Antonio Carlos Porto Gonçalves*
Há cerca de 50 anos, o filosofo John Rawls, da Universidade Harvard, propôs uma experiência conceitual interessante para avaliar se certa política social seria bem aceita e benéfica para os cidadãos do país.
A experiência consiste em perguntar aos nascituros se gostariam ou não de que a política em questão fosse vigente na sociedade em que nascerão. A hipótese básica é a de que esses nascituros ainda não sabem qual será sua classe social: se vão nascer em famílias pobres ou ricas, não sabem qual será a sua raça ou o seu gênero, em qual região do país nascerão, e assim por diante.
É claro que é uma experiência impossível de ser realizada, pois os nascituros não respondem a nenhuma pergunta; daí o adjetivo “conceitual” para qualificá-la. Mas podemos conjeturar quais seriam as respostas razoáveis dos futuros cidadãos. Por exemplo, como não sabem se vão nascer numa família muito pobre, meramente pobre ou rica, parece razoável pensarmos que opinem a favor de uma política de renda mínima garantida. Afinal, o nascituro humano deve ser, como nós, avesso ao risco, e, em uma sociedade com uma renda mínima garantida, reduziria o risco de nascer pobre. Assim por diante, tal raciocínio conceitual seria aplicável na avaliação de políticas públicas referentes às discriminações de raça e gênero, à educação mínima, saúde, etc.
As respostas não definem completamente as questões. Por exemplo, os nascituros prefeririam uma renda mínima permanente até o fim de suas vidas ou apenas por alguns anos, como forma de equalização de oportunidades? Gostariam de ser educados por 12 anos, compulsoriamente, ou prefeririam um período menor? E assim vai, pois o experimento de Rawls, embora interessante, é conceitual e não permite a caracterização das escolhas humanas até a quinta casa decimal. No entanto, há um caso no qual acho que a opinião deles, os nascituros, seria praticamente unanime: é o caso do aborto. Não creio que escolhessem não nascer. O aborto é, portanto, uma questão bastante espinhosa, de conflito entre os que vão nascer e suas mães (e talvez seus pais). Os gladiadores romanos, antes de suas lutas mortais, cumprimentavam a plateia e o imperador com a famosa expressão: “Ave César, os que vão morrer te saúdam”. Não creio que os nascituros cumprimentem suas mães e os políticos com um “Ave Maria, os que não vão nascer te saúdam”.
Leia também: “Quais vidas negras importam?”, artigo de Ana Paula Henkel publicado na Edição 200 da Revista Oeste
*Antonio Carlos Porto Gonçalves é graduado em engenharia metalúrgica pelo Instituto Militar de Engenharia. Fez mestrado e doutorado em economia pela Universidade de Chicago e aperfeiçoamento em Programa de Desenvolvimento de Executivos de Alto Nível na University Of Western Ontario School Of Business Administration. Integrou ainda o núcleo intelectual do Instituto Liberal em sua fundação
Perfeito…!
Texto de rara sensibilidade. Parabéns, Antônio!