Foi em 15 de novembro de 1899 que o Brasil conheceu a República, baseada em um sistema político responsável por derrubar os quase 70 anos de monarquia.
Do latim res publica (“coisa pública”, em tradução livre), a República deveria respeitar determinadas condições fundamentais para ser consagrada como tal. Segundo Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), importante figura da antiga política romana, esse sistema político teria de corresponder a uma pluralidade de pessoas no poder e a um protagonismo do povo dentro do governo. Mas não foi isso que aconteceu por aqui.
No Brasil, a atual forma de governo é vista por alguns estudiosos como um ponto fora da curva na história do Ocidente. Isso porque a adoção do modelo republicano nos demais países que também adotaram o regime contou com uma participação ativa da população.
“O povo brasileiro assistiu à Proclamação da República de maneira bestializada”, explica Thomas Giulliano, historiador e fundador do Clube Rebouças, entidade de literatura por assinatura que oferece ainda aulas sobre a história do Brasil. Para ele, o verdadeiro protagonismo da instalação desse sistema político no país veio por parte das Forças Armadas, através de um golpe de Estado.
Liderados pelo Marechal Deodoro da Fonseca, militares de patentes inferiores do Exército (alferes-alunos, tenentes e capitães, conhecidos como “mocidade militar”, conduziram o fim do Império, por criticarem a centralização da monarquia e seu caráter hereditário no poder. Além disso, o desgaste com o antigo regime se intensificou depois da Guerra do Paraguai (1864-1870), maior conflito armado internacional ocorrido na América Latina. Ao retornarem para casa como grandes vitoriosos, oficiais brasileiros começaram a exigir maior participação nas decisões públicas do Brasil.
O enfraquecimento de Dom Pedro II, o segundo e último monarca do Império, favoreceu o fortalecimento das tropas dos militares. Em Ouro Preto, o marechal Deodoro e seus apoiadores destituíram o visconde Afonso Celso de Assis Figueiredo, chefe do Gabinete Ministerial. No fim daquele mesmo dia, o Brasil passou de monarquia a República.
“Na história brasileira, a instalação desse sistema se forjou de um golpe”, afirma Thomas Giulliano. “Existiram clubes republicanos, que contaram com a participação de diferentes homens na Proclamação da República, que não foi conduzida somente pelo Exército. Mas dizer que foi um movimento popular é um exagero.”
República da Espada
Como consequência da imposição de um novo regime, o Brasil enfrentou o período denominado Primeira República (1889-1930), conhecido também como República da Espada, devido à posse de dois presidentes (Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto), que foram previamente militares. Essa época ficou marcada pelo predomínio das oligarquias, que eram grandes proprietários de terra com forte influência sobre as decisões do governo.
A participação de oficiais rasos do Exército brasileiro, insatisfeitos com a política feita até então, contribuiu para o fim da Primeira República. O movimento político movido por eles, que ficou conhecido na história como Tenentismo, reivindicava o fim das estruturas oligárquicas que estavam estabelecidas no país. Ao longo da década de 1920, eles realizaram uma série de manifestações por diferentes regiões do Brasil.
No entanto, o estopim para o fim da Primeira República foi a eleição presidencial de 1930. Naquela ocasião, o presidente Washington Luís optou por apoiar Júlio Prestes, um candidato paulista, para ocupar o seu cargo. A decisão desagradou profundamente à oligarquia mineira. Indignados, eles se aliaram à oligarquia gaúcha e juntos lançaram Getúlio Vargas como candidato presidencial, que foi derrotado nas urnas.
O resultado foi a deposição de Washington Luís da Presidência. Além disso, Júlio Prestes foi impedido de assumir a Presidência do país. Em novembro do mesmo ano, Getúlio Vargas foi empossado como presidente provisório do país. Esse era o fim da Primeira República e o início da Era Vargas, período que se estendeu por 15 anos.
“Depois você tem a sequência de 1954, como uma resposta ao sindicalismo varguista”, conta o historiador Thomas Giulliano. “Em seguida, inicia-se um período militar, como resposta ao período anterior. Posterior a isso, vem a Constituição de 1988, como uma resposta ao governo dos militares.”
Segundo o especialista, a República brasileira já nasceu mediante um cenário consecutivo de crises.
“Somos até hoje o país que não tem, enquanto estrutura política, a dignidade do povo minimamente valorizada. O nosso Estado falhou, e não é de hoje”
Retorno à monarquia?
Desde a implementação do período republicano, o Brasil precisou lidar com uma série de fatos que trazem desdobramentos até os dias de hoje. Entre eles, estão os movimentos favoráveis à volta do regime monárquico.
Segundo estudo realizado pela Paraná Pesquisas, mais de 10% dos entrevistados disseram concordar com a ideia de um monarca para governar o país. Para boa parte dos apoiadores desse regime, a monarquia eliminaria as principais fontes de desvio de dinheiro do Brasil.
“Eu não vejo possibilidade de o Brasil ter um sistema similar ao da Inglaterra”, argumenta Thomas Giulliano. “Lá existe uma identidade cultural, enquanto por aqui figuras importantes da nossa história, como Dom Pedro I e Dom Pedro II, beiram a caricatura.”
Leia também: “Há 200 anos, o Brasil decretava Independência da Corte (de Portugal)”, artigo de Flavio Morgenstern publicado na Edição 129 da Revista Oeste.
Discordo totalmente que as figuras dos dois imperadores beirem a caricatura. Já as figuras da maioria dos presidentes que os sucederam, até os dias atuais, essas sim, são patéticas, a começar de Deodoro da Fonseca, traidor de D. Pedro II, que liderou a quartelada por ciúmes de ter sido preterido por uma mulher que escolheu quem iria montar o novo gabinete de governo do Império (leiam 1889 de Laurentino Gomes).