco-me a dizer ainda que aqui está a prova de que somente um governo extremamente enxuto, um mercado livre e atuante, além de indivíduos empoderados e conscientes, podem produzir desde a famigerada democracia liberal, até riquezas realmente sustentáveis para todos.
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Uma obra que muda mentes — sou prova viva disso —, um livro que tira de uma vez por todas a tese de que o pensamento liberal/libertário é obscuro, palpiteiro e tão somente militante, colocando-o no topo da mais digna produção científica na área de economia e ciências sociais. O livro levou cinco anos em preparação, desde a tradução, revisões técnicas e ortográficas, até diagramação e edição final. Foi produzido, sob todos os aspectos, para ser tão grande e importante quanto ele realmente o é. Um dos mais célebres lançamentos editoriais libertários de 2023.
4 — Homens Comuns — Christopher R. Browning
Um dos livros mais impactantes que li este ano. Browning simplesmente descreve, a partir de um fato histórico, como o conformismo ideológico pode transformar homens comuns em assassinos sanguinários que autoanulam suas consciências em nome de uma obediência cega, resguardando-se em razões quebradiças e até mesmo banais: “ordens, são ordens”.
Quando qualquer senso de heroísmo do indivíduo é substituído pela passividade espiritual e morbidez política, covardes são carregados aos matadouros não como ovelhas, mas como machados, como carrascos sanguinários. O batalhão de Polícia da Reserva 101 era uma das mais “liberais” da Alemanha nazista, negar-se a cumprir ordens de matança e perseguição a judeus, que incluía matar bebês e velhos, comumente não era punido com nada além da dispensa.
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Todavia, como mostra o autor, ainda sim, homens comuns, que não professavam intimamente as crenças nazistas, por um apelo de rebanho, medo e prostração mental, escolhiam seguir adiante com suas demandas necrófilas. Um livro tão assustador como necessário, um desinfetante mental de ideologias e da apatia espiritual e política ante o mal secular.
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5 — O Dicionário do Conservadorismo — Olivier Dard, Christophe Boutin e Frédéric Rouvillois (É Realizações)
Um livro por cuja tradução no Brasil eu há muito ansiava. Trata-se de um dos melhores compêndios já escritos — de 704 páginas — sobre o conservadorismo histórico e filosófico. O pensamento conservador consiste em um conjunto de princípios comuns ajustados numa espécie de áurea de ação prática e compreensão moral da realidade, que por vezes é impelida à ação política, social e religiosa — somente por essa definição já fica claro como é difícil estruturar uma “história” do conservadorismo, ou uma espécie de “bê-à-bá” do pensamento filosófico conservador.
Entretanto, com certeza, Oliver Dard e Christophe Frédéric conseguiram organizar os melhores textos para uma compreensão clara e — quase — definitiva sobre o que é o pensamento conservador. E olha que este ano tivemos ótimo lançamentos editoriais sobre o pensamento conservador, como o Consciência e seus Inimigos, de Robert P. George, e O Movimento Intelectual Conservador na América, de George H. Nash — ambas do Clube Ludovico, da editora LVM.
Ainda sim, acredito que O Dicionário do Conservadorismo se destaca por sua amplitude de abordagem e capacidade de ser direto e relativamente de fácil compreensão para um público médio. Parece-me que o conservadorismo no Brasil já não é mais exatamente um bebê, e por isso merece um livro mais abrangente e substancial a respeito de sua cultura, tal como esse.