Jordan Peterson, 59 anos, é psicólogo clínico e professor emérito de psicologia da Universidade de Toronto, no Canadá. É autor de livros como 12 Regras Para a Vida, Além da Ordem e Mapas do Significado.
Ele conquistou adeptos em 2016, quando fez uma série de críticas sobre a Lei C-16, que tornou crime a “discriminação” contra transexuais. Entre outras coisas, a norma prevê que os canadenses podem ser presos caso deixem de usar os “pronomes neutros” — algo como elu ou elx, não ele ou ela.
Mas a obra do psicólogo canadense transcende as polêmicas. Como explica o escritor André Assi Barreto, mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo, Peterson é um estudioso do comportamento humano. “Ele está combatendo o niilismo de nossa época”, afirmou, em entrevista a Oeste. “Sua principal obra, Mapas do Significado, trata exatamente disso. A discussão sobre o sentido é um dos fatores explicativos do sucesso de Peterson.”
A seguir, um dos principais trechos da entrevista.
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— O que são a ordem e o caos, segundo a interpretação de Jordan Peterson?
Ordem e caos não são um par conceitual moral, isto é, ordem não necessariamente é algo bom e caos não é necessariamente algo ruim. A ordem representa o escopo daquilo que é conhecido, familiar e estabelecido, e o caos representa o desconhecido, o inexplorado e a inovação. Nesse sentido, ambos podem ser bons ou ruins, a depender do contexto específico de que estamos falando. Quando saímos de casa para nossa rotina diária e tudo ocorre como o esperado (acordar, sair, trabalhar, retornar para casa), isso é ordem e, especificamente, é bom. Quando o mesmo acontece e encontramos, ao acaso, um amigo de infância, de maneira totalmente inesperada, isso é caos e também é bom. Na mesma medida, se saímos e o pneu do carro fura, isso é caos e é ruim. Quando essa mesma rotina se esgota e se torna repetitiva ao extremo, isso é ordem e é ruim.
— O senhor argumenta que a tensão entre a ordem e o caos faz parte de todas as civilizações. Por quê?
Todas as civilizações pensaram sobre essa tensão e a representaram em seus mitos e símbolos. Embora a cultura ocidental seja pródiga em exemplos, a questão é tão propriamente humana que pode ser encontrada desde os primórdios. Tradicionalmente, as diferentes culturas vincularam e representaram a ordem por meio de figuras masculinas, ao passo que o caos é representado por figuras femininas. Adão e Eva exemplificam isso: Adão representa a ordem estabelecida primordialmente por Deus na forma humana; Eva representa a inovação caótica e a criação — que é essencialmente caótica. A rememoração desse exemplo contribuiu para o ódio feminista contra Peterson. O reconhecimento desse fato é um dos elementos que o levaram a tratar do que as teorias queer e feminista chamam de “papeis de gênero”. O que essas teorias consideram como construções sociais motivadas pelo ímpeto patriarcal, na verdade, revela fatos próprios da natureza humana e da realidade, tanto que foram harmonicamente afirmados por meio dos símbolos de diversas culturas. E não há nada demeritório em estar associado ao caos; o caos é potência criadora e o ser humano necessita disso tanto quanto necessita de ordem.
— De que maneira o Mito da Caverna de Platão ajuda a compreender o conceito de ordem e caos?
O mito trata de alguns indivíduos que sempre viveram aprisionados em uma caverna, até que um dia um deles se liberta e vê, pela primeira vez, o mundo real. Depois desse vislumbre, decide retornar à caverna, mas acaba assassinado pelos outros prisioneiros. O mito pode, perfeitamente, ser usado como ilustração da tensão entre caos e ordem e como isso se impõe diante de nós: os prisioneiros estavam confortáveis em sua condição acorrentada, estavam num estado de ordem. A saída do prisioneiro é dificultosa e dolorosa, mas o “prêmio” por esse perrengue é grandioso: ver o mundo real — ou seja, o caos é uma janela de oportunidades, e sair da condição ordenada pode ser algo bom. Esse indivíduo poderia se contentar com a sua “nova ordem” e seguir em frente, mas precisa enfrentar o caos novamente e comunicar a boa-nova aos companheiros, o que, por sua vez, acaba tendo um desfecho que não é positivo. A lição é: a trajetória rumo ao conhecimento será dolorida, mas a recompensa é grande.
— Como pôr em prática os conceitos tratados por Peterson?
A mensagem de Peterson é essencialmente prática, tanto é que a maneira escolhida para ilustrar essas ideias são os livros que enunciam “regras” (12 Regras Para a Vida). É, como costumo dizer, autoajuda “com pancadaria”, sem mensagens vazias de positividade, como é comum ao gênero. Peterson não tira suas recomendações da cartola. Suas fontes são as histórias clássicas, as biografias de grandes homens (Alexander Soljenítsin, Viktor Frankl), os estudos de seus mestres em psicologia (Carl Jung, Lev Vygotsky) e até mesmo a ciência moderna (especialmente a neurologia e a psicologia evolutiva). Vivemos diariamente a tensão entre a ordem e o caos. Sua vida está caótica? “Arrume sua cama!”, como diz ele próprio. O que pode parecer uma recomendação qualquer, na verdade, é bem mais sério que isso. Nada de querer resgatar o planeta do gás carbônico ou salvar a civilização ocidental. Você não vai conseguir pôr essas coisas em ordem. Comece pelo básico e pela sua realidade imediata.
— Peterson sugere trocar o mantra “seja feliz”, típico de livros de autoajuda, para “busque sentido”. Por que isso é importante?
Peterson está combatendo o niilismo de nossa época. Niilismo é uma doutrina filosófica que afirma que nada existe ou tem sentido, inclusive e especialmente a vida. Um fanático pode ser feliz cometendo genocídio, e quem encontra sua felicidade nisso certamente não tem uma vida dotada de sentido. Se a época e a cultura são carentes de sentido, então o busquemos! Peterson está ecoando um de seus mestres, o psicoterapeuta Viktor Frankl, que dedicou tempo e obras ao tema do sentido. Aliás, sua principal obra, mais densa e profunda, Mapas do Significado, trata exatamente disso. A discussão sobre o sentido certamente é um dos fatores explicativos do sucesso de Peterson. O niilismo rompante da cultura, junto da execração pública da masculinidade, criou um terreno fértil para descompensados sedentos por… sentido! Por isso que, apesar de Peterson fazer sucesso entre os dois sexos e todas as faixas etárias, sua audiência no YouTube é grandemente de homens de meia-idade — os principais afligidos pelos dois males citados. Sentido é o antídoto para boa parte dos problemas psicológicos de nossa época.
Excelente entrevista. Deixa o leitor apreender o que pensa o entrevistado, sem a pré-conceituação já clássica da “pergunta com a lógica do entrevistador”, em que o entrevistador expõe sua opinião e ao entrevistado cabe discordar ou não da “verdade” que lhe é apresentada. Gostei muito. Jordan Peterson é, sem qualquer sombra de dúvida, um dos maiores pensadores do final do século XX e início do século XXI, a par com Thomas Sowell e Roger Scruton. Sem falar nos economistas da Escola Austríaca. Obrigado pela leitura de tão boa entrevista.
Obrigado, Alberto. Bom saber que você gostou.