Quem acompanha o noticiário econômico certamente esbarrou em reportagens sobre gigantes do varejo que anunciaram pedidos de recuperação judicial ou tiveram balanços negativos nos últimos meses.
E não é só impressão. Os pedidos de recuperação judicial no país saltaram 80% no acumulado do ano até abril, segundo o Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian, divulgado na semana passada.
Ao todo, foram 685 pedidos nos quatro primeiros meses do ano, ante 382 no mesmo período do ano passado. Aliás, em 2023, o número de pedidos subiu 68,7% em relação a 2022.
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Dos números levantados, 114 pedidos de recuperação judicial em abril foram feitos por micros e pequenas empresas (MPEs). O valor soma 78% do total registrado no mês.
O resultado é o terceiro pior para um único mês desde o início da série histórica levantada pela Serasa Experian. O número só fica atrás de setembro de 2016 (244 pedidos) e de março de 2018 (190 pedidos).
Especialistas ouvidos por Oeste concordam que o varejo brasileiro enfrenta um sério período de crise. Entre vários motivos, estão a inflação e a concorrência de gigantes asiáticas, como Shein e Shopee.
Fator confiança
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni de Angelo, o desempenho do varejo de bens e serviços no curto prazo depende fundamentalmente da condução da política monetária e fiscal. Além disso, é necessário contar com renda disponível, confiança do consumidor, condições do mercado de trabalho, preços dos bens e serviços e crédito.
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“Não há nada pior para o consumo das famílias (bens e serviços, pouco mais de 72% do PIB) que um aumento acelerado dos preços”, disse Felisoni de Angelo.
“A inflação é um imposto, pois retira renda real dos indivíduos. Porém, não é apenas um imposto”, prosseguiu o presidente Ibevar. “É um imposto regressivo, onera mais exatamente quem menos pode se proteger contra os efeitos deletérios da inflação.”
Gigantes do varejo enfrentam crise
Em um dos casos de recuperação judicial mais recentes, a Polishop entrou com o pedido na Justiça com uma dívida de quase R$ 400 milhões.
Para o especialista em varejo da Strong Business School, Ulysses Reis, a empresa de João Appolinário pecou no preço e no modelo de negócio. Ele relembra que a Polishop foi uma das pioneiras em infomerciais no Brasil — aqueles programas longos que anunciam produtos pela televisão.
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“Mas o grande problema da Polishop é uma questão de preço”, afirma. “Eles sempre praticaram preços muito elevados. O que acaba acontecendo é que, numa época onde não se tinha internet e acesso a informações, o consumidor não tinha como avaliar se o preço daquele produto era viável.”
Fato é que, no auge dos infomerciais, a Polishop se deu muito bem. O problema, segundo o especialista, é que a empresa teve dificuldade em readequar seu modelo de negócio depois do surgimento dos e-commerces.
“Hoje o consumidor pode pesquisar preço e ver o que outros clientes acham realmente dos produtos, por exemplo”, diz Reis. “A realidade é que a Polishop até sobreviveu por muito tempo.”
Para Reis, o modelo de negócios da varejista se tornou inviável, especialmente a partir de 2023. “À medida em que se pratica um preço muito elevado ao mesmo tempo em que o consumidor tem acesso a informações e vê que o produto não vale esse preço, a empresa perde mercado”, observou o especialista. “E foi exatamente o que aconteceu com a Polishop.”
Na mesma linha, a rede de supermercados Dia também entrou com pedido de recuperação judicial. Na última semana, inclusive, o grupo espanhol vendeu a operação no Brasil pelo valor simbólico de € 100 (cerca de R$ 574 reais, na cotação atual).
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“Eles tiveram um problema de adequação cultural à realidade brasileira”, avalia Reis. “Dentro da loja deles, você encontrava o que basicamente uma pessoa da Argentina, do México ou da Espanha queria, mas não necessariamente o que um consumidor brasileiro gostaria.”
O especialista afirma que o mesmo erro ocorreu quando o Walmart desembarcou pela primeira vez no Brasil, em 1995. “Eles chegaram aqui vendendo bota de neve e roupas pesadas para esqui. Em compensação, não entendiam, por exemplo, que o brasileiro gosta de fazer um churrasco, e que precisava de carvão e espetinho.”
“Mar não está para peixe”
Para os especialistas, o cenário para o varejo não é dos mais animadores, ao menos no curto prazo. “Temos que considerar o seguinte: o mar infelizmente não está para peixe”, afirma Felisoni de Angelo.
Ele cita como exemplo algumas menções feitas no Fórum Econômico Mundial. Uma delas afirma que as perspectivas imediatas para a economia global e para grande parte da população mundial são “sombrias”.
E o relatório acrescenta: “Os desafios vão testar a resiliência das economias e sociedades e exigir um preço humano punitivo”.
Já o presidente do Conselho Regional de Economia da 2ª Região (Corecon-SP), Pedro Afonso Gomes, vê acordos de recuperação extrajudicial — como o homologado recentemente pela Casas Bahia — como um caminho a ser trilhado por todas as grandes redes varejistas.
“Essa modalidade de recuperação difere da recuperação judicial, não só pelo seu custo infinitamente inferior e o prazo de tramitação reduzido, como também como indutor para que os demais credores adiram a ele”, avalia Gomes. “E a reestruturação empresarial seja feita de modo planejado e realista.”
Claro que estes “especialistas “ não sabem de nada , falar que a Walmart queria vender botas pra neve e esqui e por isso se deu mal é de uma estupidez enorme.
Que falta faz gente séria, competente e responsável, não é mesmo?
Exatamente!