Tatiana Goes*
Com a perspectiva de um segundo turno mais apertado que as previsões iniciais das duas campanhas, a economia tende a assumir papel central na agenda do ex-presidente Lula (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL) no percurso de ambos para a obtenção da maioria dos votos válidos dia 30, quando a população irá às urnas para escolher o próximo presidente que irá governar o Brasil no mandato 2023-2027.
Até o resultado do primeiro turno das eleições, Lula parecia caminhar folgadamente para ocupar a cadeira presidencial e Bolsonaro parecia destinado a se despedir do Palácio do Alvorada. Mas, depois das apurações das urnas no último dia 2 de outubro, o presidente tem mostrado uma força e uma resiliência que não estavam nos planos petistas, nem no radar de muitos analistas. Os agentes do mercado financeiro receberam de maneira bastante positiva o que chamaram de “recado das urnas” esse adiamento de um segundo round de votação.
Além de uma distância menor que a apontada pelas pesquisas entre os dois principais postulantes à Presidência, eles festejaram a tendência mais conservadora ou centrista do novo Congresso e dos governos estaduais a partir do próximo ano. Como reflexo da votação, os mercados apresentaram um desempenho bastante positivo na segunda-feira, após a eleição, com uma queda de 4% do dólar — a maior desde junho de 2018 — e uma valorização de 5,5% do Ibovespa — a maior desde abril de 2020.
Para eles, isso indica que o eleitor aponta para um trajeto mais ao centro, o que reforça a perspectiva de continuidade de uma política mais liberal — com mais liberdade de mercado — e favorece uma estabilidade maior na economia. Mesmo assim, essa margem de cerca de 6 milhões de votos a mais que o petista recebeu no primeiro turno em relação à Bolsonaro tem assustado os especialistas, que, diferentemente de um contingente representativo da população, se recusam a dar um cheque em branco para o projeto econômico do PT.
Lula critica a gestão econômica de Bolsonaro, mas não apresenta propostas claras para atacar os problemas. Diz apenas que já governou o Brasil e, portanto, as pessoas sabem do seu potencial. É muito pouco frente ao desafio que temos pela frente. O Brasil vive um momento de inflação alta (4ª maior entre as principais economias), juros elevados e aumento da fome e da miséria, reflexos da crise econômica global no pós-pandemia e da guerra da Rússia. O desemprego está em queda gradual e a atividade econômica se recupera — embora as vagas de trabalho geradas sejam de baixa renda e qualidade e a retomada do PIB seja pouco sustentável.
O eixo central do programa de Lula é o retorno aos feitos anteriores do próprio governo dele, com foco nos investimentos públicos e posição clara contra as privatizações da Petrobras, Eletrobras e Correios, com a defesa do fim do PPI (preço de paridade internacional praticado pela Petrobras) e o fortalecimento dos bancos públicos. Traz um conceito de que, com Lula, as pessoas serão felizes de novo. O plano prevê a “construção de uma estratégia de desenvolvimento para superar o modelo neoliberal que levou o país ao atraso”. Está mais para discurso de campanha do que para diretriz econômica.
Mesmo que esses indicativos do plano de governo soem como peça publicitária para criar impacto junto ao eleitorado, há, sim, um claro clamor dentro do PT de seguir o exemplo da Espanha e tentar desfazer a reforma trabalhista realizada no Brasil. Mas não só. Lula e importantes integrantes da legenda também avaliam atuar para reverter outras propostas aprovadas nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, como o programa de privatizações de estatais — que pouco avançou — e o teto de gastos, principal âncora fiscal da economia. O teto de gastos foi criado para manter as contas públicas sob controle e conter a dívida pública. O teto de gastos e o controle de despesas públicas também pode ser uma forma de atrair investimentos externos, além de manter confiança de investidores no compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Mas a ideia da equipe de Lula é substituir o teto de gastos por um novo regime fiscal que seja flexível.
Uma ala do PT defende incluir na lista do revogaço do eventual governo petista a autonomia do Banco Central, aprovado no ano passado pelo Congresso. Mas essa discussão acabou se tornando mais tímida depois que a campanha de Bolsonaro começou a ameaçar o “passeio” que os aliados de Lula esperavam nas urnas. Mesmo assim ainda há evidências que volte ao foco. O próprio ex-presidente já se manifestou publicamente em março do ano passado contra a autonomia do BC, antes da sua aprovação, mas sem mencionar que poderia rever a medida. “A quem interessa essa autonomia? Não interessa ao trabalhador que foi mandado embora da Ford. Interessa ao sistema financeiro”, disse ele afagando seu eleitorado petista num discurso no Sindicato dos Metalúrgicos.
Lula não acena para o futuro, mas para um revisionismo do passado. O discurso petista não traz novidades, uma visão renovada de Brasil, apenas um repúdio aos pequenos avanços econômicos e sociais conquistados em outros governos e um sentimento de vingança contra opositores reais ou imaginários. Para dizer a verdade, o PT não esperava ter que esmiuçar tanto o seu plano de governo. No primeiro turno, fez campanha pelo voto útil e contra tudo aquilo que está aí lembrando do quanto o povo foi feliz na época em que Lula ocupava a cadeira da presidência. Passado o primeiro turno das eleições a chamada Frente Ampla pela Democracia continua se mantendo no campo das generalidades quando convidada a falar sobre os rumos da economia caso assuma o governo.
Vem daí o grande temor do mercado em relação ao “jeitão” que o governo de Lula vai assumir caso seja eleito: Ele será semelhante ao do primeiro mandato, quando foi adotada uma estratégia mais pragmática na área econômica, com direito a medidas de austeridade fiscal e até reforma na Previdência dos servidores públicos? Ou será parecido com o segundo mandato, onde ganhou força uma política econômica mais desenvolvimentista, em especial no enfrentamento da crise financeira global de 2008/2009? Também poderá se desenhar próximo ao que foi o governo Dilma Rousseff (PT), marcado pela chamada Nova Matriz Econômica e por gastos públicos desenfreados que, a partir de 2014, desembocaram numa profunda recessão econômica?
No dia 2 de outubro, Lula discursou na Avenida Paulista para comentar o resultado do primeiro turno das eleições e minimizou o recado das urnas. Disse que estava indo apenas para uma prorrogação e que dela sairia vitorioso. Ao lado dele no trio elétrico feito de palanque estava exatamente a ex-presidente Dilma Rousseff. Se aquilo foi um recado para o país, então, podemos dizer que as preocupações são mais do que pertinentes, um bom momento para lembrarmos Maquiavel quando cunhou a frase: “Dizem a verdade aqueles que afirmam que as más companhias conduzem os homens à forca”.
Tatiana Goes é empreendedora, economista e CEO da GoesInvest, empresa focada em consultoria financeira, sucessão e proteção patrimonial e internacionalização de capitais. Especializou-se em Gestão Estratégica de Negócios ela Universidade de Harvard.