(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 25 de maio de 2022)
É óbvio que tem de haver alguma coisa profundamente errada com a administração pública de um país quando a sua maior empresa estatal, considerada como o templo universal da “presença estratégica do Estado na economia”, chega a seu quarto presidente em três anos e meio de governo. Este último durou um mês, possivelmente um recorde mundial de rapidez no comando de uma petroleira do tamanho da Petrobras. Não há possibilidade, aí, de que alguém tenha acertado alguma coisa. Ou erraram quando ele foi nomeado para o cargo, porque o cidadão não tinha a menor condição de dar conta do serviço — ou erraram quando ele foi demitido, porque era competente demais e estava incomodando os outros habitantes do bioma em que se decidem essas coisas. Nas duas hipóteses, quem leva na cabeça é a população brasileira — na teoria, e segundo os mitos e lendas do folclore político nacional, a proprietária da Petrobras. É o tipo da propriedade ruim de ter. Quando dá prejuízo, como conseguiram fazer no governo do PT, todo mundo paga. Quando dá lucro, como acontece agora com a explosão do preço mundial do petróleo, os donos não recebem um tostão furado.
O novo e quarto presidente da Petrobras, acredite quem quiser, é formado em “comunicação social” — pelo jeito, o governo acha que o problema da empresa, que nos últimos meses tem sido castigada por uma das piores tempestades de sua história, é de “imagem”. Quem sabe melhorando a “comunicação” o problema vai embora? É pouco provável que seja isso, porque já estamos no quarto presidente em menos de quatro anos e a crise da Petrobras fica cada vez pior. Mas, seja como for, a questão real está na cara de todo mundo, e ninguém até agora foi capaz de vir com uma única ideia coerente para ela: os preços que estão sendo pagos pelos “donos” da Petrobras nas bombas de combustível são caríssimos. São os preços atualmente pagos lá fora. Mas e daí? As pessoas não vivem “lá fora”.
Ninguém consegue entender por que o Brasil, produtor de petróleo, tem de pagar o explosivo preço internacional do produto — os custos internos de produção, refino e distribuição não são os mesmos? Não deveriam estar dentro dos limites da inflação brasileira? Por que estão repassando o preço imposto na Arábia Saudita para o petróleo produzido no litoral do Rio de Janeiro? Não se entende, mais ainda, que a Petrobras esteja “em crise” — e tenha conseguido lucros mais de 30 vezes superiores aos que teve em seu último exercício. “Crise”? Como assim? As almas simples também perguntam por que a população não está recebendo os lucros da empresa na forma de combustíveis mais baratos. Ela, população, não é a proprietária da Petrobras, segundo garantem os políticos de esquerda, centro e direita? Não deveria, então, estar tendo algum benefício com isso? Se não recebe nada do lucro, deveria talvez receber algum trocado no preço, não é mesmo?
Naturalmente, observações como essas são desconsideradas sem maior discussão — são leigas, amadoras e deficientes do ponto de vista técnico, dizem os especialistas. A Petrobras deve ser gerida de acordo com o preço internacional do petróleo? Ou de acordo com os seus custos internos? Como se pode encontrar o melhor equilíbrio entre o petróleo que a empresa extrai no Brasil e os combustíveis que precisa importar, por que suas condições de refino não cobrem todas as necessidades da frota brasileira? Há uma multidão de engenheiros, economistas e outros luminares tratando do assunto; deveriam, após quase 70 anos de existência da Petrobras, ter chegado a algum tipo de consenso em relação a essas questões. É obvio que não chegaram.
O que continua obscuro, de qualquer forma, é o possível proveito que o cidadão brasileiro tem a tirar da Petrobras. Os militantes do estatismo dizem que o lucro da empresa é bom, porque volta para o Estado e daí, supostamente, é aplicado no bem-estar geral dos povos. É uma piada. Jamais a Petrobras ganhou tanto dinheiro como hoje, e jamais a população esteve tão distante de participar dessa festa — ao contrário, está pagando mais caro do que nunca pelo combustível que compra no posto ou pelo gás que leva para casa. O lucro da Petrobras, todo ele, vai para buraco negro do Tesouro Nacional — onde se desmancha sem deixar nenhum vestígio que algum brasileiro possa perceber. O resto é conversa que não rende nada.
Leia também: “Para que serve a Petrobras”, artigo de J.R. Guzzo publicado na Edição 49 da Revista Oeste