(Artigo de J. R. Guzzo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 4 de dezembro de 2022)
Após três anos inteiros de violação maciça do direito de defesa e das prerrogativas legais dos advogados, nos processos tocados em segredo pelo ministro Alexandre de Moraes no seu inquérito criminal para investigar “notícias falsas” e “atos antidemocráticos”, a Ordem dos Advogados do Brasil resolveu, enfim, dizer alguma coisa em nome dos seus associados. Com todo o respeito, perguntou a OAB, será que não daria para o ministro permitir que os advogados defendessem os seus clientes, como determina a lei — a começar por direitos absolutamente elementares, como o acesso aos autos, ou saber do que, precisamente, as pessoas estão sendo acusadas? Para todos os efeitos práticos, a resposta que receberam foi a seguinte: “Vão ver se eu estou na esquina. Não me amolem”.
Foi uma fotografia perfeita, mais uma, da situação de terra arrasada em que se encontram hoje a democracia, os direitos civis e as liberdades públicas neste país. O STF diz, com todas as letras, que os advogados não podem utilizar as regras legais para defender clientes indiciados no inquérito perpétuo, secreto e ilegal de Alexandre de Moraes. É “defesa da democracia”, dizem eles o tempo todo, e para defender “a democracia” o ministro está autorizado a fazer tudo. A resposta de Moraes à OAB é um monumento a essa aberração. Ele apenas afirmou, no português de reprovado no Enem que se vê em quase todos os seus despachos, que não havia do que reclamar. Os direitos de defesa estão sendo observados, alegou — embora seja óbvio, objetivamente, que não estão. Não vai tomar nenhuma providência. Fim de conversa.
É preciso voltar ao tempo do AI-5, e seus processos secretos na Justiça Militar, para encontrar algo parecido em matéria de agressão às garantias que a lei brasileira dá aos advogados. Talvez seja pior. O inquérito dos “atos antidemocráticos” é ilegal na origem, ao expropriar do Ministério Público o direito, que só ele tem, de iniciar inquéritos criminais — e ao transformar o complexo Moraes-STF em polícia, promotor, vítima e juiz ao mesmo tempo. Em consequência, tudo o que sai dele está contaminado pela ilegalidade. É um clássico da teoria jurídica da “árvore envenenada” — um ato judicial iniciado fora da lei só pode produzir frutos com veneno.
A conduta do STF está envenenada também pela hipocrisia. Ainda há pouco, com o apoio dos “garantistas” (onde estarão eles hoje?), o tribunal exigia a obediência fanática a cada átomo dos direitos dos réus na Lava Jato; por conta disso, praticamente todas as punições foram anuladas — incluindo as de Lula, o que permitiu a sua volta à Presidência da República. Agora é o contrário.