Artigo publicado originalmente na Edição 208 da Revista Oeste.
É difícil encontrar alguém da minha geração que não tenha passado por toda a adolescência nos anos 1980 ouvindo as músicas do grupo brasileiro de rock Ultraje a Rigor. Uma das canções mais tocadas naquela década foi Inútil, do primeiro álbum da banda. Mesmo fazendo parte de um disco que emplacou muitos sucessos, Inútil se destacou pela letra, muito propícia para os tempos que o Brasil vivia. O país passava pelo período das lutas pelas “Diretas Já”, e a frase “A gente não sabemos escolher presidente” virou um hino de quem saía pelas ruas em protestos pedindo eleições diretas.
“A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente
A gente não sabemos nem escovar os dente
Tem gringo pensando que nóis é indigente
Inútil!
A gente somos inútil!
Inútil!
A gente somos inútil!”
O erro proposital de concordância imposto em toda a letra mostrava o protesto e as críticas que Roger Moreira, líder e vocalista da banda, queria fazer. Depois de quase 40 anos desde o seu lançamento, a letra continua atual, mostrando que, apesar do imenso despertar político nos últimos anos, ainda há muitos brasileiros que não se importam com o que acontece em Brasília. E, de fato, muitos ainda não sabem escolher presidentes.
Apesar de várias tentativas de ser barrada pela censura, a música seguiu tocando incansavelmente nas rádios e festinhas por todo o Brasil, impulsionada pelo sucesso que o rock fazia na época. E, mesmo sem eleições diretas, Inútil continuou na boca das pessoas e fez com que a banda Ultraje a Rigor se firmasse como uma das maiores bandas de rock nacional da nossa história. Hoje, como um bom clássico, a letra e espírito da canção são usados como um jargão para as muitas coisas que se tornam completamente inúteis em nossas vidas, no Brasil e no mundo — como as Nações Unidas, por exemplo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) — nome chique — foi estabelecida em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, com o principal objetivo de prevenir futuros conflitos e promover a cooperação internacional e a paz. Suas origens remontam ao fracasso da Liga das Nações em evitar o surgimento da Segunda Guerra Mundial. Os fundadores da ONU buscaram criar uma organização internacional que seria mais eficaz, que pudesse abordar questões globais e prevenir conflitos por meio de ação coletiva.
Uma das características-chave da ONU é sua Assembleia Geral, onde todos os Estados membros têm representação igual e podem discutir e votar uma ampla gama de questões. Além disso, o Conselho de Segurança, com seus cinco membros permanentes (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos), tem a responsabilidade primária de manter a paz e a segurança internacionais — o que não tem acontecido nas últimas décadas.
A importância da ONU deveria residir em sua capacidade de fornecer um fórum para cooperação internacional, diálogo e diplomacia, e servir como plataforma para abordar uma ampla gama de desafios globais, incluindo resolução de conflitos, questões de direitos humanos, mudanças climáticas, pobreza e mais. Por meio de suas agências e programas especializados, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a ONU deveria desempenhar um papel vital no fornecimento de assistência humanitária e promoção do desenvolvimento sustentável em todo o mundo.
Mas a realidade está longe, muito longe, do mundo de pombinhas brancas e falsas diplomacia e preocupação que a ONU prega através de seus ativistas entupidos de dinheiro dos globalistas. Ao longo dos últimos anos, a ONU vem enfrentando críticas e desafios à sua eficácia. Uma das críticas é que muitos de seus comitês e órgãos se tornaram politizados, levando a ineficiências e impasses nos processos de tomada de decisão. Seus membros hoje priorizam seus próprios interesses sobre o bem comum, resultando na incapacidade da ONU de abordar efetivamente questões globais urgentes.
