(J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povo em 18 de abril de 2022)
Quem autorizou o ministro Luís Roberto Barroso, que é um funcionário público de primeira linha e, nessa condição, tem deveres muito claros a cumprir, a dizer que ele (e, pelo que deu para entender, quem pensa como ele) é a força que ajuda a empurrar “a História na direção certa”? Esqueça, por economia de tempo, a pretensão cômica que é alguém dizer um negócio desses a respeito de si mesmo. O fato é que o ministro, como magistrado, não pode atribuir a si próprio a qualificação de empurrador de nada, e muito menos da “História” — ele está no seu cargo para julgar questões ligadas à aplicação da lei, unicamente isso, e, para julgar com um mínimo de seriedade, tem de ser imparcial. Não há nada de mais parcial do que dar a convicções políticas pessoais o certificado de verdade indiscutível, definitiva e suprema.
E quem tem pontos de vista diferentes dos seus, e não concorda politicamente com ele —, em que situação fica? Ninguém tem a obrigação legal de concordar com as opiniões políticas do ministro. Tem de acatar as suas decisões jurídicas, apenas isso, e a proclamação de Barroso não tem absolutamente nada a ver com nenhum tipo de lei — é um ponto de vista, e vale tanto quanto o de qualquer outro cidadão. Quer dizer que quem discorda do ministro seria, por acaso, alguém que empurra a História para trás? Barroso disse também que ele e o seu grupo político são “a democracia”. E quem não faz parte do grupo — é um inimigo da democracia? É insano.
Um político tem o pleno direito de dizer coisas assim — eu estou certo, você está errado, e por isso quem deve governar sou eu; votem em mim. Mas um juiz? Um juiz perde a capacidade de julgar quando diz, publicamente, que é a favor ou contra um dos lados, como Barroso vem fazendo de maneira sistemática. No caso, ele (e diversos outros colegas) se colocaram contra o presidente da República, seu governo e os brasileiros que os apoiam. Mais que isso: ele acaba de dizer, com todas as letras, que o presidente constitucional do Brasil é “o inimigo” — sim, o próprio presidente da República, que foi eleito democraticamente para o seu cargo em 2018, com 58 milhões de votos, e hoje está em busca de um segundo mandato, de acordo com o que permite a lei. Que cabimento pode ter uma coisa dessas? E os milhões de eleitores que vão votar em Jair Bolsonaro — também são “inimigos”?
O ministro Barroso deixou de ser um magistrado; ele mesmo, segundo diz em público, concedeu a si próprio o papel de “transformador” da sociedade, função que não existe na Constituição Federal e que ele não pode impor a ninguém. Na verdade, está sendo apenas ilegal, como tantos outros ministros do STF — a começar por Alexandre de Moraes, que há três anos conduz um inquérito totalmente fora da lei contra os seus inimigos políticos, ou Edson Fachin, autor da aberração legal que foi a anulação das quatro ações penais contra o ex-presidente Lula, incluindo sua condenação pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em terceira e última instância, e por nove juízes diferentes. Um juiz, ao contrário de Barroso e seus colegas, não pode ter inimigos. Se tem, então não é mais juiz de coisa nenhuma.
Leia também: “O mal e o inimigo”