Muito do debate atual sobre diferenças ‒ ou igualdades de ‒ gênero está pautado em ideologias e militâncias. Ainda que eu acredite que tenha sido o progressismo histérico que tenha causado essa peleja disfuncional e sem nenhuma base científica séria, a resposta conservadora também não vem sendo dotada de maior cientificidade e razão quando, na volúpia de condenar as proposições absurdas do progressismo nesse campo, ela se vale de dogmas religiosos como chicote e de um senso comum correto, porém, por vezes, exposto de forma banal e até violenta.
A ideologia de gênero ‒ ou teoria de gênero, como queiram ‒, carrega em seu âmago a ideologia. Isso quem diz e mostra é sua principal teorizadora, Judith Butler. Em seu famoso livro Problemas de gênero, vincula de forma radical a pesquisa e problemática de gênero às causas identitárias e às filosofias parciais advindas da Escola de Frankfurt e de outras escolas de ideias agregadas.
Os seus teóricos mais proeminentes parecem deliberadamente dispensar o empirismo científico para se agarrarem à maleabilidade daquilo que eles definem como cultura e contexto. Desse modo ‒ e me desculpem os trocadilhos a seguir ‒, estudar de forma séria a problemática de gênero, hoje, tornou-se um problema muito maior do que a própria problemática de gênero.
Onde fincar convicções e se balizar se nem mesmo a mais factual das percepções, se nem mesmo a realidade mais patente, está a salvo da desintegração causada pelas ideologias relativistas? Se não há certezas fundamentais a que se agarrar, quem tem a melhor retórica vence no momento, mas vencer, nesse caso, não é garantia de verdade. Eis, pois, o imbróglio moderno que reveste esse debate.
Tirar a ciência dos diretórios partidários e dos conchavos ideológicos é de uma urgência cabal.
Assim sendo, a única forma de estudar as diferenças de gênero trata-se de se apoiar em estudos fundamentados, empíricos, desvinculados de conclusões pré-concebidas ou de apoios a pesquisas que prescrevem os resultados esperados a fim de endossar narrativas. Restabelecer, então, o princípio básico de que podemos perceber a realidade e que a realidade pode ser percebida sem que nenhum ideólogo de ocasião se apresente como tradutor do óbvio, alquimista do evidente, é o ponto de partida. Tirar a ciência dos diretórios partidários e dos conchavos ideológicos é de uma urgência cabal.
É isso que se propõe Leonard Sax em Por que gênero importa?; lançado em 2019 pela LVM editora, sob o ótimo trabalho de tradução de Paulo Polzonoff, o livro já foi recomendado por grandes nomes tanto no exterior como no Brasil. O autor é formado em biologia pelo MIT e doutor pela Universidade da Pensilvânia em psicologia clínica. Ele se especializou em educação familiar e acredita piamente que a educação deveria tratar as diferenças sexuais como parceiras para o desenvolvimento integral e responsável dos indivíduos, e não o contrário. Os contextos sociais e familiares deveriam facilitar os desenvolvimentos psíquicos e biológicos dos indivíduos, e não atrapalhar ou confundir.
Mulheres e homens são diferentes não porque querem, não porque assim foram instruídos e doutrinados, mas são assim num aspecto mais basal e profundo, num terreno estruturante que vem antes da própria política e apreensão contextual.
O que o autor faz, assim, é mostrar que, ao contrário do que o mainstream afirma ‒ incluam-se aqui as grandes universidades e muitos respeitados órgãos científicos supostamente independentes ‒, existe sim uma vasta literatura científica que apoia não somente a percepção comum e óbvia das diferenças inatas entre os sexos feminino e masculino, como tais pesquisas sérias, muitas vezes, colocam os desenvolvimentos cerebrais e psicológicos em linhas paralelas, sem jamais se cruzarem.
Sax mostra-nos que certas atitudes e percepções são diferentes entre homens e mulheres não por meros contextos e pedagogias, mas porque os próprios hormônios e estruturas cerebrais de cada sexo assim programam os indivíduos. Mulheres e homens são diferentes não porque querem, não porque assim foram instruídos e doutrinados, mas são assim num aspecto mais basal e profundo, num terreno estruturante que vem antes da própria política e apreensão contextual. A suas constituições biológicas os prepararam para agir, pensar e conjecturar de formas diversas ‒ e não há nenhum problema nisso, afirma o psicólogo.
Dessa maneira, a distinção alargada e propositalmente confusa que o progressismo faz entre sexo biológico e gênero percebido é lentamente desmontado no percurso do livro. Essa distonia atualmente pregada como normalidade, mostra o autor, é um disparate sem base científica.