O Conselho de Segurança, em particular, tem sido objeto de controvérsia devido ao poder de veto exercido por seus membros permanentes. Críticos argumentam que essa dinâmica de poder pode prejudicar a capacidade do Conselho de tomar ações decisivas, especialmente em casos em que um ou mais membros permanentes têm interesses conflitantes — como agora. Um grande problema estrutural é que os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Grã-Bretanha e a França são os únicos membros permanentes do poderoso Conselho de Segurança, de 15 lugares, desde 1945. Cada um tem poder de veto. Regimes autoritários como a China e a Rússia utilizam frequentemente esse poder de veto para apoiar países como a Coreia do Norte, impedindo assim quaisquer resoluções significativas para grandes crises, como na Síria, na Ucrânia e agora em Israel e Gaza.
As controvérsias e hipocrisias que cercam a organização são imensamente maiores do que sua utópica aura de bondade. Os casos que desnudam suas páginas políticas e sujas de interesses financeiros são extensos. Não precisamos ir muito longe para acessá-las, e elas dariam um livro grosso.
Imagine por um momento um mundo onde um país que inicia uma pandemia global, mente sobre esses dados, espiona seus próprios cidadãos e suprime as liberdades obtém uma posição de liderança num organismo internacional em matéria de direitos humanos. Bem, não imagine mais, porque foi exatamente isso que aconteceu em 2020, quando a China recebeu uma posição de destaque num painel do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (UNHRC), onde liderou — pasmem! — a escolha dos investigadores de direitos humanos da organização internacional. A posição inclui a monitoração global da “liberdade de expressão, saúde, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias”. Sim. Isso mesmo que você leu.
Em vez de punir a China por suas ações grotescas e bárbaras, as Nações Unidas recompensaram o regime tirânico com ainda mais poder e influência na tomada de decisões importantes que afetarão o mundo
Esta não é a primeira vez que o Conselho dos Direitos Humanos é criticado por completa falta de bom senso e sinceridade em matéria de direitos humanos. No início de 2020, Venezuela, Mauritânia e Sudão receberam assentos no controverso órgão, apesar dos contínuos atos de brutalidade e opressão contra o seu povo. Outras nomeações provocativas anteriores para o Conselho incluem países como Cuba, Arábia Saudita e, sim, a China. Essa impressionante hipocrisia, juntamente com as constantes críticas a Israel, levaram os Estados Unidos a abandonar o Conselho em 2018.
O Partido Comunista Chinês (PCC), que governa o país, é conhecido por sua supressão consistente dos direitos humanos básicos. Em 2018, o Departamento de Estado dos EUA divulgou seus Relatórios Nacionais sobre Práticas de Direitos Humanos, fornecendo informações sobre as violações dos direitos humanos em todo o mundo. Embora o relatório analise os abusos de todos os países, a China e sete outras nações foram destacadas por se envolverem em algumas das piores atrocidades do planeta.
O governo chinês está entre os piores do mundo no que diz respeito à perseguição de fiéis religiosos. O caso mais notável é demonstrado na região de Xinjiang, onde uigures e outras minorias muçulmanas estão presos em campos de concentração. Os extremos e extensos abusos relatados por ONGs independentes nesses campos de “reeducação”, como são chamados pelos chineses, incluem tortura, trabalho forçado e esterilização obrigatória de mulheres.
Em vez de punir a China por suas ações grotescas e bárbaras, as Nações Unidas recompensaram o regime tirânico com ainda mais poder e influência na tomada de decisões importantes que afetarão o mundo. A organização continua a provar repetidamente que é um órgão irresponsável e falido, cheio de burocratas globalistas que estão dispostos a fechar os olhos às violações evidentes dos direitos humanos que os enfrentam.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU, repleto de violadores dos direitos humanos, como o Paquistão, o Cazaquistão e a Venezuela, faz questão de condenar Israel em cada uma das suas reuniões. A comissão que cuida do Estatuto da Mulher condenou Israel como o único país do mundo que viola os direitos das mulheres palestinas, ignorando as violentas e bárbaras ações cometidas pelo Hamas e pela Autoridade Palestina, assim como muitos abusos sofridos por mulheres em países como o Irã, a Arábia Saudita e o Paquistão.
