Quando a Brasil Paralelo me convidou para participar de uma série que estava sendo criada sobre o fim da beleza, aceitei de imediato. Não porque conheço alguma coisa sobre a Brasil Paralelo, mas porque achei que esse era um assunto da maior importância, levado em consideração com pouca frequência. O mundo, ao que me parece, foi terrivelmente enfeado nas últimas décadas, a um ritmo acelerado, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. E isso vai continuar envenenando a vida das pessoas no futuro.
Não estou dizendo que o mundo está pior do que era em todos os aspectos: isso seria ridículo. Até certo ponto, sem dúvida, um grau de “enfeamento” era inevitável, com o rápido aumento da população e o desenvolvimento de uma sociedade de consumo. Não podemos consumir sem produzir e distribuir, e nem a produção nem a distribuição em massa costumam ser bonitas em si. Não são muitos de nós que estão dispostos a abrir mão dos altos níveis de consumo como um todo.
No fim das contas, não posso deixar de me perguntar se o mundo precisa ser tão feio quanto o deixamos. As pessoas que chegam a Paris pelo Aeroporto Charles de Gaulle, por exemplo, mal conseguem acreditar, enquanto vão de trem ou táxi até o centro da Cidade Luz. Na metrópole supostamente mais linda do mundo, elas são recebidas pelo que a Unicef deveria declarar um patrimônio histórico da feiura feito pela humanidade. No centro da cidade em si, praticamente todo edifício construído de 1945 em diante prejudica a beleza de seus arredores.
O que é verdade para Paris é verdade para grande parte dos outros lugares. É como se tivesse havido uma espécie de determinação de enfear do mundo, de modo que nenhuma parte pudesse escapar. Se tivesse havido uma conspiração para deixar o mundo mais feio, teria sido a conspiração mais bem-sucedida da história. É como se alguém tivesse decidido, a partir de uma ideia de justiça, que, se nem todo mundo podia viver na beleza, ninguém deveria viver na beleza. A meticulosidade do “enfeamento” me impressiona: na Inglaterra, por exemplo, até mesmo os menores e mais remotos vilarejos de grande beleza foram acrescidos de ou prejudicados por edifícios que são como cicatrizes inflamadas que não estão sarando.
A beleza enriquece e aprimora a vida
A predominância da feiura está refletida nas pessoas, que precisam viver em meio a ela durante toda a vida. Só os muito ricos conseguem escapar agora. Claro, faz tempo que a feiura existe, mas pelo menos antes ela existia em uma escala humana. Seja como for, as pessoas na Inglaterra reagem tornando-se elas mesmas feias, em suas roupas, em sua automutilação, em seus modos, até mesmo em sua música, em sua completa ausência de dignidade pessoal (que não é incompatível, claro, com a presunção). Existe uma feiura militante, não uma matéria-prima da natureza. Até mesmo as vozes nos sistemas de anúncio público da Inglaterra agora são feias, como se qualquer refinamento na dicção ou beleza na voz fosse uma afronta à população.
A feiura, claro, é democrática, no sentido se estar ao alcance de qualquer um. Além do mais, não é preciso nenhum empenho para alcançá-la, o que é até certo ponto relaxante. Ela não faz exigências, seja de esforço, seja de apreciação. E nos permite seguir desimpedidos com nossa vida, cujo principal objetivo é nos manter cada vez mais entretidos de modo privado. Se você olhar para imagens das pessoas nas ruas nos anos 1930, digamos, é óbvio que, não importam as dificuldades, elas se esforçavam para parecer elegantes aos olhos dos demais. Agora, na maior parte dos casos, as pessoas vestem qualquer coisa, e, nas partes mais “avançadas” da sociedade, as pessoas não se arrumam nem para funerais. Claro, em condições de feiura geral avançada, fazer um esforço individual parece cada vez mais inútil. Uma pessoa pareceria uma formiga que tentou se distinguir das outras formigas no formigueiro.
Não espero que todo mundo concorde comigo. É até possível que eu esteja totalmente enganado. Mas, de todo jeito, o tema da beleza (e seu oposto) é obviamente importante de discutir, algo que raramente acontece. É como se estivéssemos ocupados demais com outras coisas mais urgentes para gastar tempo com isso, como se a beleza fosse apenas algo extra e opcional na vida. Como a luz do carro do meu vizinho, que faz brilhar a palavra “Porsche” no chão quando ele abre a porta à noite. É totalmente possível viver sem isso.
