Maria Fátima Giradi, 60, é proprietária do Espaço Papagaio, um buffet infantil localizado na Vila Clementino, zona sul da cidade de São Paulo. A empresária coordena o estabelecimento há 12 anos. “Sempre fui funcionária em outros buffets, até surgir a oportunidade de adquirir o meu”, contou. Devido às medidas restritivas impostas pelo governador do Estado, João Doria (PSDB), e pelo ex-prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), o empreendimento quase fechou as portas. “Estamos proibidos de realizar eventos há 14 meses. O custo fixo do buffet é altíssimo, pois envolve taxas da prefeitura, encargos de funcionários, aluguel do imóvel, água, luz e telefone”, afirmou a empresária.
Giradi observou que o setor de eventos, no geral, foi prejudicado. “Do plantador de trigo aos fornecedores de bolos, doces e salgados, todos estão sofrendo. Trata-se de uma cadeia de desemprego e falência. Os dois fornecedores de salgados que possuíamos faliram”, disse a empresária, ao mencionar que sua companhia opera, hoje, como restaurante. “Ainda assim, está difícil pagar o aluguel”, desabafou. Segundo a empreendedora, o faturamento bruto anual do estabelecimento, antes da epidemia de coronavírus, era de R$ 890 mil. Hoje, é zero. A empresária revelou, ainda, que está tirando dinheiro do próprio bolso para manter o negócio em pé.
A situação é parecida com a de Ricardo Alves, 44, representante comercial da Engrave, empresa especializada em produtos personalizados para casamentos, como espátulas, facas e fotografias. A companhia em que trabalha sentiu o baque das medidas de restrição e viu diminuir sua carteira de clientes. “Muitos casamentos foram suspensos, outros feitos de forma discreta, com contenção de despesas. Então, realmente, ficou difícil. Firmamos alguns negócios, mas muito aquém do que se fazia antes. Tivemos dificuldade para comprar material e, assim, cumprir prazos. Isso faz com que percamos a credibilidade do negócio”, afirmou. “Hoje, também trabalho com brindes personalizados e faço corridas de Uber”, disse Ricardo, que não sabe se vai continuar no setor de eventos no pós-pandemia.
“Promovíamos mais de 300 eventos por ano. Aí, surgiu a pandemia”
As dificuldades não se limitaram à capital paulista. Leonardo Maronezi é dono do buffet Márcia & Marô Recepções, em Bauru, no interior de São Paulo. Conforme o empresário, o negócio fundado em 1993 quase encerrou as atividades no ano passado. Terceira geração de uma família tradicional do setor de eventos, Maronezi assegura que o lockdown praticamente extinguiu a procura por shows e festas. “Promovíamos mais de 300 eventos por ano. Aí, surgiu a pandemia”, disse. “O estabelecimento suportou os efeitos colaterais do coronavírus até junho de 2020. Depois disso, precisou adaptar-se às circunstâncias. Iniciamos o delivery, porém, o serviço não corresponde à lucratividade anterior, mas ajuda a sustentar os funcionários”, acrescentou.
A 148 quilômetros dali, em Taquaritinga (SP), Mauro Piva, 28, trabalhava promovendo eventos ao lado de mais seis sócios, desde 2011. “Estávamos decolando”, relembrou. “Houve momentos em que uma festa nossa tinha 700 pessoas no salão e mais 400 esperando do lado de fora, aguardando uma cadeira. Mas aí vieram a pandemia e as restrições. Ficou tudo difícil”, explicou, ao lamentar a falta de subsídios federal, estadual e municipal. Mauro e os amigos decidiram dar uma pausa nos eventos até que a reabertura da economia propicie lucros ao negócio ou o Estado providencie algum socorro efetivo. “Tirávamos um dinheiro bacana. Agora, é procurar outra função e esperar o mercado reagir.”
Maria Fátima Giradi, Leonardo Maronezi, Ricardo Alves e Mauro Piva fazem parte dos 98% de trabalhadores do setor afetados pela covid-19.
Mercado em agonia
Segundo levantamento realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae) em fevereiro deste ano, o setor registrou prejuízo de R$ 270 bilhões entre março e dezembro de 2020, fruto das medidas de restrição. O segmento representa 13% do Produto Interno Bruto (PIB) e possui 60 mil empresas que dependem diretamente da realização de eventos para funcionar, além de 2 milhões de microempresários. Antes da crise sanitária, o mercado gerava 8 milhões de postos de trabalho. Em decorrência do confinamento, mais de 3 milhões de pessoas ficaram desempregadas, de acordo com o Sebrae.
O ramo deixou de faturar, ao menos, R$ 90 bilhões
Conforme a mais recente pesquisa da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), até fevereiro deste ano, mais de 350 mil eventos deixaram de ser realizados em 2020, entre shows, festas, congressos, rodeios, eventos esportivos, teatro, entre outros. Cerca de 40% das empresas mudaram o modelo do negócio, enquanto 60% encerraram as atividades. Surpreendentes 95% tiveram queda brusca de receita. O ramo deixou de faturar, ao menos, R$ 90 bilhões, constatou Doreni Caramori, presidente da Abrape. De acordo com ele, um terço das empresas em atividade terá muita dificuldade para reabrir durante a flexibilização das medidas de isolamento.
“Para reaquecer o setor, estamos trabalhando em duas frentes: (1) buscar soluções de modo a manter o capital de giro das empresas e, para isso, é importante ter crédito, redução de impostos, parcelamentos, entre outras coisas; (2) ao conseguir isso, queremos gerar margem, com a finalidade de que as companhias consigam pagar o endividamento absorvido durante a crise, quando elas voltarem. Temos trabalhado muito no contexto de isenção fiscal”, explicou Doreni.
O presidente da Abrape comemorou o pacote de socorro ao setor de eventos, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em 3 de maio deste ano. As medidas incluem renegociação de dívidas tributárias e o direcionamento de 20% dos recursos do Programa de Crédito a Micro e Pequenas Empresas, o Pronampe, além de destinar entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão do Fundo Garantidor para Investimentos aos afetados. Segundo o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, entre 10 milhões e 20 milhões de famílias poderão ser alcançadas pela iniciativa.
“Depois da implementação desse pacote, o governo ainda vai precisar regulamentar, rapidamente, os itens sancionados e apresentar as medidas de complemento prometidas”, ressalvou Doreni. Para ele, o principal foi a aprovação das linhas de crédito. “Veio em boa hora. Muitas empresas estavam pegando dinheiro do caixa para pagar os tributos. Acho que as medidas vão dar fôlego para o empreendedor”, disse. “Minhas expectativas para o futuro são boas. O setor de eventos tem potencial de crescimento rápido. Há um desejo enorme pela retomada do setor tanto dos empresários, quanto dos brasileiros.”
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O grande paradoxo é o fato dos servidores públicos federais passarem imunes pela crise, como merecessem uma imunização exclusiva. Para muitos deles foi um período de tranquilidade, enquanto o país viveu, e ainda vive, esse drama que jamais esqueceremos.
Tudo muito triste
Este é o rastro de destruição deixado não apenas pelo covid, mas principalmente, pela gestão desastrada de prefeitos e governadores. Isto é apenas uma amostra do que vem por aí.