Na verdade, em 2017, as Nações Unidas votaram para colocar a Arábia Saudita na sua Comissão dos Direitos da Mulher. Por favor, leia pausadamente: a principal organização internacional colocou intencionalmente a Arábia Saudita, um país conhecido pelos abusos às mulheres, numa comissão dedicada à promoção dos direitos das mulheres. A votação realça mais uma vez a farsa que é a ONU e quanto a entidade se afastou da sua concepção e propósito originais. A Arábia Saudita se juntou às fileiras ilustres da comissão, com “exemplos dos direitos das mulheres”, como o Irã, que está no grupo desde 2010.
Durante anos, mesmo com registros deploráveis em matéria de direitos humanos no seu Conselho de Direitos Humanos, a ONU colocou para dentro países como a Líbia, incluída no Conselho em 2010, quando o ditador Muammar Gaddafi ainda estava no poder. Cuba, entre todos os lugares, foi votado para a comissão em 2009, 2013 e 2016.
Hoje sabemos que pelo menos 12 funcionários da United Nations Relief and Works Agency (UNRWA), um braço dentro da ONU que deveria fornecer ajuda a refugiados palestinos, participaram no massacre de judeus comandado pelos bárbaros do Hamas em 7 de outubro — e não apenas oferecendo ajuda logística ou coordenação, mas por vezes participando no próprio sequestro e assassinato de civis.
Israel forneceu aos EUA informações que provam que cerca de 1,2 mil — ou cerca de 10% — funcionários da ONU em Gaza têm ligações diretas com o Hamas ou com a Jihad Islâmica. Quase metade dos funcionários da UNRWA são familiares próximos de membros de vários grupos terroristas. Logo após o ataque terrorista em outubro, quase 250 mil publicações de usuários no grupo de conversas da UNRWA foram traduzidas. Milhares dessas publicações elogiavam o Hamas com mensagens como “Que Alá mantenha os pés firmes e guie a sua mira”.
Hoje se fala muito nas atuais guerras que tomam conta do noticiário entre Rússia e Ucrânia, e Israel e Hamas. Mas há outras dezenas de guerras e massacres pelo globo propositalmente esquecidas por governantes e pela organização.
A crise em curso na Síria, por exemplo, revela mais uma vez as divisões nas Nações Unidas e por que razão a organização está condenada a falhar na sua missão de promover a paz e proteger os direitos humanos. Fala-se tanto sobre um cessar-fogo dos israelenses, mas Rússia e China vetaram por várias vezes resoluções do Conselho de Segurança da ONU que apelavam a um cessar-fogo de sete dias na Síria que teria permitido que a ajuda humanitária chegasse ao leste de Aleppo.
É bem sabido que a ONU é uma das organizações mais corruptas do planeta. A organização nunca emitiu quaisquer relatórios detalhados sobre como gasta os fundos com que os membros, principalmente os EUA, contribuem, e raramente submete a sua contabilidade e finanças a auditoria externa.
Em 2005, a última vez que foi realizado um inquérito independente sobre as finanças e a responsabilização da ONU, uma comissão do Banco Central americano (Fed) descobriu um esquema de corrupção gigantesco no programa “petróleo por alimentos” no Iraque. Após a divulgação de que o programa humanitário da organização era um enorme escândalo, a ONU prometeu reformá-lo. Um grupo de trabalho especial anticorrupção foi criado em 2006, e dissolvido no final de 2008.
Enquanto isso, no meio das crises globais, os pobres do mundo morrem diariamente devido ao acesso limitado a hospitais, medicamentos e tratamentos adequados. No entanto, uma das mais atuais preocupações das Nações Unidas está em pressionar os países a legalizarem o aborto, os tratamentos hormonais, as terapias de “afirmação de gênero”.