Mas a beleza enriquece e aprimora a vida, assim como a feiura a prejudica e envenena. Isso é tão óbvio que eu deveria sentir vergonha de dizer, se não fosse o caso de que até mesmo tocar no assunto irrita as pessoas que se consideram, de alguma forma, progressistas. Neste momento, eu deveria comentar que, no passado, assim como o poeta inglês William Blake, essas pessoas teriam usado a predominância da feiura como um motivo para uma reforma, não como um argumento para a indiferença ou mais degradação.
A verdade vai aparecer
Eu teria dito o que disse nas filmagens feitas pela Brasil Paralelo, não importa quem tivesse me feito as mesmas perguntas. A questão da beleza versus feiura é algo que transcende divisões políticas, e é possível até afirmar que ela é mais importante, no longo prazo, do que essas divisões. Afinal, nossos descendentes terão, em grande parte, de aguentar nosso legado material e estético. A menos que ocorra um holocausto nuclear, o que significaria que, caso sobrevivêssemos, seria preciso começar tudo de novo.
No entanto, pelo que entendi, alguns esforços foram feitos em alguns cantos do Brasil para impedir que esse material seja exibido. Como se ele estivesse propondo uma doutrina perigosa, por exemplo, que devemos voltar aos métodos médicos e cirúrgicos do século 16. Mas, mesmo que esses filmes propusessem essa doutrina, não haveria justificativa para impedir sua exibição. A menos que você acredite que seus concidadãos são idiotas (e que você é muito mais inteligente que eles).
Costumávamos valorizar o controle do comportamento e a liberdade de opinião. E passamos a valorizar a liberdade de comportamento e o controle da opinião. Mas ainda sou suficientemente otimista em acreditar que, como dizemos em inglês, a verdade vai aparecer. E a verdade é que a beleza é importante, e nós enfeamos o mundo a um grau bem desnecessário.
https://www.youtube.com/watch?v=BIvpg-QKJ_o
Leia também “A estranha paixão pelo concreto”
“Costumávamos valorizar o controle do comportamento e a liberdade de opinião. E passamos a valorizar a liberdade de comportamento e o controle da opinião”
Sensacional!!!!!
Penso que desde o Iluminismo o campo político vem se apropriando de outras esferas da vida. A beleza foi sequestrada pelo político e, nesse sentido, o princípio da ruptura e negação do tradicional se sobrepuseram ao princípio da harmonia. Entre jovens, a própria estética do que se considera belo já demonstra esse caos, basta observar a busca por ter corpos deformados.
Nós humanos mutilamos, sujamos e enfeamos o planeta! Excelente texto e ótimos comentários, em sua maioria.
Talvez o utilitarismo das construções, da música atual e o distanciamento do clássico nas artes plásticas sejam os principais responsáveis por isso.
Valorizemos a beleza!!
You are right, Professor. A feiura não é somente em Paris. Quando vir a BH, faça de ônibus o percurso entre o aeroporto de Confins até o Centro da cidade, passando pela Av. Cristiano Machado. Não há um metro quadrado que não seja de feiura nos prédios, casa e muros de grafites horríveis. Ninguém se preocupa em limpar, por que os pichadores voltariam na próxima noite e repetiriam os mesmos desenhos.
Meu amigo, deculpe, mas em termos de feiura, nós somos imbatíveis. Sugiro o mesmo trajeto aeroporto-dentro, só que em SP. O percurso passaria pela Marginal do Tietê e depois seguiria pela Av. Tiradentes, Prestes e chega ás imediaçoes da Estação da Luz. Parece cenário de filmes de horror, ou então cenas de guerra, após os bombardeios
Se a beleza é fundamental, nem preciso pedir desculpas ao feio, como pediu Vinicius de Moraes às feias. Acabei de retornar de Jericoacoara, um exemplo de bela natureza envolvendo localidades feias, pessimamente administradas por políticos que, pelo descaso a olhos vistos, estão dando “melhores” destinos para os impostos que recolhem, incluso uma taxa cobrada dos turistas que, na palavra dos lá residentes, não volta um centavo para a localidade.
A beleza não está apenas no visual. Os cegos podem apreciar a beleza de uma boa música com seus ouvidos apurados. Mas a decadência está em todas áreas da arte, seja na música, na arquitetura e no cinema, infelizmente. Os grandes clássicos são atemporais, diferente dos atuais filmes ” de Oscar”, que sequer são lembrados dois anos depois.
