A possível efetivação de mais um ataque iraniano a Israel, nos próximos dias ou horas, será uma novidade apenas para aqueles que não querem ver os fatos como eles são. A retórica, neste momento, se encaixa muito mais a um jogo de cena, à criação de um cenário de guerra para efeitos de publicidade.
Na prática, mesmo que a ameaça de escalada seja maior agora, o Irã já ataca Israel, que responde, há anos, conforme afirma a Oeste o professor do Instituto Monitor da Democracia, Mário Machado.
“Israel e Irã há muitas décadas estão engajados em um conflito indireto, com o país persa usando seus atores ‘proxies’ [procuradores], como Hezbollah para atacar Israel e Israel por seu lado respondendo com ataques de eliminação e sabotagem, atrasando o programa nuclear iraniano”.”
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Documentos divulgados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e obtidos pelo Poder360 em 20 de abril de 2024 informavam que o Irã e o Hezbollah, grupo terrorista do Líbano, concordaram em participar do ataque do grupo terrorista Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023, quando 1,2 mil pessoas foram assassinadas e mais de 230, sequestradas.
O Irã rejeita as acusações de envolvimento com o ataque, mas não nega a simpatia pela agressão, já que seus governantes comemoraram a ação do Hamas.
A data também desencadeou seguidos ataques dos houthis, desde o Iêmen, que lançaram drones em Israel. A Agência de Inteligência de Defesa dos Estados Unidos (EUA), em relatório divulgado no dia 6 de fevereiro, confirmou o uso de mísseis e veículos aéreos não tripulados iranianos pelos houthis.
Foram comparadas imagens públicas dos equipamentos usados pelos houthis em ataques na região com os fabricados no Irã.
Assim como os iranianos, os houthis, originários do norte do Iêmen, fazem parte da linha xiita na religião muçulmana. O relatório destacou que armamentos e treinamentos são fornecidos aos houthis pela Guarda Revolucionária Islâmica do Irã desde 2014.
Foram interditados pelos EUA e aliados, entre 2015 e 2023, pelo menos 18 navios iranianos que, segundo a agência, tentavam contrabandear essas armas. As embarcações carregavam componentes de mísseis balísticos, drones, mísseis guiados antitanque e milhares de rifles de assalto.
Desde novembro de 2023, além de lançar drones em Israel, os houthis atacam embarcações no Golfo de Áden. Os ataques a navios têm ocorrido próximos ao estreito de Bab Al-Mandab, entre o Mar Vermelho ao Oceano Índico.
Os argumentos para as ações são a ligação das embarcações com Israel. O Irã também nega que tenha influência nas ações do grupo.
Em paralelo, o Hezbollah, representante do Irã no Líbano, tem, nos últimos anos, lançado ataques de forma contínua no norte de Israel. Depois de 7 de outubro, foram pelo menos 7 mil lançamentos de mísseis ou drones, que obrigaram a cerca de 60 mil pessoas a deixarem a região por questões de segurança.
Criado nos idos de 1982, o Hezbollah entrou em cena em meio à Guerra do Líbano, durante a invasão israelense para combater terroristas ligados à Organização para a Libertação da Palestina (OLP). A guerra libanesa teve início em 1975, como uma explosão de divergências entre as três maiores comunidades locais, os sunitas, os xiitas e os cristãos.
Forças de Defesa de Israel eliminam 100 terroristas https://t.co/0TL0ed3TWO
— Revista Oeste (@revistaoeste) August 13, 2024
Na ocasião, milícias foram sendo formadas, para defender as próprias comunidades, depois do crescimento demográfico de populações muçulmanas, xiitas e sunitas, gerando para elas uma necessidade de reequilibrar o Pacto Nacional de 1943.
Tal pacto havia estabelecido uma divisão do poder em que a presidência libanesa iria para os cristãos maronitas, o cargo de primeiro-ministro seria ocupado sempre por um sunita e o de presidente do Parlamento, para um xiita.
Com a divisão entre as comunidades e a formação de milícias como forma de defesa, o exército libanês se desintegrou e o próprio governo se tornou instável.
Na sangrenta guerra, todas as facções se envolveram e deram origem a outras, como o Hezbollah, formado também no seio da luta palestina contra o Estado de Israel, depois da chegada de muitos refugiados ao Líbano.
Naquele momento, muçulmanos da coligação oposicionista de esquerda, depois conhecida como Movimento Nacional Libanês exigiu um recenseamento para reequilibrar as forças governamentais estabelecidas no Pacto Nacional.
Os cristãos se sentiram ameaçados e também combateram movimentos radicais islâmicos, algumas vezes com o apoio de Israel, a partir de 1982. Neste caldeirão, forças xiitas no Líbano, como o movimento Amal, se contrapuseram ao Hezbollah, inspirado na Revolução Iraniana de 1979.
Por um tempo, Amal e Hezbollah foram rivais. O Irã, com isso, estava se inserindo no Líbano em apoio aos xiitas do Hezbollah, em busca da hegemonia na região. A Síria dava apoio ao Amal.
Apoio do Irã ao Hezbollah
Segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, o Irã destina ao Hezbollah “a maior parte de seu financiamento, treinamento, armas e explosivos, bem como ajuda política, diplomática, monetária e organizacional.”
Os ataques do Hezbollah a Israel, portanto, têm o aval e o suporte do governo iraniano, de acordo com autoridades, como a do governo norte-americano. São incontáveis as reuniões em público de líderes do Hezbollah com membros do governo iraniano, em demonstrações explícitas de alianças contra Israel.
Também os houthis recebem o apoio do Irã na busca de manter o poder obtido na guerra do Iêmen. Em abril, o Irã já havia atacado Israel diretamente, em retaliação às mortes de três comandantes da Guarda Revolucionária iraniana, entre eles Mohammad Reza Zahedi, comandante sênior da guarda, atribuídas ao país judaico.
Agora, o Irã ameaça realizar novo ataque, depois de acusar Israel pela morte do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã. Ataque este que, de novo, não tem nada. Será apenas mais uma confirmação de hostilidade, desta vez direta, como mostra o histórico deste conflito.
“O embate direto como temos visto nos últimos meses é, sem dúvidas, uma escalada de hostilidades, dentro de um conflito que é longevo”, completa o professor Mário Machado.