George Piro, um agente especial libanês-americano, foi o escolhido para interrogar Saddam Hussein. O então ditador do Iraque havia sido encontrado escondido em um buraco em dezembro de 2003, nove meses depois da invasão do país pelos Estados Unidos.
Na época, o presidente George W. Bush ordenou a invasão sob o argumento de que o ditador escondia armas de destruição em massa.
Durante sete meses, o agente do FBI conversou com Saddam na prisão. Foram várias horas tentando tirar informações que confirmassem a história vendida pelos americanos.
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“No meu primeiro encontro com Saddam, em 30 segundos, ele sabia duas coisas sobre mim”, relatou em entrevista a Peter Bergen, da CNN. “Eu disse meu nome, e ele imediatamente afirmou: ‘Você é libanês’. Eu contei que meus pais eram libaneses, e então ele acrescentou: ‘Você é cristão’.”
Os interrogatórios formais aconteciam uma ou duas vezes por semana, mas Piro encontrava-se com Saddam diariamente. “Eram cinco a sete horas individualmente”, contou. O objetivo era desenvolver uma confiança com o ditador. “Conversamos sobre tudo. Meu objetivo era apenas fazê-lo falar.”
Segundo Piro, Saddam queria ser considerado um dos maiores líderes árabes muçulmanos da história. “Em sua mente, ele era o terceiro maior guerreiro árabe”, descreveu o agente.
Piro contou que no aniversário de 67 anos, Saddam viu pela TV os iraquianos celebrando o fato de eles não serem obrigados a comemorar o aniversário do ditador, como ocorria anualmente. “E teve um impacto emocional significativo sobre ele. Isso o afetou, o deixou deprimido.”
Invasão do Iraque pelos EUA
Saddam revelou que não ficou surpreso com a invasão dos EUA em março de 2003.
“Inicialmente, ele não pensou que iríamos invadir. Ele tinha a impressão de que faríamos ataques aéreos”, observou Piro.
“É por isso que ele foi desafiador até setembro de 2002, quando mudou sua postura e permitiu que os inspetores de armas entrassem no Iraque. Ele só foi perceber em novembro daquele ano que a guerra era inevitável.”
Armas de destruição em massa
Durante o período em que o agente passou com Saddam, eles só foram conversar sobre as armas de destruição em massa depois de cinco meses de interrogatório.
Em junho de 2000, Saddam fez um discurso afirmando que o país tinha armas de destruição em massa. Isso foi o início das suspeitas contra o ditador.
“Então, o que ele me disse foi que, claro, o Iraque não tinha as armas de destruição em massa que suspeitávamos que tivesse”, falou o ex-agente. “E quando ele me contou sobre aquele discurso, revelou que seu maior inimigo não eram os Estados Unidos ou Israel. Seu maior inimigo era o Irã, e ele me disse que estava constantemente tentando equilibrar ou competir com o Irã”, detalhou o agente.
“O maior medo de Saddam era que, se o Irã descobrisse o quão fraco e vulnerável o Iraque havia se tornado, nada os impediria de invadir e tomar o sul do Iraque. Portanto, seu objetivo era manter o Irã afastado.”
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Os dois países travaram um conflito ao longo de oito anos, na década de 1980, resultando em disputas fronteiriças por causa de questões políticas e religiosas.
Segundo o interrogatório, o ditador propositalmente foi enganoso ou ambíguo sobre o assunto para repelir as ameaças. A intenção de Saddam, na época, era não permitir que os iranianos percebessem que o Iraque havia perdido a capacidade militar por causa das sanções dos EUA.
“Ele blefou fazendo seu maior inimigo acreditar que era tão poderoso e perigoso quanto na década de 1980.”
Julgamento do ditador Saddam Hussein
Boa parte das informações extraídas pelo agente durante os interrogatórios serviu de base para o julgamento de Saddam, como os crimes contra o povo iraquiano.
“Todos entendíamos que, em algum momento, ele teria que enfrentar a Justiça pelas atrocidades que cometeu”, destacou Piro. “Ele admitiu todos os crimes.”
O agente reforçou que “Saddam foi um dos ditadores mais brutais de nosso tempo e foi responsável por algumas das atrocidades mais horríveis da história.”
O ditador foi executado em dezembro de 2006. O enforcamento foi transmitido pela televisão estatal iraquiana.
“Conversamos sobre sua execução porque ele sabia que seria condenado e morto”, acrescentou. “Para ele, sua morte seria para reparar ou redimir sua imagem. Ele queria superar a cena de ser puxado para fora do buraco onde foi capturado por soldados americanos. Alguns o rotularam de covarde por não resistir ou lutar.”
A história vai virar livro
Depois de interrogar Saddam, Piro ascendeu a cargos de alto escalão no FBI. Ele se aposentou no ano passado como agente especial. Agora está escrevendo um livro sobre seus longos interrogatórios com o ditador iraquiano.
“Saddam me disse que eu o conheci melhor do que seus dois filhos porque acabei passando mais tempo com ele do que seus filhos”, concluiu.
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