Em 2021, quando o mundo tentava sair da pandemia, o interesse principal do relatório anual da ONU não foi lidar com as consequências daquele desastre histórico, mas, sim, avançar com uma agenda de esquerda radicalizada em matéria de “direitos reprodutivos”. Em vez de garantir que as pessoas nos países em desenvolvimento tivessem acesso a cuidados e medicamentos de qualidade, a ONU focou em garantir que o aborto fosse promovido em todo o mundo, que os hormônios sexuais estivessem prontamente disponíveis e que os médicos que realizassem cirurgias de mudança de sexo não enfrentassem limitações ou sanções médicas.
Que longo caminho percorreu a ONU, desde ser a melhor esperança do mundo e de nunca repetir os horrores da Segunda Guerra Mundial até se tornar uma organização ridícula que rotineiramente zomba dos direitos humanos e se engolfa num lamaçal de dinheiro e poder.
A letra da música Inútil cabe perfeitamente para o que a ONU hoje significa para o mundo. Uma inutilidade. Mas vem de outra canção, do mesmo álbum do grande hit dos anos 1980, a aura perfeita da organização mais desnecessária, improdutiva e narcisista do planeta:
“Há tanto tempo eu vinha me procurando
Quanto tempo faz, já nem lembro mais
Sempre correndo atrás de mim feito um louco
Tentando sair desse meu sufoco
Eu era tudo que eu podia querer
Era tão simples, eu custei pra aprender
Daqui pra frente nova vida eu terei
Sempre a meu lado bem feliz eu serei
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim!”
Eu me amo, eu me amo
Não posso mais viver sem mim!”
Leia também “Uma democracia que não é relativa”
Excelente artigo.
A ONU era uma farsa. Agora é mais um esgoto a céu aberto. E por falar em MPB, um repertório de estrondoso sucesso dos anos 70 encontra-se atualíssimo. Por exemplo: “Meu caro amigo até queria lhe escrever, mas é que as redes andam ariscas”.
Parabéns Ana Paula. Só tive acesso ao teu texto hoje por conta de dificuldade para logar na revista. Mas, se me permitires a crítica, a tua crítica só serve aos que tem algum pingo de caráter e isso está faltando em muita gente.
Hoje em dia é uma organização de faz de conta , já não segue os preceitos básicos de direitos humanos e vende uma imagem de organização preocupada com os direitos dos cidadãos ( ou , como dizem os canhotos , cidadões ). Parabéns, Ana pelo seu comentário.
ANA PAULA EXCELENTE ANALISE !!!!
REALMENTE A ONU É INUTIL …É INUTIL…..É INUTIL…
Parabéns pelo resumão do que a ONU é. Precisamos fazer com que os nossos impostos suados não vão mais para esse tipo de aberração.
Lembrando que aquele desenho de pombo branco da “paz” feito pelo Picasso foi por encomenda do Stalin ! Pelo fim da ONU !!!!
A notável politização afetou essa organização. Intelectuais, na verdade pseudointelectuais, de esquerda têm fetiche por governos autoritários e ditadores.
Parabéns pelo artigo! Foi perfeito e confirma a máxima que um ex-professor gostava de dizer. “Dizem que a esperaça é a última que morre, mas o pior é que ela morre da gente esperar.” O artigo deixa bem claro que a imaginada esperança da UNO já morreu faz tempo e o pior é que poucos perceberam e agora está aparelhada para exacerbar conflitos e vai piorar.
Já passou da hora desse órgão se extinto. Não serve para nada. Como bem diz a letra da música mencionada no artigo acima completamente inútil.
Como sempre, Ana Paula foi cirrurgica…!
Mim quer tocar
Mim gosta ganhar dinheiro (dinheiro)
Me want to play
Me love to get the money (the money)
Mim é brasileiro
Mim gosta banana (banana)
Mas mim também quer votar
Mim também quer ser bacana (bacana)