(J. R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 7 de outubro de 2021)
Sempre, mas sempre mesmo, se pode contar com os deputados e senadores brasileiros, sobretudo aqueles que estão nos galhos mais altos da árvore de Brasília, quando se trata de fazer alguma indecência diretamente em seu favor e diretamente contra os interesses do público. Todos deveriam estar, o tempo todo, a serviço da população que os elegeu e paga seus salários, benefícios e privilégios. Na prática, acontece exatamente o contrário: a atividade parlamentar no Brasil se reduziu, hoje, a um serviço de despachante para produzir e entregar facilidades aos membros do Congresso — ou sócios, melhor dizendo
A trapaça, esta vez, resolve a vida de ninguém menos que o presidente da Câmara e o próprio relator no Senado da medida adotada — justamente os que deveriam ser mais isentos no assunto. (Entrou na festa, também, o líder do governo na Câmara.) O que fizeram foi um favor grosseiro e direto a si próprios: decidiram que a prescrição dos crimes de corrupção cometidos pela politicada passa a ser contada a partir da data em que o delito foi denunciado — e não mais, como é hoje, a partir do momento em que o acusado sai do cargo público. Até uma criança de dez anos de idade seria capaz de fazer as contas e concluir que o prazo, na vida real, ficou muito mais curto — quer dizer, o sujeito mete a mão, espera um pouco e logo sai do caso livre e solto; basta ir se segurando na cadeira enquanto o tempo passa. Seu crime “prescreve”. Fim de conversa.
O cidadão comum é tratado pela lei exatamente de modo contrário: se é acusado de alguma coisa, a prescrição demora a vida inteira para chegar. Mas as castas que mandam na política brasileira vivem num outro mundo, que elas próprias criam o tempo todo para seu proveito pessoal. No caso, ainda por cima, fizeram uma trapaça dentro da trapaça. Ao alterar a Lei da Improbidade Administrativa, fingiram que estavam aumentando o prazo de prescrição atual, de cinco para oito anos. Só que esse prazo, agora, começa a valer lá atrás, o mais longe possível; obviamente, vai acabar antes. A quem imaginam que estão enganando?
Como se sabe desde a Arca de Noé, não existe nada mais difícil do que fazer uma acusação de roubalheira ir para frente neste país enquanto o acusado ocupa um cargo público; ele se vale dos privilégios legais ou ilegais que tem, mais a colaboração fiel dos colegas, para dificultar ao máximo qualquer investigação. Vai empurrando com a barriga — e, com o novo ajutório, conseguirá a sua prescrição muito antes do momento em que deixar o cargo. Investigação contra político, quando anda, só anda depois que ele para de ser deputado ou senador. Agora não vai andar, porque o crime deverá estar prescrito quando o cidadão sair da cadeira que ocupa. Basta segurar a onda por oito anos.
Já era difícil, com as regras que estão aí, punir um político brasileiro como ladrão. Agora ficou mais difícil ainda.
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