A feiúra que vemos só aumentar, reflete a feiúra interior da humanidade em decadência.
Beleza está no campo da filosofia. Diz-se que uma juba de leão é bela. Por que? Não existe resposta além da força de uma classe dominante sobre outra. A verdade é que se a juba de um leão é de fato “bonita” isto se deve ao ponto de vista de quem vê. É como querer dizer que o laranja é mais bonito que o azul.
Porém os padrões históricos são, como dito, “padrões”. Há quem possa contestar a beleza de Marilyn Monroe, por exemplo, ou a feiura do Arnold Schwarzenegger. Hoje em dia é bastante polêmica a questão da beleza negra. Enfim, o que será de tudo isso?
Concordo com você! Tudo ficou muito feio, de mau gosto, a música, a cidade, a moda, as artes em geral, e até o comportamento das pessoas. Vai passar! Um dia tudo será belo e simples. Abs
Nossos olhos são e sempre serão atraídos pelo belo.
Me impressiona a feiúra das cidades brasileiras no geral. Parece que o senso estético dos construtores no período colonial era muito mais apurado que o dos que vieram depois. Basta comparar os centros preservados das cidades históricas mineiras com o que foi construído depois. O Rio de Janeiro, à exceção da orla marítima e as dádivas da natureza, é de doer os olhos de tão feio e decadente. E por aí vai…
Os ressentidos multiplicaram mediocridades pelo mundo. É preciso retornar muitos anos culturais pra reconhecer os verdadeiros vestígios da beleza.
Corrigindo: é muito melhor de visto.
Seu artigo é um belo farol. Thank you for your articles.
Concordo com o autor do texto. Beleza é essencial é muito aprazível e agradável ver uma coisa e perceber como ela é bela. Como também é bem desagradável ver uma coisa feia. Um belo pôr do sol ou amanhecer é muito de ser visto do que um cadáver humano em decomposição.
O escritor Milan Kundera disse em um de seus livros que “toda beleza precisa de ajuda”. Sim, com certeza. Imaginemos o caso de uma mulher bonita. Quanto maior a beleza, mais cuidados deve ter. Será que a humanidade está ficando preguiçosa? Ou besta?
Aqueles desprovidos do sentido da visão não poderiam entender que a beleza seja somente aquela ao alcance visual, relacionada à estética, mas também.
Einstein, para explicar a Teoria da Relatividade – abordando a noção de espaço-tempo curvo – conta uma história de um passeio que um dia fez com seu amigo cego. O dia estava quente e ele se virou para o amigo cego e disse:
“Eu gostaria de ter um copo de leite.”
“Copo”, respondeu o amigo cego, “eu sei o que é isso. Mas explique o que é leite?”
“Ora, o leite é um fluido branco”, explicou Einstein.
“Bem, fluido eu sei o que é”, disse o cego, “mas o que é branco?”
“Oh, o branco é a cor das penas de um cisne.”
“Penas eu sei o que são, mas o que é um cisne?”
“Um cisne é uma ave com o pescoço torto.”
“Pescoço, eu sei o que é isso, mas o que você quer dizer com torto?”
Einstein segurou o braço de seu amigo cego e o esticou. “Pronto, agora seu braço está reto”, disse ele. Então ele dobrou o braço do amigo cego no cotovelo. “Agora está torto.”
“Ah!”, exclamou o amigo cego. “Agora eu sei o que é branco.”
O “Fim da Beleza”, título da série (assisti aos três vídeos), tem o sentido de “finalidade” – objetivo, propósito e a beleza, na sua expressão mais completa pode ser representada em Anne Sullivan, professora de Helen Keller (Wikipedia). ) Isso também ilustra um problema com grande parte da pedagogia universitária atual. O professor finge ensinar e os alunos fingem aprender. Se os exames são elaborados para testar não o que foi ensinado, mas sim o que foi aprendido, todos ficam felizes. As notas são boas, as avaliações de ensino são boas e o maior prejuízo é o tempo perdido sem ganho de conhecimento.
É melhor investir na feiúra do que na beleza porque a beleza, com o tempo, se acaba, e a feiúra só aumenta. Kkkkkkk…
Eu acho que os feios deveriam pagar imposto pela feiúra. Kkkkkkk…
As feias que me desculperm, mas beleza é fudamental. Vinícius de Morais
VIVA A BELEZA. Viva o belo
Extraordinário o filme!!!