(J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de abril de 2024)
O mundo começa a saber, enfim, que existe censura no Brasil, que isso viola a Constituição brasileira e que o responsável direto por criar, impor e manter essa situação ilegal é o mais alto tribunal de Justiça do país. A divulgação, por deputados da comissão judiciária da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, de que o Supremo Tribunal Federal (STF) praticou pelo menos 88 atos de censura, envolvendo 400 usuários, não vai mudar a sua conduta. Se os ministros não respeitam as leis do seu próprio país, por que iriam se incomodar com as leis dos Estados Unidos? Mas, a partir de agora, não vão poder mais contar com o conforto de fazer o que fazem e se exibir como marechais-de-campo da democracia em Nova York, Lisboa ou Paris.
O Brasil inteiro já sabe, há anos, que há censura nas redes sociais, e que cidadãos são presos, multados, levados para depor na polícia, têm as suas contas bancárias bloqueadas e os seus celulares confiscados por dizerem o que pensam — enfim, o cardápio quase completo dos Estados policiais. Mas não podem fazer nada para se defender do STF. Estão sob a maldição oficial de serem “golpistas”, “fascistas”, malfeitores que querem destruir a “democracia” — e como tal, em nome dos mais elevados interesses da pátria, não têm direito à proteção da lei. Não são informados das infrações que teriam cometido. Seus advogados não têm acesso às acusações. Não podem recorrer de nenhuma decisão. É tudo ilegal. Mas o juizado supremo diz que é tudo legal.
A censura no Brasil de hoje é pior do que a censura da ditadura militar. A repressão só perseguia, então, quem escrevia ou falava contra o governo, mesmo porque não existia rede social. Hoje, persegue todo mundo, porque todo mundo pode falar através da internet — o grande mal do Século XXI, segundo o ministro Alexandre de Moraes. O STF diz, naturalmente, que não há censura — tanto que o Estadão, por exemplo, está publicando este artigo. E daí? Há censura escancarada nas redes sociais. Do ponto de vista da liberdade de expressão dá exatamente na mesma. A liberdade de pensar é direito de todos os cidadãos, e não apenas dos jornalistas.
A reação ao gesto da Câmara americana, até agora, foi uma tristeza. De um lado, o STF diz que foram divulgados “meros ofícios”, e não as suas “decisões fundamentadas”. Que fundamentos? É tudo secreto. Além disso, a questão não é a natureza técnica dos papéis publicados — é a censura. De outro, há a obsessão de criminalizar Elon Musk, que detonou a história toda, o X, os deputados republicanos da Câmara, Donald Trump, a “conspiração da direita mundial”, os “golpistas”. Só não se discute o essencial: o STF está violando a lei.
Leia também: “‘A lei violou a lei'”, artigo publicado na Edição 213 da Revista Oeste