Ao ler Por que gênero importa?, entretanto, percebemos que não se trata de uma obra combativa, isto é, uma resposta pública e afrontosa ao movimento identitarista. É, na verdade, de uma busca por explicitar de forma clara que as diferenças entre os sexos não são como o mainstream tenta fazer crer hoje: uma questão de contexto e política, de dominação e sujeição, as diferenças entre os sexos são profundas, arraigadas, constituintes e, se trabalhadas de forma sadia e equilibrada, elas são necessárias e excelentes para a sociedade.
É óbvio que um livro desses, que emprega uma linguagem acessível e apresenta textos científicos que raramente chegariam ao conhecimento do homem comum, acaba naturalmente por se tornar uma obra de apoio aos conservadores que combatem ‒ aí sim ‒, no campo do debate público, as histerias progressistas de gênero. Mas não é seu intuito declarado.
O próprio The New York Times classificou o livro como “um guia lúcido” sobre as diferenças cerebrais entre os sexos.
O livro, dessa forma, tem um tom ponderado, escrito sobre uma estrutura científica e acadêmica robusta que fez até mesmo progressistas sinceros se renderem às suas conclusões. E, mesmo quando criticado por Mark Liberman, linguista americano formado na mesma Universidade da Pensilvânia, pelas afirmações sobre as diferenças de audição e visão, além das conexões cerebrais geradas por emoções em ambos os sexos, Sax respondeu prontamente e, na segunda edição americana de Por que gênero importa?, de 2017, reconhecendo que suas afirmações na 1ª edição de 2005 estavam desatualizadas e imprecisas, reestruturou suas referências e, com acréscimos de dois apêndices intitulados Diferenças de sexo na audição e Diferenças de sexo na visão, respondeu a cada crítica de Libermam.
É difícil se tornar alheio à exposição de Sax ao finalizar a leitura, e, talvez, por isso, tenha sido elogiado até mesmo por progressistas menos radicais. O próprio The New York Times classificou o livro como “um guia lúcido” sobre as diferenças cerebrais entre os sexos. A obra parece se justificar, assim, não como uma espada de combate, mas como um pressuposto para o conhecimento psicológico dos sexos, dando ao homem e à mulher comuns um entendimento seguro e estruturado das diferenças inatas de cada sexo, auxiliando assim os indivíduos no trato comum do dia a dia, na pedagogia familiar e nos relacionamentos conjugais. Saber que somos estruturalmente diferentes pode nos ajudar a compreender melhor cada ponto de vista, tomada de ação e reações sentimentais de nossos parceiros e amigos.
Não tenho a ilusão de que o autor não tenha lá seus motivos políticos e convicções ideológicas por de trás da obra, entretanto, fato é que não foi a sensação que ele deixou ao encerrá-la. O livro é isento de rancores militantes e de cutucadas políticas ‒ ainda que o faça indiretamente sempre que desmonta uma narrativa identitarista simplista e confusa. Retirando, assim, de forma vigorosa, ainda que educada, o véu ideológico e perturbado colocado por militantes progressistas durante anos sobre a temática de gênero, Sax fez um dos favores mais urgentes ao debate contemporâneo: mostrou que o fato ainda é fato, que a percepção da realidade ainda goza de fundamentos científicos, pois ainda há ciência que se importa com a verdade para além da ideologia.
Acho ridículo, e completamente idiota, quando um parlamentar vem discutir contra a pauta progressista (seja aborto, LGBT, drogas, etc), com uma Biblia na mão, ou citando a Bíblia. Não porque eu tenha vergonha da Bíblia. Pelo contrário, eu a amo, leio e prego.
Mas nos debates parlamentares, É EXATAMENTE ISSO QUE A ESQUERDA QUER. Assim, a militância pode alegar que esses ‘fanáticos religiosos’ querem impor sua religião à sociedade, em um ‘Estado laico’ (uma distorção, também, de laicidade do Estado).
Como tem muita gentequejádetesta evangélicos e pastores, eles angariam a simpatia dessas pessoas, que mesmo contra o aborto, por exemplo, preferem dar as mãos à ‘patrilha’, do que estar do lado dos ‘crentes’.
Apesar de ‘argumentos cristãoss’, serem legítimos, pois a nação brasileira é majoritariamente cristã, e cristãos pagam impostos como qualquer outro cidadão (até mais, pois verdadeiros cristãos não sonegam), logo tendo direito de influenciar o debate político, uma abordagem prioritariamente religiosa traz mais prejuízos que benefícios.
A agenda esquerdista pode ser facilmente confrontada com argumentos políticos, filosóficos, econômicos, morais, psicológicos, médicos, históricos, biológicos, humanitários, lógico-racionais, estatísticos, históricos, científicos, e também religiosos.
Mas usar exclusivamente, ou prioritariamente, religiosos, penso que é tudo o que a esquerda quer.
‘patrulha’, ao invés de ‘patrilha-.