(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 9 de novembro de 2022)
O economista Marcos Cintra, candidato a vice-presidente numa das chapas de oposição ao presidente Jair Bolsonaro nas últimas eleições, fez uma sugestão ao TSE e seus mandarins — apenas uma sugestão, não um pedido de investigações e muito menos, pelo amor de Deus, uma crítica às nossas altas autoridades eleitorais. Seria desejável, observou ele numa postagem nas redes sociais, verificar se está tudo normal com as dezenas, talvez centenas de urnas em que o presidente Bolsonaro recebeu zero votos, ou 1. Mas isso, uma mera observação lógica, serena e absolutamente legal, é um sacrilégio na democracia brasileira de hoje, tal como ela é definida pelo alto Judiciário e pela esquerda de todas as variedades que lhe dá apoio intransigente, apaixonado e cada vez mais agressivo.
A conta de Cintra no Twitter foi imediatamente suspensa. Não se moveu uma palha, é claro, para investigar nada, ou sequer para dar uma resposta às indagações que ele fez. O ministro Alexandre Moraes, atual arquiduque do TSE, acusou o economista de “atacar as instituições democráticas” — uma acusação patentemente falsa, pois as afirmações de Cintra foram feitas por escrito, e a análise logica mais elementar do que ele escreveu deixa indiscutível que não atacou nada, ninguém e muito menos a democracia em lugar nenhum do seu texto. Para completar, o ministro mandou que Cintra fosse interrogado pela Polícia Federal, sob a suspeita de “crime eleitoral” — numa eleição que já tinha acabado. Ou seja: é proibido, na democracia de Moraes-STF, dirigir qualquer observação, por mais simples e respeitosa que seja, à Justiça brasileira. Mas a Justiça (Eleitoral, no caso) não está aí exatamente para fazer isso — ouvir os cidadãos, que legalmente só têm os tribunais para recorrer numa questão como essa? Não, a Justiça do Brasil democrático de 2022 não está aí para isso. Existe, como se prova mais uma vez, para punir quem reclama de alguma coisa que incomode o ministro Moraes.
O STF e o resto do aparelho judicial que lhe presta obediência política inventou uma ferramenta multiuso para governar ilegalmente o país: a “defesa da democracia”. Dizem a propósito de tudo, que estão agindo para salvar “as instituições” e o “Estado de Direito” — e por conta da necessidade de “salvar” essas virtudes sagradas dão a si próprios a autorização para violar todas as leis brasileiras em vigor, reprimir as liberdades públicas e eliminar direitos individuais. O Brasil vive hoje num regime de exceção, aplaudido com grande empenho pelas classes que se consideram as únicas com o direito de pensar neste país. Acham, aí, que Alexandre de Moraes, o STF e conexos são heróis da pátria. Só pode se esperar, diante disso, que aberrações como a perseguição a Marcos Cintra continuem a se multiplicar.