Mudança na MP 909 retira destinação de recursos para a compra de equipamentos a serem utilizados no comércio. Proposta estimulava, na prática, a adoção de critérios para reabrir as demais atividades
A Câmara mostra serviço pelo país de formas questionáveis. A despeito de votações importantes que a Casa tem realizado, fica o questionamento da forma como alguns textos vêm sendo pautados e aprovados. É o caso da própria Medida Provisória (MP) 909/2020, que, da forma como foi aprovada, endossa a falta de comprometimento dos governadores com o planejamento da retomada econômica.
A MP 909 foi relatada pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF). O parecer apresentado por ele determinava que R$ 8,6 bilhões do extinto Fundo de Reservas Monetárias (FRM) fossem destinados para a compra de equipamentos, a fim de proporcionar condições de abertura dos estabelecimentos comerciais durante a pandemia.
A proposta inicial de Miranda é louvável. Na prática, estimularia que, para ter acesso aos recursos, governadores e prefeitos deveriam mostrar seus planos para a reabertura do comércio. Ao vincular a destinação do dinheiro para a compra de equipamentos a serem utilizados no comércio, isso estimularia a elaboração de projetos. Seria uma espécie de contrapartida.
Na votação da MP 909, a Câmara aprovou um destaque do PSol e retirou do texto a previsibilidade de que os recursos sejam voltados para a compra de equipamentos. O texto foi aprovado prevendo uma genérica destinação do dinheiro ao financiamento de ações de combate ao coronavírus. O trecho central da relatoria de Miranda foi considerado “tema estranho” e “fator de constrangimento” para os governadores.
Transparência
A cobrança em cima dos governadores se deve pelo fato de que, em abril, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que é obrigação dos estados e municípios a definição de critérios de isolamento, fechamento e reabertura do comércio. Logo, ao falar sobre quando reabrir, é salutar mostrar à sociedade como fazer.
No Brasil, um dos poucos e elogiados exemplos de transparência e gestão na reabertura da economia vem do Rio Grande do Sul. O governo de Eduardo Leite (PSDB) dividiu o estado em 20 regiões monitoradas por 11 indicadores. Entre eles, o número de novas mortes, casos diários e leitos de UTI disponíveis.
O governador tornou pública o método de cálculo para estabelecer os diferentes níveis de risco e usa esses critérios para balizar os mecanismos de reabertura econômica. “Hoje, nós, empresários, temos um bom nível de transparência no Rio Grande do Sul. Minas Gerais veio, mas com atraso. Depois disso, [a transparência] começa a ficar muito rara. Infelizmente, não tem sido uma virtude dos nossos governadores”, relata o empresário Paulo Solmucci.
Planejamento
A análise feita por Solmucci é de alguém que conhece como poucos a atual hecatombe econômica. Presidente nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), ele sabe do drama vivido por empresários de todo o país. “Se de fato houvesse transparência de dados e critérios para a reabertura econômica, não precisaríamos ter até os Ministérios Públicos (MPs) pedindo isso”, critica.
Para Solmucci, tem muito governante discutindo a reabertura por critério político e não pelo técnico e transparente compartilhado com a sociedade. Ao citar o Ministério Público, o presidente da Abrasel faz referência a exemplos como o do Distrito Federal, onde o governador Ibaneis Rocha (MDB) adiou a reabertura de 11 de maio para 18 de maio.
O adiamento deu sinais de que Ibaneis não tem pronto um planejamento para a reabertura da economia. A 3ª Vara Federal Cível do DF acatou uma ação civil pública movida pelos MPs Federal (MPF), do Trabalho (MPT), e do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A Justiça ordenou que o governo apresentasse “dados complementares referentes ao planejamento de retomada, com datas por bloco de atividades e regras sanitárias para diferentes ramos”.